Recusa


Como  a figueira rebelde fulminado
Ante algozes megalômanos, boçais
Ainda me encontro ereto da aridez em meio.

A frustração petulante e irascível
Dos ferrabrases secou-me a seiva d’alma.
E sua maldição egocêntrica tornou-me
Um emaranhado retorcido de gravetos

Articulados, qual escultura de aço,
Embora seca, sólida e maleável.

Meus frutos nasciam espontâneos
Ao sabor das estações e circunstâncias.

Nem o mais determinado e extemporâneo parto
Empreenderia pra satisfazer
Os pueris e esdrúxulos caprichos
De uns mórbidos, soberbos tiranetes.

Gravataí, 28 de setembro de 2021

Ubirajara Passos

De um certo pastor de homens…


Não vim ao mundo por obra de outra coisa
Que o acaso sem rédeas que a todos nós comanda
E, insciente, só transporta a ânsia
De prazer puro que anima-nos os corpos.

Senti, no fundo de cada molécula,
A espontânea vibração de vida
Que se elevava junto a outras tantas
No crepitar arisco à rigidez
E, camarada das outras chamas livres,
Unidas na empatia mútua,
Compunham o fogo que ceifava campos
De ervas amargas e intragáveis
Abrindo espaço ao prazer doce e vívido.

Por não saber de sádicos tesões
Que satisfazem-se fustigando os lombos
Dos rebanhos submissos mourejantes,
Eu, cujas mãos sempre proveram-me os dias,
Fui me juntar aos mais simples e oprimidos
Pelo látego da soberba cruenta,
Em cujos corpos a fagulha reprimida
De prazer e liberdade ainda vivia.

Não procurei armar milícias revoltosas,
Porque sabia que a vida livre e digna
Não se garante na imposição
Dos aparatos do obrigatório,
Mas na recusa íntima à obediência
Por cada servo desperto da ilusão
E erigido em soberano de si mesmo.

Foi assim que provi meus companheiros
Da jornada simples e espontânea
Não de espadas, lanças e porretes,
Mas da consciência autodeterminada
Para romper com o servilismo vil
E se negar a continuar rebanho
Sob os pastores da iniquidade.

Foi assim que, sabedor do meu destino,
Não recuei, nem fiz firulas
Aos pés dos poderosos que temiam
A faísca que, soprando em cada
Humilde peão tornado refratário à servidão inglória,
Daria cabo, na fogueira imensa
Das almas livres, à opressão sem nome
E ao butim glamourizado do alheio sofrimento.

Se me furtasse ao compromisso assumido
Seria apenas mais um ruidoso
E narcísico hipócrita infrutífero,
Ou um covarde refletido que, sabendo
Que o rebanho ainda era temeroso,
Se encolheria em uma vidinha confortável.

Não procurei, portanto, algum martírio,
Mas, coerente com a vida que habitava-me,
Desprezei aos que advertiam-me,
Segui o caminho traçado e vi-me entregue,
Impotente e sem defesa,
Ao suplício
Nas garras alarmadas da opressão.

Vila Natal, 23 de dezembro de 2020

Ubirajara Passos

Duplo soneto de um duplo despertar…


Mais um poema relegado ao “pó” da gaveta virtual, resgatado na faxina informática deste final de ano:

Duplo Soneto de um duplo despertar…

Desperta, camarada, que chegou a hora!
Em meio à escuridão das multidões ignorantes,
Ressurge a memória sepultada sob as toneladas
Da maledicência hipócrita e cruenta!

Agora sabemos que não era utopia,
Nem entusiasmo fantasista e inconsequente
Que ao sacrifício tantos arrastaram.

Se no Brasil a massa obreira, estuprada
Nos seus direitos de “viver em paz “,
Só desejava e foi interditada
Antes ainda que a jornada principiasse
No Chile, cada camarada
Experimentou concretamente um pouco
Da construção da nova vida em liberdade!

Nas duas pátrias um sono malsão
Faz prisioneiras as consciências desde então,
Mas uma brisa gélida e ligeira
Vai-se se impondo, suave e destemida.

No sul do sul do mundo a igualdade
Há de tornar a cada um digno e pleno
Porque iguais são os sofrimentos
E eles inspiram-na, revolta ensandecida e sagrada!

“Não sou apóstolo, não sou mártir”, nem profeta,
Sei “que a morte é melhor que a vida
Sem honra, sem dignidade, e sem glória”

Mas sei que em “cada gota do sangue” dos sacrificados
Pelo direito a uma vida humana,
Manteve-se e está frutifican
do em nossas consciências a “vibração sagrada”!

Gravataí, 7 de janeiro de 2013

Ubirajara Passos

O papel do sindicalista


O papel do sindicalista
não é suplicar, mas exigir!

Não é acomodar seus liderados,
mas despertar a rebeldia e a inconformidade.

Não é tecer considerações
sobre os motivos do patrão para pagar-nos
o sacrifício inumano do trabalho
com as migalhas da desfaçatez.

O papel do sindicalista não é bajular
os poderosos, nem iludir a peonada
na esperança de um patrão benevolente.
Não é dourar o desânimo e os equívocos
do trabalhador, mas sacudi-lo de seu sono!

Não é postar-se a espera que os direitos
de vida digna e labor humano
caiam do alto na abnegação

de um senhor privilegiado cujo fausto
é produto da necessidade
nua e feroz que tortura nossas vidas.

O papel do sindicalista
não é reforçar os pendores conformistas
da peonada que se vê perplexa
mas, compreendendo o desemparo, despertá-la
com a luz cortante da realidade
e conduzi-la à luta sem fronteiras!

É erguer-se da planície, junto à massa,
e tomar de assalto as fortalezas
Do privilégio sem nome que relega-nos
À condição miserável de rebanho.

 

Gravataí, 13 de abril de 2015

Ubirajara Passos

 

 


Dos nossos dias tormentosos


Poema auto-explicativo escrito na madrugada de 20 de setembro de 2014 (casualmente data do 179.º aniversário da Revolução Farroupilha):

Quanta tristeza e embaraço,
Vidinha sem sal, porraço
De chatice, espelho de aço
Em que se miram os palhaços
Ciosos de um glamour falso.

Quanto fuxico sem graça,
Roubalheira óbvia e pura,
Falta pura de cachaça,
Besteira cheia de si.

Este é o Brasil da mídia,
Da política medíocre,
Que esquece a opressão da peonada,
Só vê corruptos, raça,
Transforma tudo em farsa,
Medíocre caricatura
Que só se exorciza a laço!

Gravataí, 20 de setembro de 2014

Ubirajara Passos

 

Notícias do lado de cá


Aqui estamos,  camarada
O mundo é o mesmo.
A Terra gira,
Seca, sob o sol.

Vertiginosos passos
Lomba abaixo
Vão nos conduzindo,
E o burburinho urbano continua
A nos tontear
Entre os ruídos mil
Da coletiva insanidade.

Aqui estamos
Nada mudou na superfície.
Sem ti os céus ainda estão crivados
De quero-queros e sabiás,
Neste final de agosto
Que embebedou-se e se vestiu de primavera. 

Nada mudou.
Ainda há choro e risos.
Cada segunda-feira ainda há trabalhadores
Indo arrastar-se, trôpegos, à faina.

Os escândalos de sempre
E a ficção contaminada
Do pior que apodreceu a alma
Ainda habitam as mentes
E as telas eletrônicas.

Donas de casa ainda de se afundam na rotina
E criancinhas ainda encontram um mundo novo
Num simples caracol de forma diferente.

Nada mudou.
Somente a nós, que contigo viajávamos
Nesta custosa e longa peregrinação,
Foi arrebatada a metade de nós mesmos,
Que foi acrescentar-se à terra
Para nutrir as sementes de vermelhas flores,

Assim como continua
A alimentar em nossa mente a rebeldia
E o desejo desastrado e incontrolável
De vida, prazer e liberdade.

Gravataí, 22 de agosto de 2014

Ubirajara Passos

 

Respeitável manifestação de um bom burguês puto da vida


Desceu à rua completamente embriagado
E pôs-se a girar, a gritar e a cantar,
Jogando as roupas longe, para todo lado.

Nu, completamente nu,
Giravam ele e o caralho mole,
Dando laçaços como rabo de cachorro.

Era uma figura burlesca e inusitada.
Dava gritinhos, corcoveava, foi-se
Num tropel louco, pelo largo afora,

Mas ninguém riu-se, absolutamente, não se viu
Um único olhar reprovador a sua volta.

Porque, desnudo na alma e em suas carnes,
Vestido estava do mais considerado
Na honrada sociedade hipócrita!!!

Bunda de fora, cu a mostra, corcoveando
O enlouquecido cidadão cumpridor de seus deveres
Trajava ainda a superstição brava
Do “respeito” irracional e reverente:

Trazia à mão negro chapéu de feltro,
Velha gravata floreada no pescoço,

E, garantia total de seriedade,
Uns velhos óculos sem vidro sobre as fuças!

Gravataí, 7 de fevereiro de 2013

Ubirajara Passos

Soneto do Último Dia


Último poema da Heptalogia de Novembro, composto ontem à tarde:

Soneto do Último Dia

 Estranho domingo.
Repouso compulsório.
Artificioso paraíso.

Tumba da inteligência ,
Insulso purgatório
Do humor vívido, 

Único abrigo,à gente alquebrada,
Dos implacáveis furacões
Da lida besta, insana,
Também és tédio, riso amarelado.

E o teu proveito maior seja, talvez,
O agitado torpor da cervejada,
Um modorrento passeio, a sesta morna,
Em um perdido quintal,na tarde embandeirada!

Gravataí, 3 de novembro de 2012

Ubirajara Passos

Soneto do Quarto Dia


Quinta-feira,
A ceia,
Os trinta dinheiros.

As conspirações,
A tocaia,
Os
embustes.

Nada como um vinho
Em noite de lua,
Na vã tentativa
Da evasão mágica.

Dia pra sonhar com revoluções,
Em meio ao massacre do trabalho escravo,
Sob o olhar quente
Da Estrela D’Alva.

Gravataí, 28 de novembro de 2012

Ubirajara Passos

 

Soneto do Segundo Dia


O soneto da segunda-feira acabou por me inspirar uma heptalogia, da qual aí vai publicada a continuação:

Soneto do Segundo Dia

 Na terça o peão ainda se arrasta,
Mas, já acostumado,
Ao relho, pragueja. 

Lanhado, no tranco,
Vai ceifando o dia.
Como foice fosse.

Derruba trabalho,
Almoço, jornais,
Atropela a rua,
Mastiga os seus ais. 

E, olhar vidrado, no final da tarde,
Entorna uma dose, e se vai cambaleando
De trago e cansaço,
Feito um “Satanás”! 

Gravataí, 28 de novembro de 2012 

Ubirajara Passos