Memórias juvenis da contestação à “redentora” (de como se forma uma militante revolucionária)


O texto aqui reproduzido foi-me foi enviado, via whats app, há alguma semanas pela camarada Lúcia Saldanha Caiaffo, companheira de luta sindical e política de longa data, que conheci, na condição de jovem representante de comarca, em 1992, quando ela ocupava o cargo de presidente do Sindjus-RS, escolhida na primeira eleição direta do sindicato, fundado em 1988, no ano anterior.

Desde então formou-se entre nós uma amizade, e parceria na militância política e sindical, que as décadas decorridas não arrefeceram, mantendo aceso e incrementando o entusiasmo. Embora separados por centenas de quilômetros (ela residindo no litoral catarinense e eu na região metropolitana de Porto Alegre), raros são os dias em que não trocamos alguma mensagem e (membros ambos da corrente sindical Luta e Indignação, por mim liderada, no judiciário gaúcho) e seguidamente temo-nos ombreado de forma radical e incansável na luta política e social, metendo o bedelho não somente nas questões específicas da  categoria dos servidores da justiça, mas também no combate ao fascismo circense do bolsonarismo e na luta sem quartel pela revolução profunda de nossa sociedade.

E é, com o maior prazer que publicamos, para deleite dos leitores deste blog extemporâneo e moribundo, as memórias de sua inquieta e inconformada juventude como estudante nos anos de chumbo, no Rio Grande do Sul, cujo entusiasmo os anos não arrefeceram:

Amanhecia o dia 1° de abril de 1964. Morávamos em Santa Maria RS, bem no centro da cidade. Acordamos com um barulho estranho e vimos da janela do ap., um comboio de Urutus, muitos, em fila. Tinha eu 14, quase 15 anos e sem a menor ideia do que estava acontecendo. Cursava a 4° série do Ginásio e fazia parte do Grêmio Estudantil que cuidava apenas dos direitos e das atividades sociais dos alunos.  A primeira informação que tive, foi que os milicos estavam aquartelados e nem sabia o que era isso, estava mais focada no Baile de Debutantes, que seria em outubro próximo. Muito curiosa fui procurar informações.

Uns 2 anos depois disso, já percebendo os horrores da Ditadura, comecei a militar no Movimento Estudantil da cidade.  Sempre ouvindo minha mãe dizer que eu não me ” metesse nisso”, que era perigoso, etc… Mas, como dizia ela, sorrindo: “a Lúcia não tem jeito”. E não tenho, mesmo, até hoje .

Em 66 a família foi morar em Porto Alegre. Aí sim achei meu caminho.  Fui cursar o Ensino Médio na melhor Escola Pública do RS, considerada “Modelo”, ao mesmo tempo que o Don Pedro II do Rio de Janeiro, o Colégio Júlio de Castilhos.

Excelentes Professores tive no Científico. Mas, imediatamente substituída a Direção por gente da confiança dos Ditadores.

É claro que logo entrei no Grêmio Estudantil, chamado na época de Grêmio Literário e submetido à supervisão de uma Professora de direita que inclusive assistia às Reuniões da Diretoria!!!

A Escola era mista mas não “misturada”. No turno da manhã estudavam só as meninas e à tarde os rapazes. Entretanto, nós do Grêmio, tínhamos permissão para entrar a qualquer hora.

Na porta de entrada havia um Guarda desses de Empresa, que trabalhava fardado. No espaço em baixo da escadaria, havia um Barbeiro!! Quando o tal Guarda achava que um dos alunos estava “cabeludo”, levava para cortar o cabelo!!!

Esse foi nosso primeiro embate com a Direção da Escola. Era 1968. Combinamos que as meninas permaneceriam dentro da Escola no intervalo do almoço e os rapazes chegariam antes do horário de início das aulas da tarde.  Lotamos completamente o saguão de entrada e sentamos no chão. Fizemos uma Comissão da Diretoria do Grêmio e fomos ao Diretor.

Evidente que se recusou a nos receber. Com um megafone na mão, informamos aos colegas a decisão do imbecil Diretor. Pelo prédio todo ecoaram nossos gritos. A Besta quadrada botou a cara pra fora da sua sala e voltou pra trás em um segundo, com cara de incredulidade e mudou de ideia: “Vou receber o pessoal do Grêmio”!

Enquanto isso, a galera carregou a maldita cadeira de barbeiro e deixou na Praça Piratini, que é em frente à Escola.

Depois desse fizemos vários outros protestos. Um deles A Revolta da Minissaia.

Cansei de escrever, qualquer dia  conto mais.

Amo essa Escola até hoje!”

Lúcia Saldanha Caiaffo

Aos militantes que se acotovelam em frente aos quartéis, agora embalados por uma representação judicial maliciosa e falaz no TSE:


Saibam que Bolsonaro não poderia nem ter sido candidato. Deveria estar preso, inclusive, em razão dos 700 mil brasileiros mortos em consequência de sua política sanitária anti-isolamento, anti-máscara e anti-vacina.

Tentou roubar a eleição mandando a polícia federal reter virtuais eleitores do adversário em pleno pleito e mesmo assim perdeu.

Não existe fraude, não existe manipulação. Por escassa margem, é bem verdade, o setor mentalmente saudável da população brasileira o impediu de se reeleger no dia 30 de outubro e esta vontade está legitimamente expressa nas urnas.

O fascismo doentio, anti-prazer e anti-vida foi derrotado e não tem mais volta.

Admitam a verdade e voltem para casa a fim de lamentar, com oceanos de lágrimas, a desgraça do "mito" assassino. 

Seu calvário nem iniciou ainda e o sangue de cada brasileiro desnecessariamente falecido nos braços do Covid só será devidamente honrado quando este monstro for condenado a pagar seus crimes na masmorra pelo resto de sua ignóbil vida!

Ubirajara Passos

Ação judicial da coligação de Bolsonaro visando anular os votos de 40% das urnas e declará-lo eleito é o coroamento de manifestações aparentemente ingênuas, tresloucadas e inócuas. Urge ao povo ocupar as ruas ou o golpe se tornará uma cruel realidade.


Diante da representação apresentada ao TSE hoje alegando sérios problemas em 40% das urnas utilizadas no segundo turno das eleições presidenciais (ver notícia clicando no link aqui), cujo caráter tecnológico pretensamente antiquado comprometeria a fidedigna expressão da vontade do eleitorado, se torna explícito que o golpismo verbal dos bolsonaristas pós-30 de outubro não é mera reina furibunda sem maiores consequências. Nem o profundo silêncio de seu mito mentecapto.

O golpe está a caminho. Estruturado juridicamente e não apenas alicerçado nas manifestações do que parece, aos olhos ingênuos da maioria, um rebanho demente de fanáticos folclóricos e tresloucados.

Começaram trancando rodovias. Não houve a devida reação legal das autoridades responsáveis.

A seguir foram para a frente dos quartéis bradar e desfilar Brasil afora. O caráter histérico e estrambótico dos protestos bolsonazistas que pregavam de forma escancarada (em flagrante delito de crimes qualificados no próprio Código Penal) o rompimento da ordem jurídica constitucional e democrático não sofreu sequer a reprimenda de de um mero boletim de ocorrência e a reação da maioria dos militantes populares foi de riso e desconsideração diante do que se considerava apenas um bando de fascistas inconsequentes, cuja manifestações hidrofóbas se dissipariam no cansaço do tempo sem maiores repercussões.

A maior parte das organizações partidárias de esquerda e organizações da classe trabalhadora, tranquilizadas pela ideia de que não há clima institucional para qualquer golpe, mantiveram-se silentes, crentes que qualquer reação pública à altura das ações golpistas poderia dar pretexto a um clima de exasperação almejado pelas provocações bolsonaristas e o melhor remédio contra elas seria a indiferença.

Somente alguns poucos movimentos e organizações sindicais e partidárias populares, cientes de que não se trata de mero “mi-mi-mi” de perdedores inconformados e inofensivos, saíram às ruas para protestar contra a incitação expressa ao golpe militar manifestada (e exigir a revogação das reformas trabalhista e previdenciária que foram o principal objetivo da derrubada de Dilma, a prisão de Lula e o apoio à eleição de Bolsonaro), como as mil pessoas que marcharam na Borges de Medeiros, na tardinha de quinta-feira passada em Porto Alegre.

E agora, hoje, depois de semanas de silêncio do líder mentecapto, e muito barulho de seus adeptos, temos o coroamento do que se julgava um mero desabafo tresloucado de perdedores surtados. A contestação à eleição de Lula, e à retomada do processos democrático no Brasil, toma as cores concretas e perigosas de uma representação jurídica perante o Tribunal Superior Eleitoral, visando, com argumentos técnicos duvidosos, anular o resultado de 40% das urnas utilizados e reconhecer a pretensa vitória da candidatura do nazista genocida Jair Bolsonaro à Presidência da República.

Ainda que seja rechaçada pelo TSE e pela suprema corte de justiça do país, a ação e seus argumentos servirão de pretexto não só para os protestos aparentemente inócuos, que já incluíram a tentativa malograda de uma greve geral de patrões, mas para eventuais ações de força concretas do aparato militar, que estariam sendo tramadas a boca pequena nas casernas, segundo membro do Tribunal de Contas da União, conforme áudio vazado nesta semana, e recebido sem a devida importância.

Se não houver a devida ação necessária do judiciário, com a prisão e processamento de todos envolvidos nas manifestações pró-golpe, na forma legal, estará se incrementado de forma perigosa, e talvez inevitável, o desfecho de uma quartelada, eventualmente apoiada por setores do grande capital, que começa a inquietar-se no setor da especulação financeira e acionária, assustado com meras declarações do presidente eleito a respeito da prioridade das necessidades sociais do povo brasileiro frente à austeridade tacanha da “responsabilidade fiscal”.

Mas não podemos esperar pela mera reação institucional das autoridades. Mais do que nunca se faz necessário que a massa trabalhadora, a que sustenta os privilégios inomináveis dos patrões das altas cúpulas, e faz andar o Brasil, ocupe as ruas para evitar o golpe e dar sustentação ao novo governo (inclusive exigir deste o mínimo de compromisso com as multidões que tiveram retirados na marra seus direitos trabalhistas e previdenciários pelo processo golpista inaugurado em 2016).

Ou poderemos assistir até o fim do ano, calados e estupefatos, a inviabilização da posse de Lula ou uma solução de compromisso e “pacificação” similar a que tentou manietar Jango em setembro de 1961, quando o Movimento da Legalidade tornou inviável o golpe contra sua posse, instaurando um parlamentarismo falcatrua e de ocasião, somente derrotado por um plebiscito popular, em janeiro de 1963. Que não evitou, um ano e dois meses depois, a deposição do último governo efetivamente comprometido com as reformas necessárias à garantia da dignidade popular e a defesa do Brasil contra a espoliação internacional, por um golpe (admirado pelo capitão Jair) que, instalando a mais cruenta ditadura fascista e anti-nacional, nos legou o Brasil da miséria e violência generalizada que ainda hoje vivemos.

Ubirajara Passos

A última e fatal oportunidade de salvar o Brasil é derrotar Bolsonaro nas urnas amanhã.


Escrevo às vésperas de uma eleição presidencial cujas últimas pesquisas apontam, em sua maioria, uma vitória extremamente apertada de Luís Inácio da Silva, o Lula, sobre o Jairzinho Capitão do Mato. Por menor que seja o alcance, hoje, desta publicação, se ela lograr definir ou alterar o voto de um único brasileiro poderá ter colaborado para a salvação de todos nós, membros da grande massa de escravos assalariados deste país, das garras infernais que envolveram o Brasil desde o fatídico 29 de outubro de 2018, cravando-se fundo em nossos corpos e mentes, até sangrar, e cuja continuidade, fatalmente há de espremer-nos até a última molécula de dignidade humana, numa tortura infinda, até cujo fim multiplicar-se-ão aos milhões as vítimas da morte em vida, transformadas definitivamente em gado enlanguescido a puxar, trôpego, o arado sob a truculência do látego cínico e orgulhosamente cruel de um governo fascista assumido e cretino.

Se há quatro anos a perspectiva da ditadura e da barbárie destroçante de todo traço de um mínimo de vida, liberdade e humanidade que ainda podíamos gozar nas condições precárias da dominação escravagista mal disfarçada sob a qual vivemos, ainda admitia a necessidade de justificar-se o voto no opositor petista de Bolsonaro no segundo turno (o professor Hadad), diante das minhas históricas críticas e contrariedades às práticas dos sucessivos governos petistas, hoje não há a menor dúvida, nem a mais diminuta hesitação possível em garantir a derrota do Messias do Autoritarismo Genocida, digitando-se na urna eletrônica o emblemático número 13 do PT.

Fosse qual fosse o personagem contraposto ao atual Presidente da República e mereceria todo o apoio entusiasmado para garantir que seja decepada a cabeça da monstruosa opressão que sobre nós abateu-se como resultado da hegemonia da peste emocional.

Já não tememos quanto poderá nos desgraçar o futuro, nem precisamos elucubrar sobre os matizes mais diversos das possíveis atrocidades destinadas à massa de trabalhadores miseráveis e diariamente oprimidos pela precariedade de uma vida cada vez mais indigna do sacrifício árduo do trabalho, através do qual se cria o privilégio requintado de nossos sinhozinhos.

Além de todas as barbaridades políticas e sócio-econômicas (como a reforma da previdência que, vinculando a aposentadoria à idade mínima – ainda por cima absurdamente elevada, praticamente a extinguiu, ou a política econômica inflacionária e arrochante dos salários, que transformou ovo ou osso de gado em iguaria refinada no prato da maioria dos brasileiros) já se realizou o crime supremo e indefensável diante do qual é custoso se admitir, sem qualquer perplexidade, que o senhor Jair Messias Bolsonaro ainda continue à frente da presidência da república e disputando sua reeleição.

Cínica e debochadamente realizou-se, sem a menor vacilação, em meio à pandemia que ameaçou a vida humana sobre a Terra, o genocídio conscientemente assumido e premeditado, que conduziu 700 mil brasileiros à cidade dos pés juntos nos braços do coronavírus. Não casualmente, a grande maioria deles pertencente às camadas mais miserabilizadas e indefesas da peonada trabalhadora, que, sem qualquer auxílio econômico que lhe garantisse a possibilidade de permanecer em casa pelo tempo necessário à redução da contaminação e desenvolvimento e aplicação da vacina (como se praticou mesmo nas nações capitalistas mais inveteradas), se viram premidas ao comparecimento diário ao trabalho e ao contágio inevitável e fatal do voraz vírus, que os conduziu à morte agonizante pela falta de ar e falência do organismo (ironizada debochadamente por Bolsonaro em entrevista dedicada a criticar o único ministro que tentou aplicar política sanitária racional e coerente).

matando o drãgão

Bolsonaro não combateu o isolamento social, o uso da máscara de proteção, nem retardou ao máximo possível a aquisição e distribuição da vacina anti-covid por mera incompetência e ignorância. O fez de caso pensado, preocupado na preservação dos lucros do punhado de bilionários nacionais e do grande capital internacional a cujo serviço foi eleito. Mas não o fez com o menor escrúpulo. Porque para ele, assim como para a alta rafuagem mencionada, a horda de trabalhadores consumida pela voracidade do covid-19 não possuía a menor importância e, como ralé, gentinha inútil e destituída de humanidade, não faria qualquer falta, visto que mera ferramenta anônima e substituível na geração dos bens necessários ao mercado.

Enquanto um Zé Ninguém qualquer tombasse, sem a menor chance de sobrevivência, vítima da doença do século, havia pencas de companheiros da mesma condição, esperando ansiosamente à porta dos estabelecimentos por um emprego que lhe garantisse qualquer renda e não haveria porque preocupar-se em resguardar a sobrevivência destes burros de carga bípedes excedentes, criando complicações desnecessárias ao andamento dos negócios e ameaçando a continuidade das atividades econômicas por tão desprezíveis seres, medíocres e indiferenciados como uma massa de vermes.

Era ate útil o morticínio resultante da falta de combate efetivo à pandemia, pois assim poderia se limpar a impoluta e educada sociedade destas criaturas precárias e encrenqueiras, sem qualquer força de vontade e espírito de empreendedorismo, cuja miséria material e mental tendia a torná-los irascíveis e rebeldes à sacrossanta ordem burguesa, empesteando-a com a eventual derivação para o crime, a drogadição, a marginalidade…

Antes que qualquer fanático adepto do Capitão Jair comece a entoar seus histéricos protestos contra o cenário acima descrito, é preciso, é claro, que se diga o óbvio. Não, não tive acesso a nenhum documento secreto, “prova concreta e irrefutável” (como bradaria um tresloucado bolsomínion diante da leitura desta crônica), nem a narrativas privilegiadas de alguma testemunha ocular de reunião na qual se tenha discutido as tais medidas sob os argumentos descritos. Mas nada disto é preciso. Basta examinar-se as atitudes e falas concretas do Messias miliciano, seus puxa-sacos e admiradores, para se constatar os motivos ocultos descritos, diante do cinismo psicopático de quem exigia que não se fizesse isolamento social para não quebrar a economia nacional, afinal o Coronavírus era apenas uma gripezinha. Ou depois, frente às primeiras mortes, com a desfaçatez e frieza própria dos grandes tiranos nazistas e genocidas, respondia solenemente que não era coveiro, quando questionado quanto à inação do governo federal diante do avanço catastrófico do covid, que em capitais como Manaus levava ao enterro em valas comuns, tamanho o número e frequência das mortes, que não permitiam a abertura a tempo e com dignidade dos túmulos necessários.

“Se quisesse” o atual governo federal poderia ter lançado mão dos recursos econômicos e administrativos necessários ao combate eficaz da pandemia, numa política sanitária pautada pela prevenção e conhecimento científico. Mas não o fez porque não podia perder a ocasião de fazer uma limpeza útil e necessária, a seu ver, na bagaceirada pobre que empesteia o Brasil cristão operoso e sério. Bastava criar os meios de prover os recursos necessários para viabilizar o isolamento social na fase inicial (o que poderia, tranquilamente, se fazer por uma taxação pífia, que mal arranharia as grandes fortunas) e conduzir seriamente as negociações para aquisição e distribuição a tempo das primeiras vacinas desenvolvidas e a grande maioria das mortes não ocorreria. Sua existência não era inevitável, desde que adotada uma política sanitária humana e coerente.

Cada ente querido de cada família deste país, de norte a sul, que morreu infectado pelo infeliz vírus, foi sacrificado, portanto, desnecessariamente e seu sangue, derramado inutilmente, clama a cada um de nós que façamos pelo voto o que o oportunismo tacanho e elitista das lideranças políticas em geral não o fez pelo caminho legal e lógico do impeachment. O afastamento do monstruoso ser que atende no Palácio do Planalto pelo nome de Jair Messias, ocupando ilegitimamente, como perfeito assassino em série, de punhos brancos e imaculados, mas infecta e venenosa saliva, a Presidência da República. Este não é o seu lugar, mas o assento na cadeira como réu de crime contra a humanidade, na Corte Internacional de Direitos Humanos e a posterior condenação à masmorra na prisão perpétua como punição por suas atrocidades.

Pouco importam, portanto, as virtudes ou precariedades de seu opositor. Nem o maior traidor político pelego ou o mais servil detentor de cargo público neo-liberal privatizador do patrimônio nacional chegam aos pés do crime cometido pelo moderno feitor de escravos Jair Messias Bolsonaro.

Amanhã é a ocasião derradeira. Ou decepamos, com a força do voto, a cabeça monstruosa que comanda o modernoso nazismo brasileiro, ou terá sido enterrada de vez a perspectiva de qualquer resgate mínimo de solidariedade e dignidade humana neste país infestado pela truculência dissimulada e cínica do terrorismo de Estado, que já não se manifesta explicitamente na tortura ou na pancadaria, mas se faz na condução da política social e econômica, tendo por ferramenta incentivadora o poder peçonhento da palavra falso-moralista, intrigueira e distorcedora da realidade, grávida do recalque do sado-masoquismo oculto e (nem tanto) reprimido.

Ubirajara Passos

Do pretenso racismo do hino rio grandense (ou, por que o combate à opressão deve incluir a interpretação desassombrada dos textos…)


Não pretendo discutir a legitimidade da postura dos vereadores negros do Psol de Porto Alegre em se manterem sentados durante a execução do Hino oficial do Rio Grande do Sul no ato de sua posse, cuja atitude se tornou polêmica a partir da reprimenda de uma vereadora nitidamente fascista.

Mas é preciso, em meio ao festival de questionamentos e elucubrações de natureza política, histórica e sociológica suscitados, em cujo emaranhado polarizado até as raias do desconhecimento histórico e do revisionismo tacanho (há quem pretenda extirpar mais uma estrofe do hino, além da que já o foi em plena vigência da ditadura militar, por haver nela referência a “tiranos”) não intento mergulhar, que se traga alguma sanidade e lógica ao debate, evitando assassinar o português em prol do folclore político e ideológico desusado.

Que se questione conteúdos subliminarmente preconceituosos é muito louvável e absolutamente necessário. Mas, para tanto, é necessário não assassinar a lógica linguística básica e se forçar o sentido de um texto pela construção externa a sua própria estrutura. E, muito menos, ao contextualizá-lo no ambiente histórico e geográfico em que foi parido, induzir sua caracterização a partir de critérios arbitrários e toscos.

Salta aos olhos de qualquer um que examine o conteúdo do hino rio grandense, tachado de racista, com um mínimo de isenção ideológica (isenção esta não entendida como a falsa neutralidade da razão frente ao privilégio e ao preconceito gritante, mas como atitude desarmada da mente pronta a examinar os fatos concretos a partir de si, sem nenhum julgamento prévio – pré-conceito – a  realidade empírica), que os seus pretensamente ofensivos versos (“mas não basta pra ser livre/ser forte, aguerrido e bravo/povo que não tem VIRTUDE/ acaba por ser ESCRAVO”) não se referem a um segmento determinado da sociedade gaúcha ou brasileira existente na época de sua confecção, mas ao conjunto do povo rio grandense que, na visão política idealizada do poeta, posterior aos fatos que retrata (a revolução farroupilha) se encontrava submetido, dominado, escravizado (metaforicamente falando) aos interesses da corte imperial, que lhe seriam contrapostos e prejudiciais. Se troque, numa descontextualização mais próxima de nosso ambiente, o sul da América Latina, Bento Gonçalves por Leonel Brizola ou Fidel Castro e teremos um libelo anti-imperialista e anticapitalista dos brasileiros ou latino-americanos frente ao domínio do grande capital yankee, europeu ou transnacional do século 20 ou 21.

E é notório que a “virtude” a que se refere o texto se identifica, no contexto político interno que o informa, menos à pretensa RETIDÃO MORAL dos “puros” e soberbos “homens de bem” (senhores brancos de propriedades fundiárias, pecuárias e humanas – fazendeiros privilegiados que lideravam o movimento), contraposta a uma suposta devassidão criminosa e anti-ética da ralé (o “povinho”, que na forma de escravo negro ou peão avulso, sem terra, gaudério mestiço de índio e descendentes brancos de europeus ibéricos, sustentava os privilégios dos estancieiros no suplício da faina exercida debaixo do tacão e sem condições dignas de sobrevivência), que tende a justificar historicamente as diversas formas de dominação social desde a Pré-História ao nosso capitalismo pós-moderno virtualizado, do que às qualidades necessárias à manutenção da liberdade deste povo ou nação frente ao avanço de seu opressor, no caso específico os interesses da elite hegemônica representados no governo central do período regencial frente aos da marginalizada elite regional dos estancieiros farrapos. Se transportarmos a ideia para nossos dias, de pretensa igualdade política formal (em que teoricamente a maioria trabalhadora escorchada e dominada detém o mesmo privilégio político de escolher seus representantes no aparato estatal que os antigos eleitores possuidores de renda e propriedades privilegiados que os habilitavam a votar, no regime monárquico), a VIRTUDE a que se refere o hino seria antes a consciência, a capacidade de defender os próprios interesses e necessidades frente ao domínio espúrio e contraposto de outrem, que nós próprios, revolucionários socialistas, libertários e anti-imperialistas defendemos com unhas e dentes.

Não é porque os líderes do movimento eram fazendeiros (estancieiros) proprietários de escravos, que não pretendiam abolir a escravatura, nem porque a liderança militar final compactuou com o inimigo para o genocídio absurdo dos lanceiros negros, que se deve forçar a interpretação dos versos do “Chiquinho da Vovó”, até onde se sabe escritos posteriormente ao fim da Guerra dos Farrapos.

A injúria sub-reptícia da estrofe “maldita” existiria concretamente e teria toda a lógica, além das simples regras linguísticas, se estivéssemos tratando de um hino feito por ou na intenção de líderes dos Estados Confederados da América, cujo grande motivo de sua rebelião era a necessidade de manutenção do Instituto ignóbil da escravidão ameaçado pelo governo central americano sediado em Washington. Na boca destes revoltosos sulistas dos “States”, com certeza, a intenção dos versos de um poema laudatório adotado como hino estadual pelos positivistas republicanos gaúchos ciosos da autonomia regional (no seio dos quais foi parido Getúlio, cujo governo legou aos modernos escravos assalariados brasileiros os direitos trabalhistas básicos, revogados pelo fascismo racista e anti-povo dos nossos dias) seria sim arrogante, racista e condenável, mas não no caso concreto!

Ubirajara Passos

 

O rascunho da Carta-Testamento


Há exatos 66 anos, na manhã de 24 de agosto de 1954, encurralado pelo golpismo servil de milicos e lacaios políticos defensores do imperialismo yankee (a mesma turma, cujas novas gerações no século XXI, após depor Dilma Rousseff, tratou de revogar o que restava dos direitos trabalhistas e previdenciários promulgados por seu odiado desafeto), Getúlio Vargas desferia, deitado de pijama após uma longa madrugada de infrutífera reunião com o Ministério, um tiro no coração, inviabilizando o golpe que, destituindo-o, inauguraria dez anos antes, a ditadura que deformou o Brasil definitivamente, nas mãos dos ídolos militares do Jairzinho Capitão do Mato.

Junto ao seu leito de morte se encontrava a Carta-Testamento, em versão datilográfica por ele assinada (uma das cópias autografada, inclusive,na presença de Tancredo Neves, seu Ministro da Justiça, que recebeu a caneta-tinteiro de presente na ocasião, pouco antes da última reunião do Ministério às 3 horas da madrugada).

bilhete do suicídio 1

Seis dias antes, porém, seu ajudante de ordens, o Major Fitipaldi, encontrara sob a mesa de Getúlio, no gabinete presidencial um “bilhete” escrito a lápis, que entregou à Alzirinha (filha mais próxima, e secretária, de Getúlio), a qual interpelou seu pai com a peça em punho, lhe sendo tomado por ele, dizendo: “Não é nada disto que tu estás pensando”.

Dias depois após o suicídio, as cinco folhas de bloco oficial da Presidência da República, manuscritas e assinadas de próprio punho por Getúlio Vargas foram encontradas entre as coisas do grande líder morto, sendo divulgadas publicamente pela filha predileta somente 34 anos depois, em 1978.

bilhete do suicídio 2

Embora tenho sido referido como “a verdadeira carta”, contraposta ao que seria uma falsificação dos correligionários do PTB (o texto integral e definitivo da Carta-Testamento, que não foi redigido por Maciel Filho, conforme seu depoimento, mas simplesmente datilografado a partir do manuscrito de Getúlio), pela extrema-direita intrigueira (inclusive numa matéria de Isto-É Independente, que pretendia apresentá-la, em 2004, “com exclusividade”, como texto inédito, 26 anos depois de ter vindo à luz), o “bilhete” nada mais é do que um rascunho, um esboço prévio, da Carta-Testamento, que limitava seu histórico aos dias da crise deflagrada pelo “atentado” sofrido pelo histérico insuflador de golpes  do pós-guerra, o ironicamente ex-comunista Carlos Lacerda.

bilhete do suicídio 3

O texto, porém, traz, sob a influência do impasse insolúvel,   a mesma tensão emocional e o resumo da denúncia dos interesses imperialistas e anti-povo que eram a real motivação da tentativa de derrubada do governo trabalhista. E trazia, no final a esperada profecia de reação que, infelizmente, a lavagem cerebral profunda produzida no imaginário nacional a partir da ditadura instaurada em 1964, impediu de se realizar até os nossos dias, onde o povo brasileiro assiste à própria morte, cordado e contente, como gado conduzido ao matadouro em euforia de cigarrinho de crak:

bilhete do suicídio 4

“Deixo à sanha dos meus inimigos o legado da minha morte.

Levo pesar de não haver podido fazer, por este bom e generoso povo brasileiro, e principalmente pelos mais necessitados, todo o bem que pretendia.

A mentira, a calúnia, as mais torpes invencionices foram geradas pela malignidade de rancorosos e gratuitos inimigos, numa publicidade dirigida, sistemática e escandalosa.

Acrescente-se a fraqueza de amigos que não me defenderam nas posições que ocupavam, a felonia de hipócritas e traidores a que beneficiei com honras e mercês e a insensibilidade moral de sicários que entreguei à Justiça, contribuindo todos para criar um falso ambiente, na opinião pública do País, contra a minha pessoa.

Se a simples renúncia ao posto a que fui elevado pelo sufrágio do povo me permitisse viver esquecido e tranqüilo no chão da Pátria, de bom grado renunciaria. Mas tal renúncia daria apenas ensejo para com mais fúria perseguirem-me e humilharem-me. Querem destruir-me a qualquer preço. Tornei-me perigoso aos poderosos do dia e às castas privilegiadas. Velho e cansado, preferi ir prestar contas ao Senhor, não de crimes que não cometi, mas de poderosos interesses que contrariei, ora porque se opunham aos próprios interesses nacionais, ora porque exploravam, impiedosamente, aos pobres e aos humildes. Só Deus sabe das minhas amarguras e sofrimentos. Que o sangue dum inocente sirva para aplacar a ira dos fariseus.

Agradeço aos que de perto ou de longe trouxeram-me o conforto de sua amizade.

A resposta do povo virá mais tarde…

(a) Getúlio Vargas”

bilhete do suicídio 5

Ou o Brasil acaba com o Messias, ou o Messias acaba com o Brasil!



saúva bolsonaro

Há exatos 132 anos o Brasil era o último país do mundo a abolir a escravatura. E o fazia num único e breve artigo (o segundo se limitava a revogar as disposições em contrário) que, ao invés de extinguir definitivamente o uso da maioria dos brasileiros como coisa ou animal de criação, sem direito a nada além do que mourejar debaixo da chibata de seus donos, deixava os “libertos” na condição de “desocupados” vagantes pelas estradas rurais rumo à periferia urbana, caso não se sujeitassem a, permanecendo no local do antigo cativeiro, continuar como servos do sinhozinho, que se negava a pagar salários e ainda estava puto com o Império por não ter lhe “indenizado” pela perda das rezes falantes.

Não foi aventada sequer a realização da mínima reforma agrária, para extinguir o latifúndio que vivia da mão de obra cativa e garantir a sobrevivência dos ex-escravos na terra em que trabalhavam, e nem qualquer esquema estatal que lhes garantisse qualquer emprego digno, nas cidades, da nova condição de  trabalhadores livres… para morrer de fome ou alugar seus braços na mais reles funções assemelhadas à antiga condição, como a de empregada doméstica, cozinheira ou faxineira da casa pequeno-burguesa. Proeminentes abolicionistas haviam tentado discutir a necessidade da reforma agrária, mas o Império, embora constitucional, era Império, regime monárquico que mal ou bem guardava os velhos ranços da monarquia feudal europeia, onde o rei era formalmente o “dono da nação”, abaixo do qual se sucedia uma hierarquia de sucessivos coproprietários nobres, até chegar ao nível dos despossuídos do direito à própria vida, que podia ser revogado numa simples gritaria do Sinhô.

Esta mesma reforma agrária, aliás, foi o pretexto, na tentativa tímida de desapropriação dos latifúndios localizados ao longo das rodovias e açudes federais, para derrubar o Presidente João Goulart e estabelecer a ditadura que começou a revogar os direitos trabalhistas formais adquiridos pela peonada na ditadura de Getúlio e entregou o Brasil definitivamente nas mãos do imperialismo econômico internacional, para gestar a miséria e a violência, que o NOVO SINHOZINHO, RETARDADO E BIRRENTO pretendia combater com o dístico “bandido bom é bandido morto”, que cada vez mais se faz aplicável a ele próprio.

Hoje o Brasil se notabiliza por ser o único país na face da Terra  cujo chefe máximo do Poder Executivo (que acumula as funções de Chefe de Estado) se recusa a tomar medidas racionais para combate ao Coronavírus e à precariedade econômica dele decorrente. Ao invés de incentivar e fiscalizar a única forma concreta de preservação da vida atualmente (o isolamento social) e prover os meios de garantia da sobrevivência econômica e do emprego do grosso da população, Bolsonaro reitera, dia após dia, suas invectivas contra as medidas adotadas espontaneamente por prefeitos e governadores.

Há semanas, reclama aos brados, com seus seguidores, pelo retorno da peonada aos postos de trabalho e a abertura do comércio, sob o pretexto de garantir empregos (ao invés de coibir demissões e bancar a folha de pagamento de pequenos e médios empresários) e o “bem-estar da economia”  (na verdade os lucros exorbitantes dos “donos do Brasil”, encerrados em suas luxuosas mansões e resguardados a sete chaves da contaminação a que pretendem expor seus escravos assalariados).

E suas debochadas e furibundas bravatas, neste exato momento, já surtem fartamente os efeitos denunciados por quem se opõe a sua atitude, não se restringindo ao terreno das hipóteses. Ultrapassando as dez mil mortes e batendo, ontem, o recorde de 881 mortes em 24 horas, o Brasil já se classifica entre os seis maiores países afetados pela apocalíptica pandemia e, se mantiver o atual ritmo, decorrente do relaxamento das medidas de isolamento a que autoridades e boa parcela da população aderiram, em no máximo dois meses, terá ultrapassado um milhão de mortos, deixando para trás a nação mais afetada, os Estados Unidos da América.

Entretanto, apesar da crise instalada após a saída do Ministério da Justiça de seu ex-comparsa, Sérgio Moro, cujas denúncias de tentativa de interferência nas investigações da polícia federal seriam suficientes para o impeachment do Presidente da República, nada acontece de novo no solo do Brasil. Nem os representantes do poderio econômico das classes dominantes que poderiam dar início ao processo para afastar o algoz da nação (especificamente o Presidente da Câmara dos Deputados, casualmente eleito pelo sucessor do partido dissidente da antiga ditadura – o DEM, provindo do PFL, que fazia parte do PDS, antiga Arena, às vésperas da eleição indireta que deu fim formal ao regime militar), nem mesmo a oposição hegemônica de “esquerda” (afastada do governo da República no golpe parlamentar a la Paraguay de 2016), movem um único dedo para afastar o louco genocida e garantir a vida do povo brasileiro.

Sem que Rodrigo Maia cogite de instaurar o processo pelos crimes de responsabilidade e Lula se disponha a entender que já não haverá eleitores para garantir, evitando o confronto, a vitória de seu partido nas próximas eleições municipais, assistimos diariamente, isolados em nossas casas (os que ainda não foram coagidos pelos fofos patrões ao retorno ao trabalho ou se lançaram espontaneamente nas ruas, atendendo ao canto de sereia de seu misógino e sexualmente enrustido líder) a escalada do contágio e da mortandade, sem que nenhuma entidade formal ou grupo organizado tome efetivamente a liderança para derrubar os responsáveis  institucionais pela tragédia que está acabando fisicamente com o Brasil.

Não há partido, com exceção da chamada “extrema esquerda”, central sindical, ou qualquer outra força política e social de massas, que esteja efetivamente  conduzindo a última e única possibilidade efetiva que temos de continuar vivos, e não submetidos ao infausto sorteio das vítimas que comporão, no mínimo, o milhão de pessoas a serem eliminadas do chão brasileiro pela maior pandemia desde a Gripe Espanhola.

Tudo se passa diária e recorrentemente, de uma tal forma que, na hipnose resultante do cansaço pela repetição, acabamos por nos acostumar ao genocídio em andamento, como se fosse a mais comezinha das rotinas, sem esboçar a menor contrariedade ou simplesmente nos acomodando à inércia dos que poderiam e deveriam estar na vanguarda da reação ao morticínio patrocinado pelo Governo Federal.

Até quando nos submeteremos, abobalhados e incapazes, como o gado conduzido ao matadouro, sem ameaçar qualquer inconformidade e a mínima resistência à nossa própria extinção física, em nome dos lucros de meia dúzia de senhores que se julgam nossos donos (nos considerando uma ralé com menor importância do que seus cachorrinhos de estimação) e são tão arbitrários que não se dão conta de que logo poderá não haver escravos suficientes para produzir seu luxo injustificável e consumir suas mercadorias?

Quantos milhões de nós terão de deixar a existência em nome da sádica sede de luxo e privilégio de uns poucos a que pouco importam nossas vidas, pois têm condições de substituir, sem maior preocupação, os trabalhadores que sucumbirem, como se repõe peças de uma máquina, até o momento em que o contágio tiver crescido tanto que venha bater à própria porta de suas mansões?

Infelizmente, para os mais ponderados e “racionais” opositores da ideia revolucionária  (não a mera revolta a substituir governos, mas a transformação voluntária e consciente de toda a sociedade, eliminando a dominação  da grande massa dos trabalhadores responsáveis pela produção material diária da vida), a própria garantia física concreta de nossas vidas passa necessariamente, neste momento, no Brasil, pela organização espontânea, consciente e determinada dos milhões de peões de todo o tipo (de agricultores a professores universitários) por este país afora, de modo a garantir, no mínimo, o afastamento do facínora que nos governa, e a adoção das devidas providências sanitárias e econômicas para garantir que o Brasil continue existindo, e seja governado pelo povo e para os brasileiros! Dê o primeiro passo, acesse AQUI o link, assine e compartilha a petição da Frente de Servidores do Judiciário Brasileiro pela instauração do processo de impeachment do palhaço tétrico Jair Bolsonaro.

Ubirajara Passos


O discurso de Jango no Automóvel Clube em 30 de março de 1964 (às vésperas do golpe militar gorila)


Convidado pela Associação dos Sargentos e Sub-oficiais da Polícia Militar do Estado da Guanabara (desde a Legalidade, em agosto de 1961, os “proletários” das forças armadas haviam se organizado poítica e sindicalmente em torno de seus direitos e das reformas de base do governo trabalhista), o Presidente da República João Goulart, proferiria, em reunião comemorativa ao aniversário daquela associação de classe, na sede do Automóvel Clube da Cidade do Rio de Janeiro, o discurso abaixo transcrito, em que denunciaria contundemente o golpe militar (tramado em Washington pelo imperialismo norte-americano, associado aos latifundiários, grileiros, gerentões de empresas multinacionais do Brasil e seus lambe-botas políticos) em marcha, cujos preparativos histéricos haviam se acentuado após o grande comício popular pelas reformas de base da Central do Brasil, em 13 de março de 1964, com a “Marcha da Família, com Deus pela ‘Liberdade” das madames grã-finas fascistas e beatas de São Paulo, e seus cúmplices políticos e populares equivocados (como o operário emigrado do Nordeste Luís Inácio Lula da Silva), realizada no dia 20 na capital de São Paulo e nos dias seguintes por diversas do interior e no Paraná, e com circular conspiratória do futuro ditador Castelo Branco no dia 20:

“A crise que se manifesta no país foi provocada pela minoria de privilegiados que vive de olhos voltados para o passado e teme enfrentar o luminoso futuro que se abrirá à democracia pela integração de milhões de patrícios nossos na vida econômica, social e política da Nação, libertando-os da penúria e da ignorância.

O momento que estamos vivendo exige de cada brasileiro o máximo de calma e de determinação, para fazer face ao clima de intrigas e envenenamentos, que grupos poderosos estão procurando criar contra o governo, contra os mais altos interesses da Pátria e contra a unidade de nossas Forças Armadas.

Para compreender o esquema de atuação desses grupos que tentam impedir o progresso do país e barrar a ampliação das conquistas populares, basta observar que são comandados pelos eternos inimigos da democracia, pelos defensores dos golpes de estado e dos regimes de emergência ou de exceção.

Na crise de 1961, os mesmos fariseus que hoje exibem um falso zelo pela Constituição, queriam rasgá-la e enterrá-la sob a campa fria da ditadura fascista. Tudo isto é história recente, que não pode ser repetida, porque está indelevelmente gravada na memória do povo brasileiro.

Vimos, de repente, os políticos que mais pregaram o ódio neste país estenderem a mão para os políticos mais corruptos da história brasileira e juntos terem o cinismo de falar em nome dos sentimentos católicos do povo. Passaram a acusar de anticatólicos, não apenas ao Presidente da República, mas ao próprio Cardeal de São Paulo. Na hora em que ainda ressonam as Encíclicas Sociais de João XXIII, é demasiada audácia a desses aventureiros se atreverem a falar em nome da Igreja. Não me cabe, porém, combater essa usurpação, pois a Ação Católica de Minas e de São Paulo já tomou essa iniciativa. E a maior resposta a esses fariseus foi dada por aquele prelado brasileiro que, a 2 de fevereiro de 1963, afirmava que os ricos da América Latina falam muito em reformas de base, mas chamam de comunistas aqueles que se decidem a levá-las à prática. Ele explicava: “É fácil de entender: os ricos da América Latina continuam a deter o Parlamento e tem o grande idealismo da fé no futuro”. Dizia por fim: “O egoísmo de muitos ricos, sua cegueira, é um problema muito mais grave do que o próprio comunismo”.

Esse sacerdote, Dom Hélder Câmara, acaba de ser designado pelo papa para ser Arcebispo de Recife, uma das cidades que mais refletem a crise social do nosso país.

Reconheço que há muitos iludidos de boa-fé. Venho adverti-los de que estão sendo manipulados em seus sentimentos por grupos de facções políticas, agências de publicidade e órgãos de cúpula das classes empresariais.

Aconselho, portanto, a todo brasileiro que hoje esteja envolvido, por motivos religiosos, em comícios políticos, que medite um pouco se está realmente defendendo a doutrina daquele que pela salvação da humanidade morreu na cruz, ou apenas os interesses de alguns grupos financeiros ou eleitorais. Recorde-se da palavra de Pio XI que, tomando consciência de que a Igreja se estava transformando em escudo de privilégios injustificáveis, reconheceu que “o grande escândalo do nosso tempo foi a Igreja ter perdido contato com a classe operária”.

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Continuemos, ao lado das nossas mães, mulheres e filhos, a acompanhar as suas orações e a prestigiar e respeitar a sua fé e os seus sentimentos, que são também os nossos. Mas não nos iludamos diante da torpe exploração que procura envolver os sentimentos mais puros, como se a religião e a fé fossem servir de escudo a interesses contrários ao nosso país – e muito menos podemos admitir que o dinheiro do Ibad venha a macular a pureza das nossas instituições cristãs e do sentimento religioso dos nossos filhos. Não podemos permitir que esse dinheiro espúrio venha macular os sentimentos puros das nossas famílias, os sentimentos puros do povo brasileiro.

Mas, senhores sargentos, que constituem um dos alicerces da nossa estrutura militar, a minha palavra, e meu apelo, é para que os sargentos brasileiros continuem cada vez mais unidos, cada vez mais disciplinados naquela disciplina consciente, fundada no respeito recíproco entre comandantes e comandados. Que respeitem a hierarquia legal, que se mantenham cada vez mais coesos dentro das suas unidades e fiéis aos princípios básicos da disciplina. Que continuem prestigiando as nossas instituições, porque em nome dessas instituições, em nome dessa disciplina, os sargentos jamais aceitarão sectarismos, partam de onde partirem, porque o caminho que lhes está traçado é o caminho que me foi traçado também.

As reformas que nós pedimos, senhores suboficiais, senhores sargentos, as pedimos rigorosamente dentro da Constituição. As atitudes que vêm caracterizando a ação do governo, as suas providências, as leis e os decretos que vem assinando o governo em benefício do povo são também efetuados rigorosamente dentro da lei e dentro da Constituição.


O Ibad, os interesses econômicos, os grandes grupos nacionais e internacionais não tem competência para julgar os atos do Presidente da República. Existem poderes constituídos como a Suprema Corte de Justiça do nosso país, como outros poderes constitucionais que podem aquilatar e julgar os atos do Presidente da República. Os Constituintes em 1946 estabeleceram no Artigo 217 da nossa Constituição o princípio de que ela poderia ser modificada. Compreenderam os legisladores que as Constituições não devem servir apenas para resguardar as instituições do presente, mas as constituições devem, acima de tudo, resguardar as instituições do futuro. Triste do país que tivesse uma Constituição intocável. As constituições têm que evoluir à medida que evoluem os povos e as nações. Mas outra crítica que constantemente se levantava contra o Presidente da República, diariamente transcrita e bem paga na imprensa brasileira, era a de que o Presidente não revelava quais as reformas que desejava o povo brasileiro. Este argumento agora não prevalece mais, porque o Presidente da República, acaba de enviar mensagem ao Congresso Nacional propondo claramente, em com todas as letras, como o povo brasileiro deseja as reformas. Reformas que não podem mais ser adiadas, reformas que não podem mais ser transferidas, porque essas reformas constituem, acima de tudo, reivindicações legítimas e sentidas do povo brasileiro e são indispensáveis ao desenvolvimento do nosso país.

Com fé em Deus e confiança no povo, quero afirmar, claramente, nesta noite, na hora que, em nome da disciplina, se estão praticando as maiores indisciplinas, que não admitirei que a desordem seja promovida em nome da ordem; não admitirei que o conflito entre irmãos seja pregado e que, em nome de um anti-reformismo impatriótico, se chegue a conclamar as forças da reação para se armarem contra o povo e contra os trabalhadores; não permitirei que a religião de meus pais, a minha religião e a de meus filhos, seja usada como instrumento político de ocasião, por aqueles que ignoram o seu sentido verdadeiro e pisoteiam o segundo mandamento de Deus.

O meu mandato, conferido pelo povo e reafirmado pelo povo numa segunda vez, será exercido em toda a sua plenitude, em nome do povo e na defesa dos interesses populares. Enganam-se redondamente aqueles que imaginam que as forças da reação serão capazes de destruir o mandato que é do povo brasileiro.

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Ainda agora, procura-se, em nome da disciplina militar, criar uma crise para dividir as gloriosas Forças Armadas do país. Quem fala em disciplina? Quem está alardeando disciplina nesta hora? Quem está procurando intrigar o Presidente da República em nome da disciplina? São aqueles mesmos que, em 1961, em nome de uma falsa disciplina, em nome de pretensa ordem e de pretensa legalidade que defendiam, prenderam dezenas de oficiais e sargentos brasileiros. Em nome dessa disciplina, prendeu-se um dos mais ilustres e eminentes comandantes do Exército Brasileiro; prendeu-se numa fortaleza, aqui no Rio de Janeiro, um Marechal, pelo crime de defender a Constituição que ele tinha jurado. Esse grande militar, de uma tradição ilibada nas fileiras de nossa Exército, símbolo de disciplina e de bravura das nossa Forças Armadas, o grande Marechal Henrique Teixeira Lott, foi punido, com recolhimento a uma fortaleza.

Fiel à minha formação cristã, não guardo qualquer mágoa daqueles acontecimentos. Jamais remanesceu no meu espírito qualquer ressentimento com relação àqueles que, num determinado instante, não souberam defender a Constituição da República, não souberam interpretar as leis do país.

E o mesmo espírito que me guiou em 1961 foi o espírito que me guiou agora na crise da Marinha, que está servindo de tantos pretextos para intrigas nas Forças Armadas.

Estava no Sul, quando soube da crise que irrompia na Marinha de Guerra. Desloquei-me imediatamente para o Rio de Janeiro. E aqui a minha primeira recomendação – recomendação compreendida e sentida pelo Exército e pela Aeronáutica – foi a de que eu não permitiria jamais que se praticasse qualquer violência contra aqueles brasileiros que se encontravam desarmados na sede de um sindicato. Eu estaria faltando a vocês, sargentos, às suas esposas e às suas mães, se naquele instante, rigorosamente dentro da lei e das minhas atribuições, confiei o problema, na sua plenitude, ao atual ministro da Marinha, que se encontra aqui conosco. Não tive mais nenhuma interferência, a não ser dar autoridade ao novo ministro que assumia naquela hora o comando da nossa Marinha de Guerra.

Ninguém mais do que eu, neste país, deseja o fortalecimento e a coesão das nossas Forças Armadas. Ninguém mais do que eu deseja a glória da nossa Marinha de Guerra. Ninguém mais do que eu deseja que ela vive permanentemente num clima de compreensão, de entendimento, de respeito e de disciplina. Mas a disciplina não se constrói sobre o ódio e a exaltação. A disciplina se constrói sobre o respeito mútuo entre os que são comandados.

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Mas também faltaria com o meu dever se não alertasse o alicerce básico das nossas Forças Armadas – os sargentos – contra a terrível campanha que neste país [ilegível] contra o Presidente da República e mais especificamente contra o pensamento representado pelo Presidente. Se os sargentos me perguntassem – estas são as minhas últimas palavras – donde surgem tantos recursos para campanha tão poderosa, para mobilização tão violenta contra o governo, eu diria simplesmente, sargentos brasileiros, que tudo isto vem do dinheiro dos profissionais da remessa ilícita de lucros que recentemente regulamentei através de uma lei. É do dinheiro maculado pelo interesse enorme do petróleo internacional e de companhias nacionais contra a lei que também assinei do monopólio da importação de petróleo pela Petrobrás. É do dinheiro que se levantou contra outro ato que também praticou o Presidente da República, que foi a encampação de todas as companhias particulares de refino, mas atos que pratiquei rigorosamente dentro da lei e no espírito da Lei 2004, criada pelo grande e imortal Presidente Vargas.

Esse é o dinheiro graúdo. Se os sargentos me perguntarem sobre o dinheiro mais miúdo, mas também muito poderoso, eu diria que é o dinheiro dos proprietários profissionais de apartamentos em todo o Brasil, de apartamentos que estavam sendo negados aos brasileiros, de apartamentos que não se alugavam mais em cruzeiros, de apartamentos cujo aluguel já se exigia pagamento em dólar, como se Copacabana fosse um país estrangeiro, como se os brasileiros vivessem subordinados a outros interesses. É o dinheiro, por outro lado, senhores sargentos, de comerciantes desonestos que estavam explorando e roubando o povo brasileiro e que o governo, no direito legítimo que lhe confere a lei, defendeu e deu ordem ao Ministro Jurema para que não mais permitisse a exploração e que defendesse o povo em toda a sua integridade. Enfim, trabalhadores, enfim, militares, enfim, brasileiros, é o dinheiro dos grandes laboratórios estrangeiros de medicamentos. De laboratórios que terão que cumprir a lei ou terão que ser subordinados à lei porque o Presidente da República não vacilará um instante sequer na execução de todas as leis e de todos os decretos.”

Naquela mesma noite, em Belo Horizonte (onde o governador mineiro udeno-golpista, o banqueiro Magalhães Pinto preparava a “secessão do Estado” para pedir apoio formal, já anteriormente combinado, ao governo norte-americano), o General Guedes, em parceria com seu colega Olímpio Mourão Filho, o vaca fardada, em Juiz de Fora, dava “ordem de marcha” ao 12.º Regimento de Cavalaria, comandado pelo Coronel Dióscoro Gonçalves do Valle, iniciando a quartelada teleguiada pelo imperialismo americano que deporia Jango e iniciaria o ciclo de golpes e ditaduras fascistas pela América do Sul afora (entre os mais retumbantes os de Pinochet, depondo o marxista Allende no Chile e o de Videla, sobre a abobalhada herdeira de cama e política de Perón, Isabelita, na Argentina) nos anos 1960 e 1970 a fim de garantir de garantir o domínio e o lucro da burguesia yankee e ocidental sobre o Continente.

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Ao contrário das versões hidrófobas do falso-moralismo pretensamente cristão (tragicomicamente repetido na deposição de Dilma e ascensão do líder fascista mambembe Jairzinho Capitão do Mato), o governo de João Goulart sequer era “comunista” (“exótica” categoria política equiparada religiosamente a crime pelo fascismo reprimido sexualmente, que examinada a luz da lógica isenta e razoável corresponderia tranquilamente aos mandamentos de justiça e igualdade do Cristo tão presente nos discursos dos demagogos totalitários), mas pretendia simplesmente garantir um mínimo de dignidade humana à peonada esfalfada do campo e das cidades cujo sacrifício inglório e sem recompensa possibilitava a gandaia de uma elite tacanha e sem orgulho sequer de elite em si, que se comprazia e se compraz em servir ao luxo e à sanha dos grandes dominadores do norte do mundo.

Nas palavras de Darcy Ribeiro (Aos Trancos e Barrancos, 3.ª edição, 5.ª Editora Guanabara, Rio de Janeiro, 1986), as reformas de base contra as quais se deu efetivamente o golpe de Estado consistiam tão somente em:

“Uma reforma agrária que, democratizando o acesso à terra, dê a milhões de lavradores condições de viver, comer e progredir com suas famílias, e de assegurar a fartuta da cidade.

Uma reforma urbana que socorra tanto os milhões de favelados como a classe média escorchada pelos aluguéis.

Uma reforma educacional que amplie a rede pública, matriculando todas as crianças e proporcionando-lhes  meios de prosseguir nos estudos, segundo a capacidade de cada uma delas.

Uma reforma tributária que corrija a desigualdade da distribuição de encargos entre o capital e o trabalho, entre os ricos e os pobres, entre os trabalhadores e os patrões.

Uma reforma administrativa que acabe com o burocratismo e a corrupção no serviço público.

Uma reforma eleitoral que inclua todos os brasileiros adultos, principalmente a maioria constituída de analfabetos, na condição de eleitores e elegíveis.

Uma reforma universitária que permita edificar no Brasil as universidades necessárias para promover o desenvolvimento nacional autônomo, a partir domodelo de universidades do Brasil.

Uma reforma bancária que leve crédito e financiamento a todas as forças produtivas a juros normais, sem usura e sem corrupção.

E, sobretudo, uma reforma no trato com as empresas multinacionais para que o Brasil deixe de ser escorchado e condenado à dependência e que se concretizaria na Lei de Remessa de Lucros.”

Como se vê, questões atualissimas cuja solução teria garantido alguma dignidade aos brasileiros, mas prejudicado em muito a sanha exploratória do capital estrangeiro que desde então nos domina e esmaga sem apelação.

Não é por acaso, portanto, que o descabelado e violento Hitlerzinho de circo fudido determinou a comemoração do nefando golpe nos quartéis nacionais neste 31 de março.

Ubirajara Passos

Do sol e das nuvens…


Normalmente, eu estaria, e deveria, hoje estar analisando os aspectos políticos da eleição do Jairzinho Capitão do Mato para a Presidência da República, constatando o óbvio: que esta se constituiu na consagração, esperada e apoiada pelos promotores, do golpe de 2016, para continuidade das reformas (como já deixa claro o futuro ministro da Economia, ao afirmar, nesta segunda-feira que a “prioridade do plano econômico do futuro governo será a Reforma Previdenciária) cuja essência se resume a extinguir os últimos direitos trabalhistas, sociais e previdenciários legais garantidos à peonada, bem como a privatização e entrega definitiva do patrimônio nacional nas mãos da classe dominante internacional, sob cujo sádico prazer será sacrificado o rebanho de milhões de trabalhadores, sem direito, agora, sequer a reclamar, debaixo do pior tacão autoritário, intimidatório e repressor.

Mas, surpreendido pela incessante e trovejante onda de fogos de artifício no início da noite, quando, sem me dar por conta da hora, voltava de um passeio na pracinha próxima com a Isadora (que só fui entender que comemorava a desgraça nacional ao chegar em casa e saber de meu enteado que o resultado final das urnas já fora divulgado e não havia volta), me vi diante do abismo inevitável, que se sabe que poderia aparecer, mas não se quer acreditar esteja a nossa frente quando surge.

Nascido no inverno de 1965, fui criança, adolescente e jovem durante o regime entreguista e ditatorial inaugurado em 1964 e pude presenciar pessoalmente o clima de censura e repressão. Nunca esquecerei de um belo dia, em 1978,  em que me vi surpreendido, ao levantar da parede do quarto de meus pais um quadro do Padre Réus que se encontrava estranhamente afastado no prego que o segurava, e debaixo descobrir um quadro, cuja moldura encerrava um cartaz de campanha de Brizola a governador do Rio Grande do Sul em 1958, que meu pai escondera durante quatorze, por medo da repressão do DOPS. Ao questionar minha mãe sobre o personagem retratado, esta me disse, do alto de sua sabedoria de quem apenas passou pelas primeiras letras e as quatro operações aritméticas: “meu filho, este era um cara que defendia o trabalhador”. Não poderia haver definição mais perfeita e as circunstâncias deixavam claro até para um guri de treze anos as razões porque o quadro fora escondido e a natureza do regime político que forçava o fato. Era uma ditadura que fora estabelecido contra o povo, a grande maioria que sua ingloriamente todo dia para manter o Brasil andando e a quem quer que opusesse a este massacre reservava a tortura, a morte e o desaparecimento.

E hoje pela manhã me vi envolto pelos sentimentos que expressei, quase literalmente, a uma amiga e companheira de militância política e sindical, nas palavras seguintes, ao lhe agradecer uma mensagem pelo dia do abraço, e que dizem todo o possível neste momento.

Estou perplexo e ainda em estado de choque. Apesar de manter a postura radical e revolucionária nos posts do facebook, sinto medo e um imenso nojo.

Sei que, pelo menos nos primeiros tempos, não iremos parar no pau-de-arara, mas temo justamente o que mais me enoja: a reação histérica e furibunda dos fanáticos, muitos próximos, como parentes e colegas, que, diante de nossa menor crítica, só sabem esbravejar (ou se não o fazem nos termos exatos, deixam perfeitamente implícito  o pensamento) como se estivessem vendo o próprio diabo na frente, coisas como “petista imundo, ateu imoral, comunista!”,  e parecem estar dispostos a avançar de porrete sobre nós, no seu ímpeto de caça às bruxas.

Diante de uma das minhas postagens do final da noite, um colega aposentado, destes que me chamava de comunista no início dos anos 1990, em razão de minha liderança sindical, saiu-se, com a autoridade de censura que parece lhe ter sido magicamente concedida pela vitória do louco, com a seguinte pérola, sutilmente intimidatória: “Quando tu vai parar de dizer besteira?”

Temo porque sei que há formas bem mais sutis de nos exterminarem, a nós que defendemos a dignidade e a real decência da peonada trabalhadora, do que a tortura ou a eliminação física. E tenho certeza que será esta horda de fanáticos, bem próximos, o instrumento da delação e da perseguição, que virá através das brechas legais mais obscuras, na forma de ações criminais e procedimentos administrativos disciplinares. O mínimo suspiro indignado emitido por nós (“execráveis vermelhos degenerados dignos de exemplar e feroz punição” na visão destes fanáticos) servirá para detonar o linchamento “legal” que nos azedará a vida.

Mas não sei viver de outra forma que não seja o exercício desbocado e sem freios da liberdade. Apesar do medo, continuarei no pé do autoritarismo e da injustiça e bradarei, eu mesmo, com toda serenidade possível, até que me calem.

Pois, como me dizia a Isadora, na primeira madrugada deste fatídico ano, ao lhe dar a tradicional intimada para ir dormir (frase que anotei em meu caderninho e planejava desde então viesse a ser tema de matéria própria neste blog), parindo espontaneamente e sem saber o seu primeiro poema: “São os nossos sonhos que fazem o sol nascer. Se a gente não dorme o dia não vem. E as nuvens são os nossos pesadelos”!

Ubirajara Passos

 

 

 

 

 

Aos brasileiros que ainda não definiram seu voto nas eleições presidenciais de 28 de outubro:


Conforme a última pesquisa do Instituto Vox Populi, realizada e divulgada neste sábado, a eleição para a presidência da República se encontra  empatada entre Fernando Haddad e o Capitão “do Mato” Jair Messias Bolsonaro!

Caberá a ti, eleitor ainda indeciso, definir os rumos do Brasil, a continuidade do direito de expressão, do direito de manifestação, de luta, do mínimo de direitos trabalhistas e sociais, como décimo terceiro salário, estabilidade do servidor público, aula presencial no ensino fundamental, da própria sobrevivência física de negros, índios, mulheres, gays e militantes da causa popular

OU a entrega do país e de nossas vidas à boçalidade, à violência, à censura brutal e hipócrita, à asquerosa escravidão rediviva, à ignorância inominável e ao extermínio sádico de milhões de brasileiros EM NOME DOS INTERESSES PREDATÓRIOS DE MEIA DÚZIA DE DETENTORES DO GRANDE CAPITAL NACIONAL E INTERNACIONAL.

Nossa sobrevivência como nação com um mínimo de civilidade está nas tuas mãos.

Não permita que nossas crianças e jovens tenham de passar, como nós passamos nos anos 1960, 1970 e 1980, pela opressão tacanha, insuportável e arrogante de uma ditadura escancaradamente elitista, calcada na mentalidade soberba, no uso cru e no desprezo às multidões de trabalhadores, cuja vida em frangalhos, no trabalho árduo e não recompensado, faz andar o Brasil!

Não podemos retroceder! Como diziam os clássicos versos da versão original do hino farroupilha: “Avante, povo brioso/ Nunca mais retrogradar/ Porque atrás fica o inferno/ Que haverá de nos tragar!”

Ubirajara Passos