VAGINA, MASTURBAÇÃO E HOMOSSEXUALISMO


Não, meus caros amigos, não se preocupem que não me tornei um burocrata do intelectualismo sexológico, nem um desses falsos moralistas que até suportam alguma alusão sexual, desde que seja de “alto nível” e, ao invés de se utilizar dos palavrões da “ralé”, contemple os insípidos e envergonhados termos cultos do título deste post.

O fato é que, outro dia, um companheiro de movimento sindical, enquanto lhe contava que havia mantido ferrenha oposição contra a diretoria petista do Sindjus-RS, desde o dia seguinte à posse, através deste blog, me respondeu, entre constrangido e penalisado: “eu acessei o teu site ontem, o negócio é meio pornográfico”.

Como os textos mais lidos deste blog incluem “palavrões” no seu título (“A Buceta de Pandora”, “A Buceta de Óculos”, “Hino à Buceta e outras Homenagens”, “Tendinite de Punheteiro” e “O Traveco Violentooo”), ao invés das “educadas” palavrinhas do título acima, nem me dei ao trabalho de lhe perguntar o porquê da pretensa “pornografia” (termo, que no sentido comum do dicionário, significa qualquer coisa com a conotação de “obsceno”, “imoral”, “sujo”). E fui logo lhe justicando que, apesar da “linguagem” utilizada, jamais escrevi aqui uma cena de sexo explícito e que sou até meio erudito, pois a “Buceta de Pandora” é uma velha lenda da mitologia grega, que rendeu até um conto a Machado de Assis.

Mas o sujeito sustentou a opinião, afirmando que tais textos transformam o blog em algo nada recomendável para interagir junto à base do Sindjus, já que não são coisa que uma senhora, ou senhorita honesta venha a acessar… Não disse, mas ficou implícita a conclusão de que um blog com este conteúdo é coisa freqüentável apenas por machos safados, boêmios, beberrões e animalescos (pois este negócio de sexo é coisa contraposta à ternura e sensibilidade do “sexo frágil” – as eternas e “puras” crianças que são nossas mães e avós, presentes, futuras e passadas).

Eu não me preocuparia, não tivesse uma chapa de oposição utilizado uma cópia impressa do “Bira e as Safadezas…” para demonstrar a “imoralidade” do candidato a diretor sindical aqui e afastar o voto dos eleitores “sérios e responsáveis”. E não fosse o meu crítico companheiro sujeito dos mais esclarecidos e combativos politicamente, destes que passa a milhares de quilômetros de distância do peleguismo e do conservadorismo burguês.

Mas é nestas ocasiões que a gente vê o quanto o sistema de dominação e coisificação das criaturas, que infelicita a maior parte da humanidade, se sustenta nas “pequenas coisas” e nas questões formalmente “menos ideológicas” e mais “inquestionáveis” possíveis. Não é nos grandes temas públicos, mas nos hábitos mais pessoais e quotidianos que se alicerça a escravidão assalariada e é por isto que o anarquista que vos fala elegeu como uma das principais frentes do combate de sua vida a questão sexual e da livre expressão e exercício do pensamento e do prazer, e não por tara irrecuperável ou gaiatice sem limites (ainda que eu seja realmente um cara fascinado pela coisa mais linda que a natureza pôs na terra e um adepto feroz da boemia e da “pândega intelectual”).

Na verdade, chego a ter pena, profundo pesar dos pobres tarados que acessam este blog a partir de termos de busca como “maior buceta do mundo”, “mulheres trepando com cavalos”, “trepada com desmarcado”, “putaria de macho”, “buceta fumando”, “buceta ardente”, “bundas imensas” e outras asneiras, na esperança de visualizar fotos ou vídeos safados, do melhor padrão sádico, artificioso e insosso de filme pornô “made in U.S., or Europe” (destes em que a mulher dá vinte gritos no limite da barreria do som por segundo, e a coisa parece mais uma tourada ou luta de gladiadores do que uma prazerosa trepada, além é claro das ridículas cenas de gatas babando de boca aberta, com cara de idiota, enquanto o pobre macho tenta acertar a pontaria da porra – isto “dá um tesão” tão grande, que nem com viagra se levanta mais o pau…).

Pois textos como “A Buceta de Pandora” e “Tendinite de Punheteiro” podem ter relação com qualquer coisa, menos com a pura e simples celebração erótica do sexo, e histórias como “O Traveco Violentooo” são não apenas de uma inocência digna dos causos contados nos domingueiros almoços “familiares”, mas não chegam nem perto das situações sexuais assumidas das novelas da Rede Globo em horário nobre. E quem se dar ao trabalho de verificar o número de textos existentes em cada categoria do blog, verá que os posts de natureza política ou poemas de amor representam bem mais do que a metade do total, enquanto as “Putarias” correspondem a apenas 30 de um total de 197 artigos publicados.

Na verdade o problema dos críticos de plantão que enxergam neste blog “a devassidão e a imoralidade” não está na pretensa “falta de recato”, nem na menção pura e simples do sexo (que representa para mim o que há de mais legítimo e natural no comportamento humano e não a pretensa aberração condenada pela sociedade autoritária e capitalista). O que os deixa horrorizados é a existência de um escritor “amador” que se utiliza da internet para combater a ordem sádica que reduz a grande maioria das criaturas humanas a mera ferramenta ou coisa para satisfação das frustrações e das tendências opressoras da psicopatia socialmente aceita (a dominação burguesa), que Reich, apropriadamente classifica nos cânones da “peste emocional”. Não duvido mesmo, embora não possa provar, que a grande maioria dos “pornógrafos” que aqui chegam à busca de imagens de “mulheres fogosas trepando com cachorros bem dotados”, se compõem dos mesmos “beatos” que clamam, entre si, contra a minha “falta de compostura e obscenidade”.

Quem crê que não é digno de uma mulher, e mesmo “ofensivo” a ela, a leitura de qualquer coisa que envolva sexo (o que suponho não seja o caso do meu amigo e companheiro de sindicalismo), na verdade está restringindo as fêmeas da espécie ao mero papel de “máquinas reprodutoras”, sem direito ao prazer puro e luminoso de seus corpos, e sequer à capacidade intelectiva e emocional de pessoas “adultas” (como se não existisse a “sexualidade infantil” e a racionalidade no pensamento das crianças) de seres tão ou mais dotados mentalmente do que os orgulhosos machos humanos. E o mordaz repressor do “erotismo” guarda na verdade, em relação a uma alegre e fogosa trepada, o mesmo pavor da presa frente ao caçador, porque suas concepções e instintos são de opressão e submissão (a bota que comprime a cabeça da lebre capturada contra o chão e o “prazer” de ver o medo e o pavor da vítima capturada) no que diz respeito ao assunto. São os “impotentes” mentais que só sentem prazer na tortura dos parceiros ou parceiras. Não é por acaso que na antiga Grécia a elite masculina valorizava acima de tudo o homossexualismo entre homens (o clube do bolinha gay) ao mesmo tempo em que celebrava como supremos representantes da humanidade os “heróis de guerra”. Os “machões” dominadores das fêmeas helênicas se compraziam tanto no contato do corpo masculino, uns com os outros, e estavam tão contaminados do sadismo decorrente da repressão do sexo espontâneo (os “impulsos secundários”, na terminologia reichiana, ou a simples raiva enlouquecida, a “reina” da linguagem popular gaúcha), que na carnificina da guerra gozavam muito mais que com as gostosas e sábias hetaíras.

Mas os meus críticos, no fundo, têm razão: este é um site terrivelmente “pornográfico”, sujo, nojento e rejeitável! Porque, além de menosprezar o rico léxico “decente” de nossa aristocracia capitalista (e usar palavras de “baixo calão”, só pronunciáveis sem pejo entre a “gentalha” que enche a pança e os bolsos da classe dominante com o suor e sofrimento do seu trabalho todo dia), defender a liberdade, o direito de cada um a ter uma vida digna de suas capacidades emocionais e intelectuais inatas, de viver plenamente a beleza e o prazer que corresponde à saúde com que a natureza nos gerou, e se opor à deformação e opressão das grandes maiorias em nome da estrutura emocional podre, infeliz e destrutiva da elite, num mundo que prima pela opressão e exploração desenfreada, tomar tais atitudes, realmente, é profundamente “pornográfico” e imoral.

Viva a anarquia!

Ubirajara Passos

CARTA DOS TRABALHADORES DO FORO DE GRAVATAÍ AOS SERVIDORES DA JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL


Manifesto dos trabalhadores do Foro de Gravataí enviado às principais comarcas da Justiça Estadual gaúcha:

“Carta Aberta dos Trabalhadores do Foro de Gravataí aos Servidores da Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

Os trabalhadores da justiça do Foro de Gravataí manifestam sua alarmante preocupação, e grave indignação, com os rumos da questão salarial e, especialmente, com o desarquivamento e encaminhamento à Assembléia Legislativa do projeto de “avaliação do desempenho” (Projeto de Lei Complementar n.º 322/2007), que coloca a categoria praticamente em estágio probatório perpétuo, possibilitando a demissão por motivos de natureza completamente subjetiva, o que aliada à possibilidade de aprovação do projeto que “fixa os subsídios” da magistratura no teto permitido pela Constituição Federal e às limitações orçamentárias impostas pela governadora Yeda Crusius, cria um cenário de verdadeiro terror no judiciário. Quem poderá nos garantir, uma vez ampliados os gastos com a implementação do sistema de subsídios, que a “avaliação de desempenho” não venha a ser usada como instrumento de enxugamento da folha de salários, com o fim de ajustá-lo à nova tabela e ao novo sistema de reposição de vencimentos da magistratura?

A crônica falta de servidores, de condições objetivas (desde as acomodações até material imprescindível, como computadores) e excesso de trabalho na grande parte das comarcas, Estado a fora, vem transformando a categoria numa multidão acometida das mais sofridas doenças profissionais, da tendinite à depressão, relegando-a a uma vida muito aquém da dignidade de seres humanos e de sua dedicação, honesta e laboriosa, ao serviço público. E a proposta de submetê-la a um sistema permanente de “avaliação do desempenho” em um cenário de tal precariedade, nos parece, no mínimo uma piada de mal gosto, e nos deixa em permanente sobressalto e sem nenhuma perspectiva de futuro.

Quanto à questão salarial, o vago compromisso patronal em enviar projeto de lei de reajuste “antes do final do ano e em índice a ser definido em estudo do Conselho de Política Salarial”, na audiência realizada, no último dia 24 de julho, entre o Presidente do Poder Judiciário e a diretoria executiva do sindicato, é clara e textualmente contraditado pelo parecer do Conselho de Política Salarial, acolhido pelo Presidente do Tribunal de Justiça em data anterior à da audiência com o Sindjus (23 de julho) que opinou “pelo sobrestamento de todo e qualquer pleito relativo a reajustamento vencimental, até que seja implantado o sistema de subsídio no poder judiciário, quando voltará a ser examinada a matéria” (publicado no princípio do mês em boletim da ASJ). O que, perfeitamente entendido, espelha, sem qualquer sombra de dúvida, a postura patronal em priorizar os salários da magistratura em detrimento das perdas dos servidores, cuja recuperação mediante apresentação de projeto de lei é, implicitamente, no texto, mencionada como inconveniente e prejudicial à possibilidade política da fixação dos subsídios pela Assembléia Legislativa.

Em decorrência das limitações do orçamento do poder ( e uma vez elevadas e vinculadas as remunerações dos magistrados à proporção das dos ministros do STF – passando a ser reajustadas automática e independentemente de lei discutida pelo parlamento e sancionada pelo executivo), a conseqüência óbvia da aprovação do projeto de fixação dos subsídios, pretendido pelo Tribunal, diante do tradicional privilegiamento de suas administrações às recomposições salariais da magistratura, será não apenas o afastamento imediato da recomposição das perdas mais recentes, mas a inexistência futura de qualquer iniciativa do poder em recompor nossos salários, relegando-nos à vala comum dos servidores do Executivo e à sanha arrochante que orienta há décadas o Governo do Estado tenha representado um avanço.

A atitude da diretoria sindical, pela posição de liderança que ocupa, deveria ser, no mínimo de cobrar a definição objetiva de datas e índices para recomposição não só das perdas recentes (em razão das quais cada servidor deixa de receber anualmente o equivalente a um “décimo terceiro salário), mas das perdas históricas que, incluídos os 18,12% posteriores a 2003, alcançam a astronômica cifra, em tempos de moeda relativamente estável, de 44,28%! No entanto, o silêncio sobre a questão e a falta de repúdio à intenção de priorizar, e aprovar, o projeto dos subsídios, é gritante!

É inadmissível que acompanhemos, sem qualquer reação, as nossas perdas salariais serem atiradas, intencionalmente, ao esquecimento perpétuo, consolidando e aprofundando as condições funcionais e econômicas kafkianas com que convivemos todo dia, assim como a efetivação em lei de proposta que poderá vir a servir à demissão em massa no futuro.

Contrariamente à prática de correntes que pretenderam, no ano passado, diante de suas inconformidades com a gestão sindical da época, apelar separada e diretamente ao patrão, temos convicção de que o sindicato, que se compõem de todos seus militantes, é o nosso único e efetivo instrumento de luta e de que só a mobilização do conjunto dos trabalhadores da justiça poderá, diante dos interesses e da postura todo-poderosa da direção do Tribunal, impedir o absurdo que se planeja e garantir a efetiva conquista de melhores condições de vida e trabalho.

Mas repudiamos profundamente o encastelamento e a inércia da nova direção sindical, que, apesar de empossada há mais de dois meses, veio agindo, até a semana passada, apartada da categoria, sem qualquer consulta ou estímulo à base, o que só contribui para a inércia da entidade e o prejuízo de nossos interesses e reivindicações.

Gostaríamos, inclusive, de manifestar nosso pensamento através do jornal do sindicato, o Lutar é Preciso, no “Espaço Aberto”, criado em 1994 e mantido tradicionalmente por todas as gestões desde então para a livre manifestação dos trabalhadores do judiciário, o que não se faz possível em vista da sua infeliz extinção e substituição por notícias locais das comarcas, elaboradas unilateralmente pela Diretoria Executiva, o que constitui num grave ataque à democracia interna da entidade e ao direito de livre manifestação de seus sindicalizados. Assim, somente nos restou a divulgação da presente “Carta Aberta”.

E conclamamos, portanto, diante da gravidade do momento, aos companheiros dos demais locais de trabalho do judiciário gaúcho que, se ainda pretendem garantir, a recuperação das perdas, a conquista das nossas mais caras reivindicações e o não aprofundamento do nosso sofrimento quotidiano como trabalhadores, se ainda têm coragem de lutar contra a verdadeira “degola” que poderá advir entre a massa da categoria, no futuro, como conseqüência dos “projetos” prioritários da administração do Tribunal, no momento, façam ouvir a voz de sua indignação, seguindo nosso exemplo.

Em realidade, ainda que a direção executiva do Sindjus-RS tenha convocado Reunião do Conselho de Representantes para o próximo dia 28, com a velocidade e fúria com que a administração do Tribunal vem agindo, no claro rumo de desmonte dos serviços do judiciário, da priorização dos interesses da magistratura e da quebra de nossa estabilidade, colocando em risco a própria sobrevivência de companheiros com dezenas de sofridos anos de trabalho prestados ao poder, que poderá advir do mencionado projeto de lei de avaliação do desempenho, a esta altura já deveria se ter realizado Assembléia Geral da categoria e já deveríamos estar em movimento forte e ruidoso, tomando as ruas e a imprensa para impedir os absurdos que se avizinham. Se não tomarmos em nossas próprias mãos os nossos interesses, servidores que sofrem no dia-a-dia a concretude dos bolsos furados e das condições precárias de trabalho, se não arrastarmos o Sindjus-RS para a contraposição concreta e sem restrições ao brutal cenário posto, apesar da timidez das atuais lideranças eleitas, a única certeza que podemos ter é a de futuro negro e sem remédio.

Gravataí, 23 de agosto de 2007

Ubirajara Passos

Márcia Regina dos Santos Ferreira

Ieda D. Fernandes

Arlete Maria Lorenz

Noemi de Fátima W. Mendes

Nilson Gonzaga Chagas

Ézio Fábio da Silva Ribeiro

Nivia Regina Corrêa

Cléa Izabel Dorneles Silveira

Roberto André R. Fraga

Pedro Teófilo Lenzi

Flávia Teixeira Silveira

Guiliano Lehnen

Helton Rosa

Elton M. Ribeiro

Francisca Terezinha dos Santos

Zaira Terezinha Dorneles”

Ubirajara Passos

BRIZOLA E A “CAMPANHA DA LEGALIDADE”


Na sucessão de Juscelino Kubitschek, em 1960, finalmente a trupe defensora do imperialismo yankee no Brasil, capitaneada pela conservadora e descabeladamente moralista UDN (União “Democrática Nacional”), conseguira chegar ao poder federal, elegendo para a presidência da República o demagogo puritano arquetípico da política brasileira: o folclórico, volúvel e bêbado Jânio Quadros (que inspiraria criaturas pretensamente anti-políticas e anti-corrupção como Fernando Collor).

Mas levava uma pedra no sapato. Como não havia vinculação, mas eleições separadas, na época, para os cargos de presidente e vice, se elegera Vice-Presidente da República o Presidente Nacional do PTB, João Goulart, que fora ministro do Trabalho de Getúlio e Vice-Presidente de Juscelino, e que liderava os defensores da classe trabalhadora e do nacionalismo no Brasil (a esquerda legal da época).

Mas o próprio Jânio (cuja inconstância emocional levara a renunciar e retomar a candidatura a Presidente diversas vezes, antes de eleito), se revelou “uma pedra no meio do caminho” para os udenistas e defensores da direita imperialista. Embora adotando internamente uma política econômica conservadora, Jânio, em plena fase áurea da guerra fria entre americanos e russos, reataria relações diplomáticas com a União Soviética e condecoraria “Che Guevara” com a “Ordem do Cruzeiro do Sul (a principal comenda da República brasileira).

Tais atos e  a atitude incontrolável, que impedia a UDN de dar as cartas na Presidência da República, alarmaram seus aliados e levaram o histérico Carlos Lacerda (que só contentaria sua sanha com o golpe de 1.º de abril de 1964, para ser depois perseguido pelos próprios generais “gorilas” que ajudara a colocar no poder), a desferir contra Jânio a mesma oposição virulenta que já fizera a Getúlio,  Juscelino e Jango.

Em 24 de agosto de 1961, casualmente no 7.º aniversário do suicídio de Getúlio, Lacerda (então governador do novo Estado da Guanabara, composto pela Cidade do Rio de Janeiro, após a transferência do Distrito Federal para Brasília) iria para a televisão denunciar que Jânio o convidara (através do Ministro da Justiça, Pedroso Horta) para desferir um golpe de estado e instaurar um governo autoritário.

Jânio, no dia seguinte, renunciaria à Presidência da República.  Não se sabe se por estar apavorado com as repercussões do discurso de Lacerda, ou por alimentar a esperança de que (diante da perspectiva de posse de seu vice,  enviado em missão diplomática à China Comunista) o Congresso Nacional recusasse a renúncia e lhe concedesse poderes ditatoriais.

Os ministros militares (da mesma turma que deu o golpe em 1964) se oporiam, então, à posse de Jango.

Através do presidente da Câmara do Deputados, o fantoche Ranieri Mazzili, presidente da república interino, divulgariam nota afirmando não ser “conveniente” o retorno de João Goulart ao Brasil.  E determinariam a prisão do Marechal Lott (ex-ministro da Guerra, que garantira a posse de Juscelino contra o golpe udenista em 1955 e fora candidato à presidência pela aliança PSD-PTB EM 1960) por ler manifesto favorável à posse de Jango, em sessão extraordinária do Congresso, no domingo, dia 27 de agosto.

O Brasil estava então virtualmente sob o governo da “junta militar” e em estado de sítio. Leonel Brizola, governador trabalhista do Rio Grande do Sul, desde 1959, diante da renúncia de Jânio e do veto a João Goulart, transformaria o Palácio Piratini (em cujos porões foi instalado o estúdio da Rádio Guaíba, a única que não havia sido silenciada pelos golpistas, e na cobertura foi instalado ninho de metralhadora) e Porto Alegre na sede da “campanha da legalidade”. Assim se denominou o movimento de resistência que garantiria a posse constitucional de Jango, ainda que o Congresso viesse a impor (em manobra conservadora da qual Tancredo fora articulador e beneficiário inicial, como primeiro-ministro que foi nomeado) o regime parlamentarista (revogado em plebiscito, em janeiro de 1963).

No auge do enfrentamento político (que não chegou ao disparo de balas) seria interceptado telegrama do golpista Odilio Denys, ministro da Guerra, determinando o bombardeamento do Palácio Piratini.

Foi então que Brizola proferiu, às 11 horas do dia 28 de agosto, pela rede da Legalidade, para o Rio Grande do Sul e o Brasil, o discurso que segue:

” Peço a vossa atenção para as comunicações que vou fazer. Muita atenção. Atenção, povo de Porto alegre! Atenção Rio Grande do Sul! Atenção Brasil! Atenção meus patrícios, democratas e independentes, atenção para essas minhas palavras!

Em primeiro lugar, nenhuma escola deve funcionar em Porto Alegre. Fechem todas as escolas. Se alguma estiver aberta, fechem e mandem as crianças para junto de seus pais. Tudo em ordem. Tudo em calma. Tudo com serenidade e frieza. Mas mandem as crianças para casa.

Quanto ao trabalho, é uma iniciativa que cada um deve tomar, de acordo com o que julgar conveniente. Quanto às repartições públicas Estaduais, nada há de anormal. Os serviços públicos terão o seu início normal e os funcionários devem comparecer como habitualmente, muito embora o Estado tolerará qualquer falta que, por ventura, se verificar no dia de hoje.

Hoje, nesta minha alocução, tenho os fatos graves a revelar. O Palácio Piratini, meus patrícios, está aqui transformado em uma cidadela que há de ser heróica, uma cidadela da liberdade, dos direitos humanos, uma cidadela da civilização, da ordem jurídica, uma cidadela contra a violência, contra o absolutismo, contra os atos dos senhores, dos prepotentes. No Palácio Piratini, além da minha família e de alguns servidores civis e militares do meu Gabinete, há um número bastante apreciável, mas apenas daqueles que nós julgamos indispensáveis ao funcionamento dos serviços da sede do Governo. Mas todos os que aqui se encontram, estão de livre e espontânea vontade, como também, grande número de amigos que aqui passou a noite conosco e retirou-se hoje, por nossa imposição.

Aqui se encontram os contingentes que julgamos necessários, da Gloriosa Brigada Militar – O Regimento Bento Gonçalves e outras forças. Reunimos aqui o armamento de que dispúnhamos. Não é muito, mas também não é pouco para aqui ficarmos preocupados frente aos acontecimentos. Queria que os meus patrícios do Rio Grande e toda a população de Porto Alegre, todos os meus conterrâneos do Brasil e todos os soldados da minha terra querida pudessem ver com seus olhos o espetáculo que se oferece. Aqui nos encontramos e falamos por esta estação de rádio que foi requisitada para o serviço de comunicação, a fim de manter a população informada e, com isso, auxiliar à paz e à manutenção da ordem. Falamos aqui do Serviço de Imprensa. Estamos rodeados por jornalistas que teimam, também, em não se retirar, pedindo armas e elementos necessários para que cada um tenha oportunidade de ser também um voluntário, em defesa da Legalidade.

Esta é a situação! Fatos os mais sérios quero levar ao conhecimento dos meus patrícios de todo o País, da América Latina e de todo o mundo. Primeiro: ao me sentar aqui, vindo diretamente da residência, onde me encontrava com minha família, acabava de receber a comunicação de que o ilustre general Machado Lopes, soldado do qual tenho a melhor impressão, me solicitou audiência para um entendimento. Já transmiti, aqui mesmo, antes de iniciar minha palestra, que logo a seguir receberei S. Exa. com muito prazer, porque a discussão e o exame dos problemas é o meio que os homens civilizados utilizam para solucionar os problemas e as crises. Mas pode ser que esta palestra não signifique uma simples visita de amigo. Que esta palestra não seja uma aliança entre o Poder Militar e o Poder Civil, para a defesa da ordem constitucional, do direito e da paz, como se impõe neste momento, como defesa do povo, dos que trabalham e dos que produzem, dos estudantes e dos professores, dos juízes e dos agricultores, da família. Todos, até as nossas crianças, desejam que o Poder Poder Militar e o Poder Civil se identifiquem nesta hora para vivermos na Legalidade. Pode significar, também, uma comunicação ao Governo do Estado da sua deposição. Quero vos dizer que será possível que eu não tenha oportunidade de falar-vos mais, que eu, nem deste Serviço, possa me dirigir mais, comunicando esclarecimentos à população. Porque é natural que, se ocorrer a eventualidade do ultimato, ocorrerão, também, conseqüências muito sérias. Porque nós não nos submeteremos a nenhum golpe. A nenhuma resolução arbitrária. Não pretendemos nos submeter. Que nos esmaguem! Que nos destruam! Que nos chacinem, neste Palácio! Chacinado estará o Brasil com a imposição de uma ditadura contra a vontade de seu povo. Esta rádio será silenciada tanto aqui como nos transmissores. O certo, porém, é que não será silenciada sem balas. Tanto aqui, como nos transmissores, estamos guardados por fortes contingentes da Brigada Militar.

DESTRUIÇÃO

Assim, meus amigos, meus conterrâneos e patrícios, ficarão sabendo porque esta rádio silenciou. Foi porque ela foi atingida pela destruição e porque isso ocorreu contra a nossa vontade. E quero vos dizer porque penso que chegamos a viver horas decisivas. Muita atenção, meus conterrâneos, para essa comunicação. Ontem à noite o sr. ministro da Guerra, marechal Odílio Denys, soldado no fim de sua carreira, com mais de 70 anos de idade e que está adotando decisões das mais graves, as mais desatinadas, declarou através do Repórter Esso que não concorda com a posse do sr. João Goulart, que não concorda com o que o Presidente Constitucional do Brasil exerça suas funções legais! Porque, diz ele numa argumentação pueril e inaceitável, isso significa uma opção entre comunismo ou não. Isto é pueril, meus conterrâneos! Isso é pueril, meus patrícios! Não nos encontramos neste dilema. Que vão essas ou aquelas doutrinas para onde quiserem. Não nos encontramos entre uma submissão à União Soviética ou aos Estados Unidos. Tenho uma posição inequívoca sobre isto. Mas tenho aquilo que falta a muitos anti-comunistas exaltados deste País, que a coragem de dizer que os Estados Unidos da América, protegendo seus monopólios e trustes, vão espoliando e explorando esta Nação sofrida e miserabilizada. Penso com independência. Não penso ao lado dos russos ou dos americanos. Penso pelo Brasil e pela República. Queremos um Brasil forte e independente. Não um Brasil escravo dos militaristas e dos trustes e monopólios norte-americanos. Nada temos com os russos. Mas nada temos também com os americanos, que espoliam e mantêm nossa Pátria na pobreza, no analfabetismo e na miséria.

Estes que muito elogiam a estratégia norte-americana querem submeter nosso povo a esse processo de esmagamento. Mas isso foi dito pelo ministro da Guerra. Isso quer dizer que S. Exa. tomará todas as medidas contra o Rio grande. Estou informado que todos os aeroportos do Brasil, onde pousam aviões internacionais de grande porte, estão guarnecidos e com ordem de prender o sr. João Goulart, no momento da descida. Há pouco falei, pelo telefone, com o sr. João Goulart, em Paris, e disse a ele que todas as nossas palestras de ontem foram censuradas. Tenho provas.Censuradas não nos seus efeitos, mas a rigor. A companhia norte-americana dos telefones deve ter gravado e transmitido os termos de nossas conversas para essas forças de segurança. Hoje eu disse ao sr. João Goulart: decide de acordo com o que julgares conveniente. Ou deves voar, como eu aconselho, para Brasília, ou para um ponto qualquer da América Latina. a decisão é tua! Deves vir diretamente a Brasília, correr o risco e pagar para ver. Vem. Toma um dos teus filhos braços. Desce sem revólver na cintura, como um homem civilizado. Vem como para um País culto e politizado como é o Brasil e não como se viesse para uma republiqueta, onde dominem os caudilhos, as oligarquias que se consideram todo-poderosas. Voa para o Uruguai, então, esta cidadela da liberdade, aqui pertinho de nós, e aqui traça os teus planos, como julgares conveniente.

Vejam, meus conterrâneos, se não é loucura a decisão do ministro da Guerra. Vejam, soldados do Brasil, soldados do III Exército! Comandante, general Machado Lopes! Oficiais, sargentos e praças do III Exército, guardiães da ordem da nossa pátria. Vejam se não é loucura. Este homem está doente! Este homem está sofrendo de artereosclerose, ou outra coisa. A atitude do marechal Odílio Denys é uma atitude contra o sentimento da Nação. Contra os estudantes e intelectuais, contra o povo, contra os trabalhadores, contra os professores, juízes, contra a Igreja. Ainda há pouco, conversando com S. Exa. Revdma., Arcebispo Dom Vicente Scherer, recebi a comunicação de que todos os cardeais do Brasil haviam decidido lançar proclamação pela paz, pela ordem legal, pela posse a quem constitucionalmente cabe governar o brasil, pelo voto legítimo de seu povo. Esta proclamação está em curso pelo País. As Igrejas Protestantes, todas as seitas religiosas clamam por paz, pela ordem legal. Não é a ordem do cemitério ou a ordem dos bandidos. Queremos ordem civilizada, ordem jurídica, a ordem do respeito humano. É isso.

DESATINO E LOUCURA

Vejam se não é desatino. Vejam se não loucura o que vão fazer. Podem nos esmagar, num dado momento. Jogarão o País no caos. Ninguém os respeitará. Ninguém terá confiança nessa autoridade que será imposta, delegada de uma ditadura. Ninguém impedirá que este País, por todos os seus meios, se levante lutando pelo poder. Nas cidades do interior surgirão as guerrilhas para defesa da honra e da dignidade, contra o que um louco e desatinado está querendo impor à família brasileira. Mas confio, ainda, que um homem como o general Machado Lopes, que é soldado, um homem que vive de seus deveres, como centenas, milhares de oficiais do Exército, como esta sargentada humilde, sabe que isso é uma loucura e um desatino e que cumpre salvar nossa pátria. Tenho motivos para vos falar desta forma, vivendo a emoção deste momento, que talvez seja, para mim, a última oportunidade de me dirigir aos meus conterrâneos. Não aceitarei qualquer imposição.

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ORDEM SÓ INTERESSA A BRIZOLA

Desde ontem, organizamos um serviço de captação de notícias por todo o território nacional. É uma rede de radioamadores, num serviço organizado Passamos a captar, aqui, as mensagens trocadas, mesmo em código e por teletipos, entre o III Exército e o Ministério da Guerra. As mais graves revelações quero vos transmitir. Ontem, por exemplo – vou ler rapidamente porque talvez isto provoque a destruição desta rádio – o ministro da Guerra considerava que a preservação da ordem ‘só interessa ao governador Brizola’. Então, o Exército é agente da desordem, soldados do Brasil?! É outra prova da loucura! Diz o texto: ‘É necessário a firmeza do III Exército para que não cresça a força do inimigo potencial’.

Eu sou inimigo, meus conterrâneos?! Estou sendo considerado inimigo, meus patrícios, quando só o que queremos é ordem e paz. Assim como este, uma série de outros rádios foi captada até no Estado do Paraná, e aqui os recebemos por telefone, de toda a parte. Mais de cem pessoas telefonaram e confirmaram. Vejam o que diz o general Orlando Geisel, de ordem do marechal Odílio Denys, ao III Exército: ‘Deve o comandante do III Exército impedir a ação que vem desenvolvendo o governador Brizola. Deve promover o deslocamento de tropas e outras medidas que tratem de restituir o respeito ao Exército. O III Exército deve agir com a máxima urgência e presteza. Faça convergir contra Porto Alegre toda a tropa do Rio grande do Sul que julgar conveniente. A Aeronáutica deve realizar o bombardeio, se for necessário. Está a caminho do Rio Grande uma força-tarefa da Marinha de Guerra e mande dizer qual o reforço de que precisa.’ Diz mais o general Geisel: ‘Insisto que a gravidade da situação nacional decorre, ainda, da situação do Rio Grande do Sul, por não terem, ainda sido cumpridas as ordens enviadas para coibir a ação do governador Brizola’.

Era isto, meus conterrâneos. Estamos aqui prestes a sofrer a destruição. Devem convergir sobre nós forças militares para nos destruir, segundo determinação do ministro da Guerra. Mas tenho confiança no cumprimento do dever dos soldados, oficiais e sargentos, especialmente do general Machado Lopes, que, esperamos, não decepcionará a opinião gaúcha. Assuma, aqui, o papel histórico que lhe cabe. Imponha ordem neste País. Que não se intimide ante os atos de banditismo e vandalismo, ante este crime contra a população civil, contra as autoridades. É uma loucura.

CHACINA

Povo de Porto Alegre, meus amigos do Rio Grande do Sul! Não desejo sacrificar ninguém, mas venham para a frente deste Palácio, numa demonstração de protesto contra esta loucura e este desatino. Venham, e se eles quiserem cometer esta chacina, retirem-se, mas eu não me retirarei e aqui ficarei até o fim. Poderei ser esmagado. Poderei ser destruído. Poderei ser morto. Eu, a minha esposa e muitos amigos civis e militares do Rio Grande do Sul. Não importa. Ficará o nosso protesto, lavando a honra desta Nação. Aqui resistiremos até o fim. A morte é melhor do que a vida sem honra, sem dignidade e sem glória. Aqui ficaremos até o fim. Podem atirar. Que decolem os jatos! Que atirem os armamentos que tiverem comprado à custa da fome e do sacrifício do povo! Joguem estas armas contra este povo. Já fomos dominados pelos trustes e monopólios norte-americanos. Estaremos aqui para morrer, se necessário. Um dia, nossos filhos e irmãos farão a independência do nosso povo!

Um abraço, meu povo querido! Se não puder falar mais, será porque não me foi possível! Todos sabem o que estou fazendo! Adeus, meu Rio Grande querido! Pode ser este, realmente, o nosso adeus! Mas aqui estaremos para cumprir o nosso dever”

brizola ao microfone

Os sargentos da Base Aérea de Canoas (então de Gravataí) se rebelaram e impediram que os oficiais levantassem vôo para bombardear o Palácio. Machado Lopes aderiu ao movimento da Legalidade, Jango retornou ao Brasil, via Porto Alegre, e tomou posse no dia 7 de setembro de 1961 na Presidência da República. Após ter restabelecidos seus poderes constitucionais, como chefe do Executivo federal (manietados no golpe de “salão” que impôs o parlamentarismo), em 1963, governaria apenas um ano, derrubado pelos amigos da burguesia nacional e americana, por querer implementar a reforma agrária (no comício de 13 de março de 1964 assinaria decreto desapropriando terras ao longo das rodovias federais), a reforma urbana e universitária, entre outras, e por assinar a lei de controle de remessa de lucros das empresas estrangeira – revogada logo após o golpe de 1.º de abril.

Com sua queda, o povo brasileiro perdia a chance de ter uma vida de gente, em vista de seus próprios interesses e dignidade, sem a escravização pelo capital internacional, que nos transforma em zumbis, sem vontade e condições de vida, a serviço do luxo sádico dos donos do mundo! E nascia o Brasil da miséria absoluta, da criminalidade desenfreada, da concentração urbana absurda e do êxodo rural marginalizador de multidões, o Brasil do deboche político, da completa falta de consciência das grandes massas de trabalhadores, de mente diariamente manipulada pela toda poderosa mídia, a nova “deusa inquestionável”, que hoje conhecemos.

Ubirajara Passos

O DISCURSO DE OSWALDO ARANHA NO ENTERRO DE GETÚLIO VARGASG


 

Há exatos 53 anos, em 23 de agosto de 1954, ocorria a última reunião ministerial de Getúlio com seus ministros, que se estenderia pela madrugada de 24 de agosto, em meio à crise gerada pelo assassinato do Major Vaz, puxa-saco do representante maior do imperialismo americano, Carlos Lacerda (típico exemplar do fascismo histérico-moralista e ex-comunista convertido ao pior conservadorismo) em atentado pretensamente dirigido contra o último, segundo a sanha lacerdista pestilenta, a mando de Getúlio (o que nunca foi comprovado e era a mentira de que os capachos da burguesia americana precisavam para mobilizar, pela via do moralismo arraigado culturalmente, a população contra o governo nacionalista e popular).

Na manhã do dia seguinte, diante da pressão dos milicos golpistas de extrema-direita, de cabeça feita pelos yankees na Força Expedicionária Brasileira – a FEB – nos campos da Itália, no final da segunda guerra mundial (os mesmos que deram o golpe de estado em 1º de abril de 1964, inaugurando o Brasil triste e miserável que vivemos), que exigiam sua renúncia, Getúlio se suicidaria com um tiro no peito, causando a reação comovida e dolorosa das multidões de trabalhadores Brasil a fora, e evitando (pelos dez anos seguintes) o golpe dos imperialistas histéricos. Em Porto Alegre a multidão enfurecida chegou a depredar os jornais da oposição direitosa (como os “Diários Associados” de Assis Chateaubriand).

No enterro de Getúlio em São Borja, sua terra natal, no dia 25 de agosto, o ministro Oswaldo Aranha (companheiro que o acompanhava na vida política desde a época do governo castilhista de Borges Medeiros no Rio Grande do Sul, nas décadas de 1910 e 1920, que preparou com ele, como grande articulador, a Revolução de 1930 e foi seus ministro diversas vezes nos anos seguintes, que ficaram conhecidos na História como a “Era Vargas”,1930-1945 e 1951-1954, tendo presidido, como representante do Brasil, a ONU em 1947, ano em que a organização reconheceu a constituição do “Estado de Israel”) aos prantos, proferiu o discurso que transcrevo abaixo, que além da profunda humanidade é um depoimento íntimo de quem lutou vida a fora ao lado de Getúlio Vargas pela independência econômica do Brasil e e a libertação de seus trabalhadores. É bom lembrar, quando se avizinha a reforma trabalhista e sindical do ex-sindicalista Luís Inácio, que pretende revogar os mínimos direitos que os escravos assalariados ainda têm para protegê-las da sanha exploratória e sádica da classe dominante, que foi Getúlio, em plena ditadura do Estado Novo, que deu corpo legal e efetivo, em 1943, à única legislação trabalhista nacional que merece este nome (e que hoje já se encontra deformada por décadas de ditadura fascista e seus sucessores “democráticos”, mas mesmo assim o Inácio quer revogá-la). Vamos ao discurso:

 

Oswaldo Aranha“Getúlio,

Não era possível os teus restos serem recolhidos ao seio maternal de tua terra sem que antes, tendo contigo vivido os últimos dias de tua vida, eu procurasse, ante a eternidade que nos vai separar, conversar contigo, como costumávamos conversar, nos nossos despachos, sobre a vida, as criaturas e os destinos do Brasil. Não sei se, neste instante, poderei conversar contigo como outrora conversamos. Eu estou, como todos os brasileiros, constrangido, dolorido, ferido na alma, ao ver que te arrancaram a a vida aqueles que te deviam conservar para melhor sorte do povo e do Brasil. Quero que Deus me dê, neste instante, um pouco da tua mansidão, um pouco da tua bondade e generosidade, para que nós possamos suportar neste transe, quando já no horizonte do do Brasil, na sorte do povo e no futuro de nossa Pátria, já se carrega de nuvens negras da insegurança e da violência. Disseste que só o amor constrói para a eternidade, e este teu amor será aquele que vai construir o Brasil. Não há quem tenha forças nem poder para trocar o amor que está no coração dos brasileiros e não tenha forças e poder para mudar os destinos desta Pátria contrariamente às suas tradições, pelos golpes da ilegalidade, da traição e das armas. Neste momento, Getúlio, conversando com aquela intimidade boa e generosa com que nos entendíamos, quero te dizer que o povo todo chorou, chora e chorará por ti, como nunca imaginei pudesse um povo chorar. Se é verdade aquilo que se disse, quando morreu um grande homem da História que orgulha todos os sul-rio-grandenses, quando morreu Castilhos; se é verdade o que disse Pereira da Cunha, numa hora de emoção, declarando que, se houvesse um processo para a cristalização da lágrima, o túmulo dele não seria de mármore, eu te diria que se houvesse esse processo para a cristalização da lágrima, tu não te enterrarias no fundo da terra de São Borja e do Rio Grande, mas na mais alta montanha da geografia política do Brasil, porque nunca se chorou tanto, nunca um povo foi tão dominado pela dor ao perder um filho, como neste instante o povo brasileiro diante de tua morte.

Getúlio,

Saímos juntos daqui há vinte e tantos anos; íamos todos levados pelo teu sonho e teu ideal. A tua filosofia era inspirada nos humildes, nos necessitados, na assistência de quantos viviam à margem da sociedade brasileira, espalhados por esta imensidão, por estas terras abandonadas e abandonados eles também em suas terras, os trabalhadores. Todos tínhamos um só sonho: era integrar o Brasil em si mesmo, era fazer com que o Brasil não pertencesse às classes dominantes, aos potentados, ou poderosos, e que entre nós existisse, pela condição humana, de pobres e ricos, maior igualdade e fôssemos todos igualmente brasileiros. A preocupação dominante da tua vida eu não direi que era fraternal, direi que era material, porque eu o testemunhei: o teu ideal era dividir igualmente entre todos os seus filhos o carinho, o amor e a possibilidade de assistência, de vida e de futuro. O que mais te feria eram as discriminações, as separações, era este contraste horrível que só não emociona os homens que não têm formação cristã e faz com que enquanto uns vivam no gozo, no luxo e na grandeza, outros se afundem na fome, na miséria e no desespero. Conheci o teu íntimo, como talvez poucos homens puderam conhecer, porque, entre os grandes títulos de minha vida, um dos maiores era a confiança do teu pensamento e do teu sentimento, a honra da tua amizade, que acidentes políticos nunca modificaram, antes estreitaram e engrandeceram entre nós. Saímos daqui há vinte e poucos anos. Voltamos juntos, e tenho consciência de que se tu voltas, neste momento, para a terra de São Borja, para um túmulo, e eu não volto para a cidade de Alegrete, ainda é por causa do teu amor, da tua generosidade e do teu desprendimento, porque sei, tenho consciência e devo dizer a todos e a todo o País, que tu morreste para que nós, os que te assistiam, os teus amigos, não morressem contigo. Devo declarar que, se ainda vivemos, é porque tu te antecipaste na morte, para nos deixar na vida. O teu suicídio é o grande suicídio, o suicídio altruístico, aquele que faz a mãe,e do pai pelo filho, o pai, e que foste pai e filho como ninguém, e por isso soubeste fazer pelos teus. Ninguém mais do que eu o pôde testemunhar. Todos os meus apelos eram no sentido de que a tua vida era da maior necessidade para o Brasil. Praticaste não o ato de renúncia da tua vida, praticaste a grande opção, que só os fortes sabem fazer, a opção altruística que, entre a vida e os seus prazeres e a morte, decide-se pela última.

Se ele tivesse querido, nesta hora, meus senhores, seria mais forte do que nunca, em vida; mas não mais forte do que é agora na morte, porque a morte é eterna e a vida, passageira. Ele seria mais forte porque tinha no seio das Forças Armadas e no coração do povo, que é invencível, os elementos para resistir, dominar e vencer. Mas procurou vencer-se a si mesmo, não derramar o sangue daqueles que sabia, como disse momentos antes, os melhores, os bons, os amigos. Não foi, como se disse, o suicídio de um grande homem, tu te mataste para evitar que o novo Brasil se suicidasse e para que, de ti, da tua morte e do teu sangue, surjam, como numa transfiguração, o futuro e o destino, e nós, nos contemplando, possamos ter, neste momento, a convicção de que deste com o teu sangue a certeza de que o Brasil surgiu de ti, da tua filosofia, de nossa Pátria! Este destino surgirá como uma emanação deste túmulo e se espraiará pelo tempo dos tempos e por todos os horizontes, numa afirmação renovada das tuas idéias e dos teus sentimentos. Quando se quiser escrever a História do Brasil, queiram ou não, tem-se de molhar a pena no sangue do Rio Grande do Sul, e ainda hoje, quem quiser escrever e descrever o futuro do Brasil, terá de molhar a pena no sangue do teu coração.

Getúlio,

Saímos daqui juntos. Tenho consciência de que não voltamos juntos porque tu quiseste poupar a minha vida. Naquela horas trágicas e difíceis, quando o Judas preparava um novo Cristo na História do Brasil, nós sentíamos que a traição estava às nossas portas, e a negação de apóstolo e do Senhor era feita pelos que mais juravam a sua fé. Naquela hora, nós tínhamos um pacto, o pacto dos homens desta terra, o pacto dos homens dignos, que todos poderiam derramar sangue para te conservares no poder, mas nós decidimos ficar juntos de ti, porque estávamos dispostos a fazer tudo pelo Brasil, a fazer todos os sacrifícios, menos o de sermos humilhados, porque a humilhação é incompatível com a dignidade humana. Tu te antecipaste para nos poupar a vida. Não sei ! As tuas decisões sempre foram as melhores, mas não sei se não fora talvez melhor para nós termos idos juntos, já que juntos vivemos, juntos sonhamos, e eu te acompanhei por toda esta tua longa vida.

Quando, há vinte e tantos anos, assumiste o governo deste País, o Brasil era uma terra parada, onde tudo era natural e simples; não conhecia nem o progresso, nem as leis de solidariedade entre as classes, não conhecia as grandes iniciativas, não se conhecia o Brasil. Nós o amávamos, de uma forma estranha e genérica, sem consciência da nossa realidade. Tu entreabriste para o Brasil a consciência das coisas, a realidade dos problemas, a perspectiva dos nossos destinos. Ao primeiro relance, viste que a grande maioria dos brasileiros estava à margem, e a outra parte estava a serviço das explorações estrangeiras.E então, este espírito que conhecemos, retemperado no drama da fronteira, se alarmou nos seus estudos e se multiplicou na generosidade de seus sentimentos. Trouxeste uma cruzada que não está marcada no tempo e não tem horizonte fixado, que é a da integração dos brasileiros pelos brasileiros no seu próprio destino. Até então o Brasil não era nada, esperava por tudo. Não havia consciência do nosso progresso. Tu ofereceste a realidade, penetraste nela, tudo deste pelo novo Brasil que há deGetúlio e Oswaldo Aranha, vitoriosa a revolução de 1930 surgir, que há de crescer e se multiplicar e, quando integrado na sua grandeza entre as maiores nações do mundo, que fatalmente viremos a ser, o teu nome estará não neste túmulo, mas no topo de um pedestal, onde a gratidão de todos os brasileiros te levará como reconhecimento.

Getúlio,

Não tenho nem idéias, nem pensamento, nem forças para falar. Estou vivendo, nesta hora, ao teu lado, o turbilhão das minhas emoções, que se agrupam entre espasmos de dor e lágrimas, entre conjecturas e dúvidas, e, olhando para ti, sei que estou olhando para o Brasil e vendo que tu, ao entrares para a eternidade, tornaste maior o teu nome na História. Começo a pensar o que será de nós, os brasileiros, neste transe que se abre com a tua morte.

Direi, procurando interpretar as palavras que João Goulart acabou de proferir em nome de seu partido, que nós, os teus amigos, continuaremos, depois da tua morte, mais fiéis do que na vida: nós queremos o que tu sempre quiseste para este País. Queremos a ordem, a paz, o amor para os brasileiros.

Neste instante, quando ainda agitados pelo remorso ou atormentados e com as mãos tintas da traição, eu, receoso diante da afronta que se fez ao povo brasileiro com o teu afastamento do poder e da vida, a maior afronta que registra a história política do Brasil, porque se verificou não uma eleição com a tua morte, mas a consagração defintiva do teu povo pelo teu amor pelo Brasil: neste instante, diante do teu túmulo, não há lugar para exaltações, para paixões, o que ofenderiam a tua bondade, de que tanto se abusou neste país. Diante de ti não há lugar para recriminações. Há sim, para afirmar ao Brasil inteiro a mensagem de um homem que não queria morrer, mas continuar os seus ideais. Nós queremos, seguindo as tuas lições, um entendimento, mas fique bem claro que os entendimentos têm de se fazer entre os humildes, entre os trabalhadores, entre o povo e os homens capazes de assumir responsabilidades, mas jamais com os traidores. A traição não teve guarida no teu coração, não pode ter no nosso. Assim como detestamos a traição, perdoaremos os traidores. Sigam o seu destino, perseguidos como Judas, pelo tempo dos tempos, recebendo o castigo da reprovação. Pela torpeza que cometeram, apesar do dever e dos compromissos de honra assumidos. Nesta hora, aos que já estão adotando providências que indicam para o Brasil o rumo da violência, da supressão de direitos elementares, da perseguição, responderemos como o povo brasileiro com o coro de suas lágrimas.

Haveremos, juntamente com aqueles que rendem as homenagens ao teu sentimento, de jurar fidelidade eterna às idéias do teu amor, que desse túmulo emana, como disseste do teu próprio sangue, a flâmula da redenção, pela ordem, pela concórdia, pela paz. Estão eles atemorizados com o que fizeram. Estão atemorizados pelo remorso. Estamos ameaçados de dias incertos, negros e sangrentos, mas contra tudo isso, contra este crime que se pressente contra o povo brasileiro, clama a tua vida de tolerância, de bondade e de generosidade, porque se é verdade que sabias ser bom com os teus amigos, eu que testemunhei a tua vida, posso dizer que não houve no Brasil homem melhor para os seus inimigos.

Getúlio,

Vamos encerrar o nosso despacho, a nossa conversa, aquela conversa que tínhamos tantas vezes por semana, em que tanto me inspirava, me aconselhava e decidia. É que procurei dar o melhor de mim mesmo pela sorte e pelos destinos do nosso País. Vamos encerrar a nossa conversa com a afirmação, ou melhor, com a informação que te costumava dar do que sinto, vejo e prevejo para o nosso País. Teremos dias intranqüilos, criados por aqueles que disseram que iriam defender as leis, que são as que dão segurança à vida do povo. Teremos dias de erros graves e de crimes, mas podes estar certo de que defenderemos a tua memória, porque tu não nos legaste a tua morte, mas a eternidade de tua vida. Podes ir tranqüilo, porque venceremos, inspirados em teus sentimentos de amor e de igualdade. O teu apelo será atendido. Tudo faremos para atendê-lo, para que o Brasil viva dirigido não por ódios, por sentimentos subalternos, nem por vinganças ou recriminações, mas dentro da realidade generosa e fraterna. A tua vida é a maior lição que recebeu o Brasil. A tua morte é apenas um episódio da tua vida. Não chega nem a interromper o teu destino.

Muitas e grandes vozes te falaram neste instante, muitos e grandes pensamentos trouxeram-te nesta hora o testemunho da admiração que despertaste em todo o Brasil. O povo está falando nas ruas, com as suas lágrimas, com o seu desespero, com a sua inconformação. Tu ouviste a voz dos trabalhadores pelos seus líderes, a voz de Minas demonstrando a sua fidelidade mais alta que suas montanhas, para te trazer, através de um dos nossos companheiros, de um daqueles que ilustravam a tua família governamental, a sua palavra de despedida.

Eu, Getúlio, não te dou minha despedida, posto que tu não te despediste de nós, porque nós iremos todos os dias, a ti, buscar inspiração para os nossos atos.

Quero te dizer agora, homem que tem que enfrentar um futuro ao qual havia pretendido renunciar, por isso que era minha decisão encerrar a minha vida pública, que diante da nossa realidade, quando tu te tornas ainda maior, eu me reincorporarei a quantos de hoje para o futuro continuarão a obra daquele que foi, entre os brasileiros que eu conheci e entre os grandes homens com que tenho convivido no mundo, um dos maiores, mas sem dúvida, o melhor entre os melhores.

Não te trouxe o meu abraço , que separa para sempre, que nem o meu abraço que une ainda mais, nem o beijo com que nos aproximamos dos mortos queridos, mas aquele aperto de mão amigo de todos os dias para que continuemos, tu na eternidade, eu nesta vida, o diálogo de dois irmãos ligados pela terra, pela raça, pelo serviço e pelo amor do Brasil”.

 

Oswaldo Aranha (que veio, em 1957, a presidir novamente a delegação do Brasil na ONU) morreu cinco anos depois, em 27 de janeiro de 1960, em pleno governo Juscelino Kubitschek (o construtor de Brasília, eleito em coligação com o PTB,do qual o Presidente, João Goulart, era seu vice).

Ubirajara Passos

TRIBUNAL ENVIOU À ASSEMBLÉIA PROJETO-DE-LEI QUE QUEBRA A ESTABILIDADE DOS SERVIDORES DA JUSTIÇA GAÚCHA


Informativo que enviei hoje às comarcas do Núcleo Regional da Grande Porto Alegre do Sindjus-RS, do qual sou coordenador até dezembro:

“O SINDJUS SOMOS TODOS NÓS
Informativo do Núcleo Regional de Canoas
N.º 4 – 22 de agosto de 2007

Coordenador do Núcleo: UBIRAJARA PASSOS

TRIBUNAL ENVIA À ASSEMBLÉIA PROJETO DE QUEBRA DA ESTABILIDADE
Para coroar com chave de ouro o final de sua gestão, o Presidente do Tribunal de Justiça enviou à Assembléia Legislativa o Projeto de Lei Complementar n.º 322/2007, de “avaliação de desempenho”, elaborado no ano passado e agora, silenciosamente sacado das gavetas. Com algumas maquiagens que em nada o modificam (como substituir a expressão “superior hierárquico” por chefia imediata, no artigo que trata de quem será o responsável inicial pela “avaliação do desempenho”), o projeto, sob o pretexto de criar meios de se descartar servidores “preguiçosos”, possibilita a demissão de funcionários estáveis pela simples avaliação “negativa” de seu “desempenho”, em anos dois consecutivos ou três alternados, através de avaliação de requisitos os mais subjetivos e abstratos possíveis.
Constam, entre os requisitos previstos para a “avaliação”, absurdos que beiram ao rídiculo, como:
produtividade no trabalho;
(sem condições?)
iniciativa;
(a questão é fazer o necessário ou se apresentar para “resolver todos os problemas”?)
presteza;
(o que significa isto? Um servidor atender três urgências ao mesmo tempo?)
aproveitamento em programas de capacitação;
(alguém conhece, atualmente, algum “programa de capacitação” sério e efetivo?)
administração do tempo;
(como vai se avaliar? vai-se cronometar o tempo da montagem de um PEC, por exemplo, que pode, pela complexidade, levar um dia inteiro?)
uso adequado dos equipamentos de serviço;
(será que alguém usa “tesoura” ao invés de borracha?)

Porta aberta para a demissão – A medida pretende regulamentar o art. 41 da Constituição Federal, deformado em 1998, na Reforma Administrativa por Fernando Henrique – o que é um absurdo: a Constituição Estadual não incorporou a “avaliação de desempenho” ao seu texto, mantendo o antigo instituto da estabilidade, e o legislador estadual não tem atribuições para regulamentar norma da Carta Magna Federal. E nos joga, na prática, em um “estágio probatório perpétuo” (piorado, porque muitos dos itens do projeto não sequer exigidos hoje para a confirmação do servidor), e abre as portas para demitir, sem a necessidade de sentença judicial ou o cometimento de falha grave (como corrupção passiva), o servidor que estiver sendo “inconveniente”. Ou porque milita no movimento sindical e exige seus direitos, ou porque não tem “produtividade”, ou simplesmente não é do agrado de chefias autoritárias e rançosas.

E nada nos garante que não venha a ser usada como instrumento de “enxugamento da folha de pagamento”, na eventualidade de ter de se ajeitar o orçamento do Judiciário para implantação do sistema de subsídios da magistratura, que, conforme parecer divulgado no informativo anterior, é a prioridade financeira do momento.

Avaliação de desempenho onde falta material e servidores? Mas o mais grave é falar “demissão por insuficiência de desempenho” e “ineficiência”, em um poder onde faltam mais de 1.800 servidores (número admitido pela Presidência do Tribunal e que é apenas a defasagem de cargos criados, inferior portanto ao necessário para enfrentar o astronômico aumento de 200% da demanda processual dos últimos dez anos) e onde o excesso de trabalho e a falta de condições objetivas de trabalho, além da pressão de advogados, partes e dos próprios gabinetes (abarrotados de assessores e estagiários), coloca a grande maioria dos trabalhadores em situação de doença decorrente do trabalho, da tendinite à depressão.

O TJ deveria adotar sim um plano de avaliação, mas para promoção, com adoção de um plano de carreira (inexistente até hoje na justiça de 1.º grau) justo e humano, mas não para demitir, num serviço público que padece da falta crônica de quadros.

A estabilidade é uma garantia do serviço público e não do servidor – E a população não terá mais sequer a garantia do atendimento idôneo e dedicado de servidores públicos. Quem garantirá, sem estabilidade, o cumprimento estrito das normas legais e do bem público, se o servidor que não ceder à pressão de um advogado muito amigo da chefia, por exemplo, não terá mais qualquer garantia de sua continuidade no trabalho?

Quebra de estabilidade e reforma previdenciária – E o que dizer de nosso futuro com as atuais normas de aposentadoria (que Lula pretende precarizar mais ainda, em nova reforma previdenciária, elevando para 65 anos a idade mínima, ainda que o trabalhador esteja há cinqüenta anos se esfalfando)? Com “avaliação de desempenho” e produtividade, ninguém mais se aposentará no judiciário! Antes de chegarmos à total gagazice, já teremos sido trocados por funcionários mais jovens e ágeis, sem direito a nenhuma compensação além de um pontapé na bunda!

Agir é preciso – Temos de nos mobilizar com todas as forças, botar o berro na rua e na imprensa, e tomar as atitudes mais drásticas possíveis para impedir a barbaridade, pois caso o projeto seja aprovado no parlamento, estará aberta a porta da rua não apenas para os trabalhadores do judiciário, mas para todo o funcionalismo estadual, da brigada e magistério aos técnicos científicos. E Yeda poderá, finalmente, num passe de mágica, fazer seu choque de gestão e resolver a “crise das finanças do Estado”.

O primeiro passo é garantir a presença na reunião do “conselho de representantes”, convocada pela Diretoria Excutiva do Sindjus para o próximo dia 28, terça-feira, às 13 h 30 min, na sede do sindicato, em Porto Alegre. Nossa presença é imprescindível para garantir que a decisão coletiva atenda aos interesses da categoria e não às estratégias de alguns iluminados.”

Ubirajara Passos

Às companheiras das minhas madrugadas


Sonhei-te em gozo absoluto e sem controle,
Fui calafrios nos teus pelos dourados,
Te tive enlouquecida, em cavalgadas
Sem freio, em redemoinhos
De êxtase profundo,

Fui dez mil mãos,
Cem mil línguas de fogo,
Fui tempestade ou doce envolvimento
Em tua superfície de reentrâncias e colinas,

Fui criança de peito abandonada,
No desamparo, ao teu olhar, envolto em transe,
Fui afogueado centauro, folha carregada
No temporal de um tesão asfixiante,

Fui teu igual na gargalhada bêbada,
Brinquei, guri de uma infância edênica,
Lado a lado contigo percorrendo,
Mãos rápidas, olhares hipnóticos,
O âmago fremente, os sexos pulsantes,
Picos e grutas das nossas geografias

Fui dançarino, palhaço, orador,
Enquanto foste loba, gata em cio, onça feroz,
Fomos atores no palco dos salões
E confidentes na penumbra da luz negra.

Te tive irmã, mãe, puta, amada altiva,
Amiga de folguedos, fatal maga,
Me usando como um rato amedrontado,

Te tive filha meiga, mimada, maliciosa
E fui, em raras noites, sol em meio ao tédio
Das tuas madrugadas, como foste
O consolo erótico possível,

Desarmada ternura de empréstimo,
A realidade delirante dos prazeres
Nos obscuros casarões da sacanagem.

Em ti vivi a experiência sem esforço,
As agruras, o desejo, a acolhida
De todas cores de pele e de cabelo,
Das faces e olhos de formatos
Os mais diversos,

Fui amante
Carente e delicado, fui esperto
Ladrão de delícias, enjoado
Bêbado, machão onipotente,
Fui divertido malandro,
Sábio Vaidoso.

Vivi em ti, na boemia embriagada,
Nos corredores da penumbra,
Em camas mudas,

Mil vidas negadas no sol claro
E por ti, em cada uma que eras,
No calor dos seios fartos, das sedosas coxas ,
De imensas bundas, empinadas,
Frementes e úmidas bucetas,

Em jovens rostos,
Em malícia mergulhados ,
Em olhos de dona,
Em mãos crispadas
De serva insubmissa ,

Fui carrasco e vítima,
Carinho e desencontro.

Mas o que fui,
O que vivi nas noites breves,
No mundo alheio do fortuito encontro,
O que não alcancei no quotidiano
“Normal” da vida burocrática,
O sofrimento ou êxtase famélicos,

Eu só vivi graças a ti que estavas
Sempre a espera, no refúgio alcoolizado
Dos deserdados do amor regrado.

Gravataí, 22 de agosto de 2007

Ubirajara Passos

O JARDIM DOS VENTOS PERDIDOS


Aí vai mais um capítulo de “Erótilia”, em seguimento à série publicada em janeiro. Aos que não leram os capítulos anteriores ou, obviamente já esqueceram-se em que pé se enconttrava a “trama”, recomendo dar uma conferida no livro eletrônico na barra lateral deste blog, à direita. Mil perdões, mas só agora a “inspiração” me permitiu escrever mais um capítulo:

O Jardim dos Ventos Perdidos

“Bem vindo sejas, filho da buceta!
Desde o longínquo pólo, das alturas
Do gelo eterno, dos desertos te saúdam
Os murmurantes rios subterrâneos.

Corre em tuas veias a sabedoria
Que habita as águas abaixo do solo,
Em teus ouvidos vibram os cantares
De ígneas rochas, do calor primevo
De cujas cinzas és filho.

Te chamamos
Do mais profundo do teu peito.
Abre os olhos
Para o prazer ondulante que fundiu-se
E se fez carne ambulante,
Fez-te o que és!

Do sono profundo das amarras,
Do sofrimento que encarcera e imobiliza,
Desperta filho do auto-flagelo.

Recém tocou-te a beleza e é preciso
Que, só e nu, inerme tu mergulhes
Na luz que cega o ruidoso pensamento,
Na sensação pura dos caminhos
Que traçam a si próprios cavalgando
O hálito eterno e onisciente da volúpia”


A voz líquida, que parecia a de uma fonte, foi-se alterando num sussuro, cada vez mais rápido e gemente, até fazer-se confusão de ventos, que se cruzavam para todo lado, e de redomoinhos lamentosos que eriçaram-lhe a pele e despertaram o aprendiz do sono profundo. Completamente pelado, Epicuro viu-se deitado numa cama fofa de relva, junto à margem da clareira. À sua frente se erguia uma trilha curva margeada por pés de cinamomo, agitados pela ventania, que desembocava num rústico jardim com toscos bancos de pau falquejado. A cabeça atordoada ainda girava e, quando tentou erguer-se, deu um rodopio e estatelou-se ao chão.

Ainda lembrava do estranho vulto branco, do mármore vivo e pulsante, resplandecente, do oceano de carne e dourados cabelos que se precipitara sobre ele em sonho, envolvendo-o numa sensação desconhecida e quente… (mesmo com os cornos pulsando de dor o “pernóstico” rapaz se enfronhava na poesia barata)… num formigamento arrebatador que lhe fez convulsionar-se cada músculo e fibra nervosa, numa volúpia estranha e surpreendente, enquanto a misteriosa voz recitava, cada vez mais imperceptível, a estranha oração – de que agora só se lembrava de trechos.

Aos poucos foi dando por si e lembrou da criatura deliciosa que espiava na cachoeira, quando uma pancada o nocauteou por trás, enviando-o ao “reino de morfeu”. Puto da vida e zonzo, não tendo com quem reinar, pôs-se a clamar contra a própria babaquice, quando ouviu a estranha gargalhada (que parecia mais uma cascata ou o barulho de seixos se chocando na correnteza de uma sanga). Foi aí que deu com a figura encapuçada que o encarava, a sacudir-se.

Ubirajara Passos

O CADÁVER DO PERUCA


Após encher os cornos desde manhã cedo, a turma do Peruca dormitava à beira do açude, o sol se pondo, no sítio do Franja. Fazia meia hora que ninguém falava. Os únicos ruídos, além de algum quero-quero importuno, ou das declarações de “amor animal” da Marianinha (a vaca de estimação do Franja) ao seu dono, eram os arrotos e peidos do bando de “gambás”.

Foi aí que um berro sacudiu os brejos, e pôs a latir toda a cachorrada do Morro do Itacolomi!

Cabelinho (o primo mais novo do Peruca), levou um esbarrão num corpo inerte, quando, cambaleante, se arrastava até a margem para vomitar e deu com a figura inanimada. A baba a escorrer (como de costume) da boca, o corpo estatelado, mesmo com o violento trompaço, o Peruca não deu um ganido!

Após uns cinco minutos tentando se fazer entender, a língua enrolada, os braços agitados como se quisesse alçar vôo (Franja e Zé Doidinho imaginaram que o amigo curtia o barato do porre imitando a Geralda, a galinha mais popular do sítio), Cabelinho disparou: “ele tá morto, o meu primo! Coitadinho! Tão novo e tão abobado! Desde que foi pego por aquele traveco maldito e gostoso… puta que pariu!, por aquele traveco perigoso, nunca mais foi o mesmo e agora taí: mortinho com a boca arreganhada. Vamo tirá logo ele daí antes que fique com a boca cheia de formiga!”

A polvorosa se esparramou como uma onda entre os filhos da cachaça, que, um a um, se ergueram, pesados, do chão! E agora? O Peruca morto ali, em meio ao mato, era um problema! Quem iria terminar a filmagem da fantástica aventura? Fora ele que, desde a noite anterior, com “uma câmera na mão e uma cachaça na cabeça” registrara da pescaria à embriagada corrida de carrinho de lomba. E o pior: fazer o que com a carcaça? Todo mundo ali era novato nesta coisa de morte e a bebedeira impedia qualquer raciocínio “retilíneo”. A mente acompanhava as pernas da turma, ziguezagueando no capim lamacento.

Foi aí que o Marcinho do Pó (o mais “ligado” do grupo, cujo inocente apelido já diz tudo) teve a idéia luminosa: “Se morreu, temo que enterrá ele! Ô Franja, pega lá a enxada no galpão!”

Zé Doidinho, porém, gritou mais alto; “Peraí, que negócio é esse de ir enterrando o nosso companheiro aqui, no meio das vaca, das galinha, num lugar ‘ermo’ (o Zé era metido a erudito e fazia três dias que aprendera a palavra nova, que aplicava a torto e a direito)… Não tá certo! Temo é que levá ele pro cemitério! Lá que é lugar de defunto, assim como lugar de gostosa é de quatro na cama da gente!”

A trupe embriagada assentiu, assanhada (já nem se preocupavam com a morte do amigo), e saiu em disparada, a buzinar e gritar estrada a fora, agitando o sábado modorrento que escurecia. Contam as más línguas que, no centro da cidade, muito curioso se achegou à camioneta, ante o berreiro de “deixa passar que já tá apodrecendo, tá fedendo moço, ele tá fedendo!”, e saiu, cabelo em pé e olhar esbugalhado, em correria de pânico até o Passo da Caveira (“vila popular” uns seis quilômetros distante).

No cemitério a coisa foi feia: o berreiro, o buzinaço – quase que o Lulu, guarda municipal em serviço no turno da noite, manda chamar a Brigada Militar e bota todo mundo em cana (inclusive o falecido Peruca, que, segundo ele, era o responsável pela algazarra – coisa proibida no livrinho do “Perfeito” Stalinsky – quem mandou morrer de porre?). Mas, diante dos argumentos da “Carinha Sobe e Desce” (a única doida que se dispusera a participar da festa), que, com um bundaço e uma beijoca no pescoço, pôs-lhe comovido, o “guarda-defuntos” permitiu a entrada da inusitada procissão, com um porém: quem ia enterrar o Peruca, pra expiar o mal cometido, era o traveco do Bradesco!

Se ouviu então um gemido fino e distante, coisa de alma penada: “Não, no cu não! Seu diabo, o senhor faça o quiser, mas ainda nem curei as hemorróidas!”

No dia seguinte, o sol a pino, o Peruca, embarrado, a cabeça a latejar mais que badalo em sino, desceu, nada entendendo, a Nestor Moura Jardim, enquanto o bando ainda corria, não até a Caveira, mas subira a lomba e já andava quase em Morungava.

Ubirajara Passos

O “PACOTE” DE FUTUROS


Como anarquista, rejeito, evidentemente, qualquer visão determinista ou fatalista da vida (da ditadura dos genes dos darwinianos ao “estava escrito” islâmico), o que nunca me impediu de especular sobre o “destino”, diante de manifestações parapsicológicas incontestáveis, como a pré-cognição, ou dos infalíveis acertos da leitura das cartas do Tarô (a que me dedico desde o final do ano 2000).

Sem falar, é claro, nos tantos casos de “sincronicidade” (conforme a psicologia junguiana) por que eu mesmo passei umas quantas vezes. O mais estrondoso deles foi quando, separado da minha grande paixão (que se encontrava grávida) fui enganado pela minha “sogra”, que me pedira grana em seu nome para pagar o parto ocorrido. Pois, desde que recebi a notícia, por dois dias seguidos fiz um caminho, do Foro até o restaurante onde almoçava, diferente do costumeiro e encontrei dois conhecidos diferentes (que não tinham a menor ligação entre si, além de me conhecerem) que me desmentiram o nascimento, ainda não ocorrido (ao contrário do que a vigarista me dizia), fato que vim a confirmar mais tarde com a própria mãe da criança.

A questão que nos salta à mente é óbvia: se não há “destino”, nenhum roteiro pré-determinado em nossas biografia – seja pelas condicionantes materiais reconhecíveis da natureza (o questionamento e a abertura de possibilidades da filosofia libertária esbarra, na concretude, sem nenhuma excessão conhecida, em fatos irrefutáveis, como o de que jamais se viu um gato miar ou os ratos do Palácio da Alvorada latindo em homenagem ao Inácio), seja por uma pretensa divindade acima da humanidade – se nada do que está por vir é certo, como é possível prever o futuro?

Os especuladores mais malucos, a partir da física quântica e da teoria das super-cordas (que admite a existência de dezenas de “dimensões” materiais além das três conhecidas), dirão que cada decisão que tomamos e, conseqüentemente, cada ato nosso, cria futuros alternativos paralelos, existentes realmente, em mundos que convivem lado a lado sem se comunicarem. O doido do Richard Bach (ex-aviador e escritor norte-americano que li bastante e ajudou-me a suscitar ou confirmar muitas das minhas convicções, autor de “Fernão Capelo Gaivota”) chegou a escrever um romance (“Um”) onde ele e sua mulher passeiam, no seu bi-plano, por vários futuros ou passados alternativos, sobre um “mapa” do tempo.

Mas, em uma das rápidas conversas que mantemos todo dia entre os foros de Gravataí e Giruá, pelo telefone, eu e o Alemão Valdir cagamos (à moda das reflexões que fazíamos, há uns dez anos, sentados preguiçosamente na margem direita do Guaíba, vendo Porto Alegre do outro lado do rio-lago) uma teoria mais razoável.

Se na própria interação da sociedade humana (da economia à política, passando pelos meios de condicionamento cultural) há uma certa margem de previsão semelhante às condições físicas da atmosfera, é bem possível que a interação de nossos desejos e decisões – que virão a tornar-se ação – determinem uma certa linha previsível de estado futuro, das nações aos indivíduos. Que evidentemente pode ser afetada pelas mudanças de decisões e atitudes.

Ou seja, se o Tarô (que é uma forma de conhecimento mais complexa do que a banal arte dos cartomantes, pois faz questionamentos e análises emocionais sutis do presente do consulente, traçando linhas gerais de desenvolvimento futuro) aponta a possibilidade de prejuízo financeiro se mantivermos certa atitude em relação a determinados investimentos, por exemplo, seria possível evitar a desgraça, alterando a atitude presente.

Mas esta seria uma explicação muito frouxa para sonhos ou visões “proféticos” que “prevêem” fatos com antecedência até de anos e séculos, que, na inexistência absoluta de futuro certo, poderiam jamais realizar-se, perdidos nas ramificações e desvios dos “futuros” gerados a cada mudança de rumo das criaturas.

O que me fez aventar que o “futuro” seja uma entidade energético-mental composta de “pacotes”, conjuntos inteiros de fatos interligados a partir do menor ato ou decisão, cuja criação ou alteração radical só seja possível se forem tocadas determinadas “decisões-chaves” da cadeia de acontecimentos, que pela sua essencialidade sejam capazes de alterar o rumo para outro pacote alternativo…

A coisa pode estar parecendo muito mística, mas desde que se afirma que usamos conscientemente apenas 10% das capacidades mentais potenciais do nosso conjunto encefálico e que a maior parte dos nossos gestos e reações diários são automáticos ou condicionados inconscientemente nos softwares e programas cerebrais com que nascemos (e vão sendo alterados ou criados pela experiência concreta da atividade “real” e de nossos sonhos, desejos e imaginações, vida a fora) é bem plausível a existência do “pacote”. Que nos deve servir, no máximo, de farol de navegação nas próximas dificuldades e não para nos postrarmos ante o inapelável, pois a vida sem rebeldia não é vida.

Mesmo Epicuro (o filósofo grego do prazer e não o personagem da minha fábula incompleta), que defendia a escola atomística de Demócrito (na qual tudo derivava do movimento perpétuo, contínuo e uniforme da queda dos “átomos” no vácuo), especulava a possibilidade do “clínamen” (o desvio do rumo pré-determinado da partícula) no que diz respeito aos atos e realidades humanas. Sem a fuga aos moldes pré-fixados da natureza e da cultura coletiva, estamos condenados à despersonalização e à infelicidade. A rebeldia (a concretude do questionamento do mundo “pronto” em que nascemos e vivemos) é, portanto, a forma concreta e plausível da liberdade.

Fica em aberto, portanto, se existe o pacote de ramificações do futuro (mais ou menos determinado no geral, mas com várias atalhos, diferenciados como os galhos de uma árvore ou os braços de um delta). Mas, seja como for, quando a sua intuição lhe apontar uma trilha que se aproxima da realização dos seus mais caros e profundos sonhos, desejos e convicções, quando aquele “formigamento” agitar não só sua mão, mas o seu cérebro, vá com tudo e mergulhe no “pacote do futuro alternativo” que se apresenta. Outros virão, ou não. Mas a vida vale antes pelos momentos do que pelo desaguadouro final projetado de nossas correntezas.

Que, até o que se conhece racionalmente, dá sempre na fatal e absurda inexistência (uma senhora que não anda de capuz e foice à mão, mas é feita de um branco e inalterável mármore, eternamente frio e igual).

Ubirajara Passos

TRIBUNAL SEPULTA REAJUSTE DOS SERVIDORES E DIRETORIA DO SINDJUS-RS DÁ GARGALHADAS!


Na semana passada, enquanto os trabalhadores da justiça gaúcha recebiam o jornal do Sindjus-RS (impregnado da euforia bufa e tragicômica da diretoria executiva com a audiência em que foram recebidos, e enrolados, pelo Presidente do Tribunal), circulava o boletim da pelega, e portanto insuspeita quanto à autenticidade, ASJ, que reproduzia parecer do Conselho de Política Salarial, acolhido pelo Marcão, um dia antes da audiência com o sindicato (23 de julho), que simplesmente manda para o espaço as perspectivas presentes e futuras de recuperação das perdas salariais (que já ultrapassam os 44%).

O burocrático, prolixo e infeliz documento, após argumentar que “entende-se deva restar sobrestado o exame da matéria, bem como quaisquer outras relativas a matéria vencimental, até que seja solucionada a questão da fixação do subsídio para o Poder Judiciário”, e que “a fixação dos subsídios é imposição constitucional (…) e vem sendo postergada neste Estado (e em breve só nele, eis que no Estado de São Paulo se encaminha solução consensual entre os Poderes)”, conclui que “antes que seja solucionada esta questão relativa ao próprio cumprimento de texto constitucional e ao respeito ao caráter nacional da magistratura (sic), descabe enviar outros projetos sobre matéria remuneratória, ainda que justos os pleitos nele contidos (sic)”, opinando “pelo sobrestamento de todo e qualquer pleito relativo a reajustamento vencimental até que seja implantado o sistema de subsídio no poder judiciário, quando voltará a ser examinada a matéria”.

Fica clara, explícita e inquestionável, portanto, a intenção patronal de não enviar qualquer projeto de reajuste para os servidores a fim de evitar que estes envolvam em polêmica, no legislativo, a aprovação do projeto que vincula os salários da magistratura aos dos ministros do STF (aumentando em alguns casos em até 60% os valores atuais) e, conseqüentemente, tira do controle do Estado os futuros reajustes de desembargadores e juízes que, por passarem a ser expressos em percentual da remuneração da magistratura do Supremo Tribunal Federal, ocorrerão automaticamente, toda vez que esta se auto-aumentar!

Se conhecendo, como é tradição, a postura do Tribunal em privilegiar os bolsos da magistratura, em detrimento da peonada, e as limitações orçamentárias (que a governadora Yeda Crusius pretende apertar mais ainda), o resultado óbvio será a recusa futura da concessão não apenas de reposição das perdas dos últimos três anos (18,12%), bem como da recuperação do restante da perda salarial histórica da peonada do Judiciário, que – no máximo – passará a receber a minguada esmola (no ano passado a “reposição” foi de 1%) que o Poder Executivo concede anualmente aos seus servidores!

Enquanto isto, na sede do Sindjus, mesmo diante da divulgação da informação, os bem-aventurados membros da diretoria executiva sacodem a pança e quase perdem o fôlego de tanto rir (da cara de otário da base que os elegeu, é claro), pois agora o PT e a CUT têm à sua disposição a rica arrecadação mensal da entidade (meros R$ 80.000,00), inclusive para encomendar caras e inóquas pesquisas de opinião dos servidores (conforme a última notícia publicada no site da entidade) sob o pretexto de que “Pra fazer o que você quer, precisamos saber o que você pensa” (sobre a desgraça salarial que ameaça cair sobre a base, os nossos comportados e pelegos puxa-sacos do patrão não dão um pio, até em agradecimento à ajuda do Tribunal na sua eleição – a recusa em receber a combativa diretoria anterior em palácio foi fundamental)!

Desconhecimento, aliás, muito estranho para dirigentes eleitos há apenas dois meses, com propostas específicas (ainda que vagas e demagógicas).

Se querem saber das necessidades da categoria, já que a a amnésia do poder (doença grave e incurável que atinge sindicalistas pelegos guindados ao grau de dirigentes), pelo visto, os fez esquecer rapidamente da tortura financeira e do excesso de trabalho e falta de funcionários que os atormentavam quando ainda estavam nos cartórios (e não gozavam de gordos “auxílios de custo” pagos pelo sindicato), até o último dia dos namorados (12 de junho), é só voltar a trabalhar!

A última pesquisa deste estilo realizada na entidade, aliás, rendeu bons honorários para uma empresa formada por “companheiros” petistas (na gestão do pelego João Vítor, em 1995) e não resultou em nada, a não ser num calhamaço de papel esquecido nos arquivos da sede.

Para os leitores que não estão a par do escandoloso projeto de reclassificação e vinculação de salários de magistrados estaduais aos do Supremo Tribunal Federal fica o alerta de que, conforme o próprio parecer mencionado, este foi encaminhado sob o, falso, pretexto de cumprimento do artigo 37, inciso XI da Constituição Federal, que apenas dispõe que ” a remuneração e os subsídios” (vencimentos dos membros dos três poderes) “dos cargos, funções e empregos públicos (…) não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos ministros do Supremo Tribunal Federal (…) aplicando-se como limite (…) o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário (…)”.

Ou seja, a Constituição determina que nenhum funcionário, juiz ou desembargador pode receber mais do que o equivalente a 90,25% dos salários dos ministros do STF (o que já é cumprido, pois nenhum salário no judiciário gaúcho ultrapassa este teto e, se fosse o caso de fazer cumprir a regra, teriam de ser “reduzidos”, e não aumentados, eventuais salários excedentes). Mas não obriga, nem determina que tais salários correspondam ao teto fixado (os 90,25%).

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