Fernando Henrique Cardoso, apesar da fama de esquerdista, nunca foi exemplo de um socialista. Seu partido atual, o PSDB, fundado como dissidência, oportunista, do PMDB, no final do governo Sarney, em 1988, também nunca teve nada de “social-democrata” e a prática concreta de seus membros faria corar até o pseudo-trabalhista Tony Blair.
Intelectual deslumbrado, mais próximo do que os críticos burgueses chamavam, na década de 1970, de “esquerda festiva” e sociólogo de gabinete (cujas elocubrações cerebrinas viam “dependência econômica” onde há domínio, submissão e exploração de nações como o Brasil pelo imperialismo yankee e multinacional), não foi grande novidade que o governo de Dom Fernando se notabilizasse pelo caráter socialmente reacionário. E implantasse os retrocessos que Collor não teve tempo de impor, como as privatizações generalizadas de empresas estatais e as Reformas Administrativa e Previdenciária.
Apesar de ser sempre apresentado pela mídia como o “anti-Lula”, ou seja, culto, refinado, freqüentador de salões da alta sociedade e distante do povo (enquanto o Inácio seria o arquétipo do operário, formado na “escola da vida” e solidário com as multidões miseráveis), Fernando Henrique possui com o Inácio, entretanto, uma identidade bem maior do que a orientação econômica e social concreta de seus governos (em que Lula se fez o continuador do “neo-liberalismo” henriquiano, prosseguindo com o monetarismo conservador e aprofundado a Reforma Previdenciária e a política anti-povo).
No verbete “Partido dos Trabalhadores (PT) à página 4470 da “Grande Enciclopédia Larousse Cultural” (editora Nova Cultural Ltda., 1999) é possível ler-se o seguinte trecho: “entre 1977 e 1979, houve uma tentativa de formação de um partido de esquerda idealizado por trabalhadores, intelectuais como Francisco Welfort, José Álvaro Moisés, Paul Singer, Fernando Henrique Cardoso. O projeto não foi adiante devido a divergências político-ideológicas. Nas reuniões com os sindicalistas – entre eles, Jacó Bittar, Luiz Inácio Lula da Silva e José Ibrahim -, surgiram duas correntes. A primeira adepta da atuação parlamentar, e a outra, voltada para atuação nos movimentos sociais. Assim, um grupo decidiu filiar-se ao PMDB, ao passo que o outro partiu para a formação do Partido dos Trabalhadores”.
O PT não é, portanto, como se crê, um projeto exclusivo e genuíno de sindicalistas, estudantes e padres vermelhos independente dos políticos tradicionais, forjado a partir das lutas sindicais desde 1978. Mas faz parte de um projeto maior, no qual o Inácio e o Henrique se encontravam lado a lado como dois irmãos siameses.
Visto da perspectiva histórica de hoje, em que ambos defendem na prática os mesmos interesses anti-povo de grandes multinacionais, banqueiros e patriciado político corrupto tradicional (os Sarneys e Robertos Jefersons de todo dia), disputando entre si apenas quem será o melhor capacho do imperialismo a sentar as augustas bundas no Palácio da Alvorada (de outra natureza não é a contenda entre Lula e Alckmin), as “divergências” entre os antigos grupos se revelam apenas discrepâncias táticas, mas não diferenças ideológicas.
Muito estranho, aliás, o tal projeto de “partido de esquerda”, pensado em pleno 1977 (ano em que o ditador Geisel fechava o Congresso para editar o pacote de abril e criar casuísmos como o senador “biônico”, eleito indiretamente), quando sequer se cogitava da restauração do pluripartidarismo. E em que, há apenas dois anos, o jornalista Vladimir Heroz, diretor da TV Cultura, era preso e assassinado pela ditadura pelo simples fato de ser comunista.
Mas as ligações comuns de Luís Inácio e Dom Fernando com organizações imperialistas americanas (o Iadesil, financiado pela CIA onde o “semi-analfabeto” Lula fez sua pós-graduação política e o Diálogo Interamericano, organizado e apoiado pelos partidos Republicano e Democrata, do qual Fernando Henrique é um dos membros no Brasil) nos dão a pista da verdade. Desde os anos 1970, ambos os figurões políticos compõem a mesma “equipe” e comungam da mesma missão de carrascos do povo brasileiro, sob a benção de seus padrinhos fascistas (as elites nacionais de capachos e os grandes grupos transnacionais), devidamente instruídos e preparados pelos militares golpistas para perpetuar na “democracia formal” o Brasil da fome e da sangria de recursos em favor das metrópoles neo-coloniais.
Ubirajara Passos