Paixões, Asneiras e Tristezas finalmente publicado


Jamais usei este blog para promover minha vaidade (que simplesmente não existe, por questões meramente técnicas e não por inclinação emocional, é claro). Tanto que, quando uma crônica deste blog (A foda sagrada de Drukpa Kunley) foi ao ar, na primavera de 2011, com direito a comentários efusivos e sacanas de mais de meia hora em programa noturno da KFK, rádio web de meu amigo Barata Cichetto, não dei a notícia aqui.

Mas este velho livro de poemas foi tão maltratado nas tentativas feitas, no século passado e neste, pelas editoras nacionais, que sua autopublicação no site da multinacional Amazon (em versões e-book e impressa) e no nacional Clube de Autores (versão impressa sob encomenda que pode ser paga com boleto), merece o registro neste blog, no qual seus poemas foram integramente publicados.

Não há no livro, portanto (com exceção da profunda revisão ortográfica e gramatical) grandes novidades para os leitores do Bira e as Safadezas, além do possível prazer de ter os poemas reunidos num único volume impresso ou num prático e-book.

Mas, para que a frustração não seja completa, reproduzo abaixo alguns trechos da biografia constante no final, que traz alguns fatos ainda não mencionados neste blog sobre a “República” do Alemão Valdir no bairro Petrópolis, em Porto Alegre:

“Com a chegada do sobrinho de Valdir, Rogério Seibt, de Santa Rosa, que se hospedou no apartamento para realizar o curso pré-vestibular, em abril de 2002, se constituiria, no Edifício Morumbi da Rua Amélia Telles, a lendária “República do Alemão Valdir” (que durou até janeiro de 2004, quando o alemão retornou a Santa Rosa), frequentada, entre outros, por Alexandre Vorpagel (o “Gordo Ale”), amigo e conterrâneo de Rogério, que cursava Radiologia na capital, e por Luiz Miranda Pedreira do Couto Ferraz (o “Baiano Luiz”), emigrado de Salvador, formado em Física e Filosofia e emérito boêmio, blogueiro e colecionador de falenas, que Valdir conhecera no Hotel Elevado, na Avenida Farrapos, quando viera morar em Porto Alegre, em 1996, e se tornaria parceiro de cachaçada, boemia e sacanagem de Bira e Valdir na sauna La Luna, na rua Barão do Amazonas.

Aí, na “República” (como Valdir constatara se parecer o apartamento, numa súbita inspiração num almoço de domingo), os fins de semana, e às vezes os dias úteis, eram agitados pelas infindáveis conversas, anedotas e histórias rocambolescas dos frequentadores, sempre devidamente regadas à cerveja, com exceção do “dono da casa”, que mantinha, desde 2001, tratamento com antidepressivos e raramente bebia. Às vezes, na ausência do Luís, em noites entediadas, muitos poemas amorosos deste livro vieram à tona pela primeira vez na internet, nos “chats” do alemão Ale com suas namoradas virtuais, enquanto Bira os lia em voz alta. E aí nasceram uns quantos poemas datados de Porto Alegre, aqui publicados, como “!” , Amargo Mate da Amargura , Embriaguez e Menestrel Equívoco.”

Ubirajara Passos

Pacotaço de Sartori: por que não aconteceu a greve geral do funcionalismo gaúcho e o que lhe resta fazer diante da sanha privativista e anti-trabalhador dos governos estadual e federal


Diante do questionamento de combativos companheiros servidores do judiciário gaúcho sobre a razão que impediu o funcionalismo do Rio Grande do Sul de deflagar a greve geral contra o pacotaço privativista (com absurdos como a venda da Sulgás, da Cia. Riograndense de Mineração e da CEEE, extinção da Cientec, da Fundação Zoobotânica e da fundação Piratini, que mantém a TVE e a Fm Cultura) e anti-servidor do governador Sartori, votado na correria e sob forte repressão miltar às manifestações de protesto na praça da matriz, publicamos, a guisa de resposta, as seguintes reflexões no grupo de facebook “Greve no Judiciário Gaúcho”:

Nem medo, nem falta de união, mas simplesmente peleguismo puro de lideranças sindicais burocratizadas e incapazes de comandar a rebeldia necessária. Discursos infantis e desgastados como o da direção do Cpers, que tratava o apocalipse do serviço público como um mero “pacote de maldades” (algo como uma “birrinha pueril do governador) e não como uma política coerentemente pensada (embora radicalmente absurda) e determinada de enxugamento e desmonte do serviço público, e entrega de setores estratégicos ao capita privado, deixam clara uma inércia abobalhada diante da hecatombe que está nos reduzindo a todos à condição de escravos sem nenhum direito, atê mesmo à representação sindical! (vide o fim de triênios, adicionais, licença-prêmio e licença remunerada para cumprimento do mandato sindical), na liquidação do estoque e patrimônio da lojinha falida do budegueiro gringo (tal é a natureza das “medidas de gestão” de Don Sartori).

No Sindjus não se deve nem falar, visto que dirigido por agentes expressos e teleguiados do patrão.

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fotos: Inezita Cunha
A heróica resistência das manifestações durante a votação propositalmente de inopino, feita a ferro e fogo e garantida pela repressão militar truculenta, é o derradeiro ato desesperado, e absurdamente insuficiente, que mesmo que contasse com a presença de dezena milhares de servidores não surtiria o efeito necessário que somente poderia advir da greve geral por tempo indeterminado.

No já longínquo ano de 1987, atitudes bem menos drásticas do governador peemedebista Pedro Simon foram exemplarmente rechaçadas e detidas por uma greve sem precedentes, liderada por sindicatos com brios.

Naquela época os servidores da justiça fizeram sua primeira grande greve sob a liderança, recém eleita então, do Paulo Olímpio da ASJ (!), que nem o Sindjus então existia!

É inacreditável a domesticação a que chegamos nestes trinta anos, que é extremamente perigosa quando ocorre simultaneamente ao avanço raivoso e impiedoso do fascismo privativista e predatório que comanda o país desde Brasília.

As “reformas” de Sartori e Temer não coincidem com a lógica da liquidação de lojinha falida por acaso, nem são mero reflexo da índole partidárias de tais governos, casualmente peemedebistas.


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fotos: Inezita Cunha

Elas servem concretamente aos interesses do capital financeiro internacional, cuja sanha cada vez maior se garante pela implantação de ditaduras informais, escudadas numa legalidade aparente e no mais furibundo e falso moralismo fascista.

E para implantá-las nada melhor que governos fantoches dirigidos pela velha lógica feudal, entreguista e subserviente das aristocracias latino-americanas. As mesmas que apearam Perón e Jango do poder, “suicidaram” Getúlio e Allende e assassinaram Che Guevarapara que a burguesia americana pudesse continuar sugando cada vez mais o produto do sacrifício diário dos trabalhadores do continente.

Contra este massacre econômico e social deliberado, que nos chicoteia o lombo e nos tritura o corpo até o tutano, não resta, tanto para servidores públicos quanto para o povo trabalhador brasileiro em geral, outra saída que a única e derradeira resposta plausível ao encurralamento irresistível em que estamos sendo jogados. E ela não é somente a resistência pela greve geral, mas a derrubada, a pau e pedra de tais governos ilegítimos.

Estão nos retirando até o último direito e nos conduzindo à miséria definitiva. Logo não teremos mais nada a perder. E aí, quem sabe, ganharemos o ímpeto para virar a mesa e mandar esta ordem social e econômica, e todos seus beneficiários, inclusive os mandaletes corruptos travestidos de defensores democratas da moralidade, ao lugar que merecem (que não é exatamente o colo de suas genitoras)!

Ubirajara Passos


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foto: Inezita Cunha

Ao Pé de Ernesto Che Guevara


Mais um estranho espírito poético me incorporou, desta vez invocado por umas doses de absinto, e, ao que tudo indica, deve ser o de um adolescente deslumbrado dos anos 1970. Mas, seja do jeito que for, aí vai a última produção de um bêbado em “crise existencial”:

Ao Pé de Ernesto Che Guevara

Diante do teu ícone profano,
Santo ateu e anti-clerical,
Sinto a força transcendente da Paixão,
Sinto-te um Cristo sem Deus,
Crucificado
Nas balas torpes do colonialismo.

No teu olhar firme e sonhador
Intuo a febril fé de um São Francisco
Banhado na bíblia marxista,
E tremo, em um forte transe místico,
Tomado de uma raiva sacra
Contra o escravismo assalariado que reduz-nos
A mero gado destinado ao abate.

Diante da firmeza inabalável
Que vem do âmago profundo do teu ser,
E atravessa-te todas as camadas
Sem se perder em dissimulações,
Sinto sangrar a sede de vingança,
Sinto gritar, metálico, o brado
De uma América sofrida e estenuada
Sob os grilhões do sadismo requintado,

De um povo mestiço e teimoso
Que vive, apesar da tortura quotidiana,
E ri, desventurado e em frangalhos,
Na euforia rara e contida
Da coca em folha, da cachaça,
De um tango, de uma rumba,
Ou de um samba!

Ernesto Guevara de la Serna:
Não foi tua ação objetiva, ou o pensamento,
Que transportou-te ao altar da rebeldia.
Nem foi a banal “celebridade”
Da mídia burguesa que te fez
Uma imagem de luta generalizada.

Mesmo o mais inciente playboyzinho
Que te carrega no peito “por esporte”
Não está imune á profundidade
Que emana, indignada e sem fronteiras,
Da tua imagem muda, ressoando
A cada instante, o martírio desta América!

Gravataí, 6 de julho de 2008

Ubirajara Passos

CHE GUEVARA CONTINUA INCOMODANDO 40 ANOS DEPOIS DE SUA MORTE


Ernesto Guevara de la Serna, o determinadíssimo e incoercível guerrilheiro latino-americano, morria em 8 de outubro de 1967, na selva boliviana, odiado e temido pelo imperialismo americano e pela burguesia transnacional, contra os quais dedicou sua vida, na revolução armada, sem vacilar, até o ponto de ser capturado, fuzilado e sepultado numa cova clandestina e coletiva no coração da América do Sul. O pavor do imperialismo era tão grande, que não podia preservar sequer a identidade do cadáver de seu grande inimigo. E para exorcizar definitivamente o homem que deu a vida em prol da libertação, ainda não alcançada, da humanidade da escravidão assalariada, a mídia burguesa tratou de eternizá-lo na forma de inócuo e inofensivo ícone pop, presente em todas as estampas de tecidos e nos mais diversos badulaques, como chaveiros e canetas – até mesmo em calcinhas e no biquíni usado pela perua Gisele Bündchen em um desfile de moda (o que bastou para escandalizar a redação da filial brasileira do grupo americano Time-Life, a revista “Veja”, desta semana).

Sob o título de “Che, a farsa do herói – verdades inconvenientes do guerrilheiro altruísta, quarenta anos depois de sua morte”, a servil e direitosa revista “nacional”, editada no último dia 3 de outubro, se esmera em matéria de capa, que ocupa 10 páginas, em apresentar o Che como um fanático comunista comedor de criancinhas, “assassino cruel e maníaco”, “apologista da violência, voluntarioso e autoritário”, cujo “retrato clássico – feito pelo cubano Alberta Korda em 1960” “foi parar no biquíni de Gisele Bündchen, no braço de Maradona, na barriga de Mike Tyson, em pôsteres e camisetas”.

Para tanto o periódico, sem mencionar o profundo senso de justiça social, humanidade, e a ingenuidade da dedicação ao “trabalho voluntário” braçal por ele exercido aos domingos, na reconstrução da Cuba espoliada até o estertor pela ditadura de Fulgêncio Batista e pelo domínio norte-americano, enfatiza, devidamente descontextualizado das circunstâncias da guerra de guerrilhas e da revolução, o papel de Che como comandante de frente guerrilheira ou do quartel onde, após a vitória, se levava os ilustres burgueses cubanos (em nome de cujas fortunas e luxuoso e fútil sadismo, milhares de trabalhadores, mulheres e crianças padeciam a própria morte em vida ou morriam um pouco todo dia, de fome, miséria e excesso de trabalho nos canaviais, em verdadeiro regime de escravidão) para o fuzilamento no “paredón”. Que, aliás, apesar de ser pedido aos gritos pelo povo oprimido (e não imposto pela “ditadura comunista de Fidel”), me parece forma muito branda de eliminação dos parasitas exploradores e da peste emocional. Pois um latifundiário ou burguês morto a balas ainda conserva o pescoço, o que é um perigo! Ainda há chance – mesmo remota – de ser “ressuscitado”. Eficientes e espertos mesmo eram os jacobinos de Robespierre, na Revolução Francesa, que usavam a guilhotina, a qual, separando a cabeça do corpo, eliminava toda possibilidade de falha na execução dos “altruístas” nobres da Corte de Versalhes.

No mundo de “Veja” as revoluções se fazem sem sangue… e sem mudanças, é claro. E os puros e educados empresários capitalistas, de punhos brancos e rendados são ótimas, bem-humoradas e afáveis pessoas que não sujam as mãos com o sangue e o suor alheio, portando um fuzil ou uma faca… Isto porque contam com a colaboração de seus lacaios gerentões e contra-mestres, e dos próprios trabalhadores oprimidos e conformados, que vão morrendo aos poucos de cansaço, fome e auto-violentação psicológica todo dia! O crime do lucro e do luxo capitalista, em nome do qual empresários e o próprio Estado (este na guerra predatória e repressora) matam milhões pelo mundo todos os dias é admitido e celebrado pela mídia, na medida em que ocorre de forma surda e “higiênica” nas empresas, ou longe dos olhos “inocentes” de doutores e jornalistas de gabinetes, praticado pela polícia a serviço do regime em becos perdidos, ou abertamente pelos exércitos “humanitários” e defensores da “democracia e dos direitos humanos” no Iraque ou no Haiti, por exemplo. Mas nem por isso George Bush ou Gerdau são qualificados pela mídia de sanguinários e desumanos. E Roosvelt e Churchill (dirigentes dos Estados Unidos e da Inglaterra na Segunda Mundial), responsáveis (ainda bem!) pela morte de milhares de nazistas (e mesmo da população civil não engajada) na Europa são celebrados como heróis, e verdadeiros “santos” laicos pela cultura oficial.

Mas até aí, tudo bem. A caracterização da horrível “violência revolucionária” é uma questão de ponto de vista, admissível e verificável “cientificamente”. O problema é que “Veja” (que no mesmo número celebra “imparcialmente” – às páginas 60 e 61 – a fala do falso socialista, e moderno fascista, Luís Inácio Lula da Silva na ONU, sobre o bio-combustível) para desmistificar e revelar o verdadeiro caráter do Che (“cruel e fanático”), cita justamente entrevistas com imparcialíssimos dissidentes do regime cubano, ex-membros da classe proprietária exilados em Miami e nada mais, nada menos que o agente da CIA Félix Rodríguez (que presenciou a execução do Che).

E a matéria, para coroar sua neutralidade científica e sociológica, se trai da forma mais infantil no discurso anti-comunista, com frases como : “Por suas convicções ideológicas, Che tem seu lugar assegurado na mesma lata de lixo onde a história já arremessou há tempos outros teóricos e práticos do comunismo, como lenin, Stalin, Trotsky, Mao e Fidel”, ou “COMUNISMO: Depois da queda do Muro de Berlim, a ideologia será lembrada sobretudo como a responsável pela morte de 100 milhões de pessoas”. E cai no ridículo da desconstrução histórica ao “denunciar” o óbvio e inconteste fato de que, após a execução, os soldados do exército boliviano (que servia a um regime fascista e subserviente ao colonialismo yankee) “limparam Che para a foto” de seu cadáver, que “sujo, vestido de trapos e calçado com o que sobrou de uma botina artesanal de couro”, “usava um calço em um dos calcanhares, provavelmente para corrigir uma diferença de tamanho entre uma perna e outra”.

É bem verdade que Che Guevara não era nenhum “Ghandi” ou uma “madre Teresa de Calcutá”. Foi revolucionário, e como tal usou da violência contra a violência maior do capitalismo. E não tinha o hábito, tão celebrado e confortável à mídia burguesa, de deixar-se prender em protestos públicos, sem reação, para escandalizar e desarmar a polícia imperialista, o que – desde Ghandi – tornou-se uma atitude completamente inofensiva para os agentes da opressão social e política (que, não tendo a “finesse” e “boa educação” dos pobres soldados e policiais britânicos bitolados no moralismo ainda meio vitoriano do início do século XX, hoje em dia dão gargalhadas de semelhante atitude bufa e ingênua). E muito menos era dedicado à mansa “caridade” do assistencialismo social, que, distribuindo migalhas entre os desvalidos, evita sua revolta contra a dominação e mantém convenientemente os privilégios dos nossos “donos”, para desgraça da maioria da humanidade (sob este ponto de vista, Lula devia ser canonizado como a Madre Teresa de Calcutá de barbas da América do Sul).

Como anarquista que sou, admito mesmo que o Che era um tanto filho do “fascismo vermelho”. Mas, entre tantos “defeitos”, possuia uma qualidade que é responsável pela sobrevivência histórica de sua figura, pela tentativa de integração e aculturação de seu mito “demoníaco” (a sombra da personalidade inconsciente dos psicológos junguianos) pela mídia capitalista e pelo incômodo que causa ainda hoje, ao ponto de suscitar a descabelada matéria da “Veja”, tão empenhada em demonizá-lo. E esta qualidade era o profundo ódio à injusta e massacrante opressão dos patrões e seus lacaios (os modernos “senhores de escravos”) sobre a grande maioria da humanidade, e a capacidade de jamais ceder ou desistir em sua luta pela derrocada do capitalismo, a ponto de colocar em risco a própria vida (o que é próprio de todo revolucionário legítimo). Assassino, incompetente, fanático, ou não, Che jamais poderá ser acusado de covardia. Sustentou até o final as conseqüências de seus atos e, se pediu clemência ao inimigo imperialista ao ser capturado (o que a matéria “demistificante” pretende fazer crer, citando o depoimento de um tenente do exército boliviano), fez apenas o que é próprio de todo ser humano diante da morte – e que não o impediu de levar a guerrilha no altiplano até este ponto. Che sabia que, sem apoio dos camponeses locais, traído pelo Partido Comunista Boliviano (fiel ao imperialismo soviético), e sem condições de resistência, cedo ou tarde, seria cercado pelo inimigo. E era mais fácil, ao invés da humilhação da derrota, ter se suicidado.

Mas, na verdade, o supremo “pecado” do ateu totalitário “Ernesto”, que o puritanismo de empréstimo da mídia brasileira pró-yankee não suporta, é conspurcar simbolicamente um dos ícones do falso hedonismo do capitalismo “pós-moderno”. Afinal, a figura do barbudo revolucionário cobrindo a buceta da dondoca modelo está, de certa forma, “estuprando” o “puro” símbolo do prazer burguês, cuja imagem se oferece à ralé para que babe na contemplação da volúpia glamourizada, que só ao explorador é reservada!

Ubirajara Passos

ERNESTO: O espírito que falta ao mundo


 

Ernesto Guevara de la Serna, nas suas concepções teóricas, nos seus discursos e atitudes à frente de cargos governamentais (ou mesmo no comando de forças revolucionários no Congo ou na Bolívia) não era nenhum libertário e beirava ao grotesco em seu apego às cartilhas do comunismo oficial (o fascismo vermelho), tivesse ele colorações soviéticas “revisionistas” ou o stalinismo “alternativo” do caminho chinês (o maoísmo, de que se aproximava nos seus últimos anos de vida).

Suas atitudes e pregações na direção do Ministério da Economia de Cuba (o incentivo e a própria dedicação ao “trabalho voluntário nos feriados, e a concepção do novo homem comunista) beiravam ao sectarismo ingênuo de petistas que ainda crêem – se é que isto é possível – em Lula como instrumento da transformação social e a um masoquismo franciscano digno do católico mais autêntico e sofredor.

Mas, ao contrário de velhos caudilhos latino-americano (como Bolívar), tão “revolucionários” e obstinados quanto ele, porém terrivelmente matreiros, vaidosos e manipuladores de conchavos políticos, o que distinguia o “Che” dos políticos comuns, e de noventa por cento da humanidade, era a sua autenticidade absoluta e o seu compromisso incoercível com aquilo em que acreditava, que o levava aos maiores sacrifícios na ação prática em sua defesa, sem a menor hesitação pequeno-burguesa, e uma convicção de fazer corar aos mais fundamentalistas dos muçulmanos que se auto-flagelam!

 

Che possuía em si a mais rara das “virtudes”, que, mais que o modismo absorvedor do capitalismo moderno, o qual transformou-o em símbolo pop (tão vazio de significado atual quanto a calça jeans, o rock das antigas e a contra-cultura) justifica a sobrevivência, e o culto do seu ícone, quarenta anos após sua morte: a certeza de que só a luta, a ação concreta e sem desvios, muda a vida; e a capacidade de se lançar de forma total, sem a menor concessão, a um ideal de redenção, ainda que disto resulte a própria morte!

Creio que, por mais equivocadas e autoritárias que fossem suas convicções pretensamente socialistas, Ernesto Che Guevara encarnava em si uma ternura imensa pela humanidade, pelo homem comum fudido do povo, que é a imensa maioria anônima e muda de nosso mundo.

E era o maluco capaz de se jogar ao mais viciado e cruel dos jogos (a guerrilha débil contra um sistema que oprime a partir do domínio sobre a mente dos próprios oprimidos) em nome de uma vida válida e digna de gente para os que geram com o seu trabalho os luxos e a sofisticação tecnológica dos “donos do mundo”!

Para ele não havia medidas, nem meias-medidas! Mas somente a certeza (não o dogma fanático ou estudado da rejeição a todo questionamento), que lhe brotava do fundo dos sentimentos, do único caminho capaz de nos redimir a todos das servidões que nos oprimem: a rebelião convicta e inquebrantável!

Há quarenta anos, nas selvas bolivianas, vítima da incoerência política de seus aliados russos e cubanos (quem sabe se da traição do próprio Fidel), e da perfídia do imperialismo yankee, morria, em 1967, enquanto eu, piá de apenas dois anos mal sabia do mundo, um cara que era mais doido na mania da revolução do que eu (que nunca joguei o fuzil sobre o ombro), mas com o qual comungo a teimosia: ERNESTO CHE GUEVARA!

 

 

Ubirajara Passos