Era uma vez um militar de baixa patente. Seu país passava por uma terrível crise econômica e por uma trágica situação política. Os partidos, fossem eles da esquerda, há pouco apeada do poder, fossem da direita, não davam conta dela e a violência campeava sem controle, pelo menos esta era a visão de boa parte das pessoas comuns, de trabalho mal remunerado e padrão de vida aviltado, que viviam a humilhação do poder aquisitivo rebaixado apesar da “seriedade e do empenho com que se dedicavam às suas nobres funções”.
O militar era um sujeito medíocre, de mentalidade retrógrada, o típico defensor dos “valores tradicionais da família e da pátria”. Saudoso da glória pretérita, de uma Era de Ouro em que o tacão violento e impositivo dos generais, que ele admirava profundamente, providenciava a ordem e o progresso do Grande Império, tratando de calar e eliminar os perigosos elementos que o ameaçavam, assim como um pai de família severo é capaz das mais resolutas atitudes para a perfeita disciplina e retidão de conduta de sua prole. Ele sofria profundamente com a humilhação a que seu povo se encontrava submetido no presente e via nos elementos depravados, que ameaçavam a perfeita moral familiar do país, tentando inverter e subverter os papéis destinados a homens e mulheres, à pura raça branca e às famílias de berço nobre, destinadas a liderar o país, a raiz profunda das desgraças nacionais. Era necessário enquadrá-los, especialmente a gays, mulheres metidas a macho, membros de raças inferiores, e, sobretudo ao perigo vermelho vindo de fora, e, eliminá-los, mesmo, para que se restabelecesse a ordem da moral dos patriarcas e dos senhores de bem, de reto proceder e abençoada fortuna, e o país voltasse aos tempos dourados de grande império.
Ele sabia que o povo não confiava mais nos grandes políticos, todos eles corruptos, quando não manchados pela peste vermelha, e se colocava como alternativa ao povo, cujo sentimento de revolta raivosa diante da desordem ele comprendia perfeitamente.
Seus discursos e atitudes pareciam absurdos, desmesurados até para os mais conservadores, porém com algum senso de racionalidade. Mas ninguém acreditava nas suas bravatas de extermínio físico da ralé depravada, de repressão bestial e truculenta dos grupos que não costumavam se comportar de acordo com os rígidos ditames da velha moral patriarcal e “familiar” já há décadas um tanto desacreditada.
Algum que outro ativista ou pensador de esquerda vislumbrou a concretude perigosa de tais atitudes e propostas, mas ninguém levou a sério. Eram tão extremadas, beiravam tanto à insanidade, absurdamente violentas e insensatas que não passavam de puro folclore. Eram apenas palhaçadas, destinadas a chamar a atenção e conquistar o poder, o que dificilmente ocorreria. Era um louco inofensivo.
E assim, enquanto as diversas abordagens políticas tradicionais desconsideravam-no, ele foi ganhando a confiança das pessoas comuns, que, acossadas pelo quotidiano de miséria, precariedade e violência, e desamparadas frente ao discurso abobalhado dos políticos “sem atitude”, passavam a ver, cada vez mais, nas bravatas absurdas, a solução para a “baderna” instaurada. Era preciso um governo forte, decicido e que pusesse fim à orgia que estabelecera-se com um governicho de ladrões, que fazia suas safadezas grossas à revelia do povo, e perigosos elementos subversivos no meio da massa que impediam a ordem de se restabelecer.
Um dia, de tanto espumar e esbravejar, providenciando através de seus discípulos, volta e meia, o corretivo do pau no lombo dos “transviados”, ele chegou ao poder. Era um perigo para a liberdade e os direitos básicos de convivência e civilidade consagrados aos mais simples cidadãos desde a derrocada do velho obscurantismo monárquico e religioso medieval. Mas aqueles que poderiam ter evitado sua ascenção continuavam a não levá-lo a sério. O poder corrompe, o dinheiro distorce e em pouquíssimo tempo o louco tirano seria seduzido por ele e se tornaria simplesmente mais um chefete corrupto e extravagante, igual aos demais. Não havia o que temer. Mesmo potenciais vítimas, como gays riquíssimos e de requintada extração não o temiam, pois se achavam, supunham, blindados por sua fortuna e posição.
Mas o louco não se deteve, cumpriu todas as suas promessas e transformou o país num enorme campo de concentração, economicamente viável e livre de bandidinhos chinelões, mas profundamente infeliz e sobressaltado permanentemente pelo temor do braço impiedoso e forte da nova ordem. Por pouco não fez do próprio mundo, pelo poder do Novo Império restaurado, uma nova prisão, pois mesmo as potências capitalistas tradicionais não haviam acreditado nas suas palhaçadas e demoraram a opor-se-lhe, enquanto ele ía tomando, um a um, os arredores do Império para a nova ordem disciplinadora, rígida, violenta e sublime e edificante, dos homens brancos agraciados pela divindade!
Seu nome, o do excêntrico redentor, não era, casualmente, Jair Bolsonaro, embora, ressalvado o contexto internacional, pudesse sê-lo, havendo um perfeito paralelo na história de ambos. Chamava-se Adolfo Hitler, e foram necessários seis anos de uma renhida guerra total para expulsar ,formal e temporariamente, o nazismo da face da Terra e, por um bom tempo, boa parte da Europa sofreu debaixo das botinas de sua negra tirania.
De sua nefanda história nos restou a advertência que parece estar sendo, mais uma vez, sublimemente desprezada, agora no Brasil: É PRECISO LEVAR A SÉRIO OS PALHAÇOS EXPLICITAMENTE PSICOPATAS E TRATAR DE IMPEDI-LOS, ANTES QUE O SEU INTENTO, APARENTEMENTE CÔMICO, MAS PROFUNDAMENTE ENRAIZADO NA FÚRIA AUTORITÁRIA SUBTERRÂNEA QUE AINDA HABITA O INTERIOR DO INDIVÍDUO MÉDIO, ESTABELEÇA A INFELIZ E IRREMEDIÁVEL TRAGÉDIA!
Ubirajara Passos