Semi-soneto do Zen sem Meditação


Poema meio besta e parnasiano que me surgiu, agora de madrugada, debaixo do chuveiro, em meio aos tumultos de uma campanha eleitoral sindical sem recursos financeiros:

Semi-soneto do Zen sem Meditação

As almas serenas não precisam da razão,
Pois fluem como riachos de planície.

Suas vidas também rodopiam
Como folhas de arvoredo tiritantes,
Acariciadas pelos ventos de outono,

Mas tempestades não as põem por terra,
Alimentam e enriquecem sentimentos,
As fortalecem e mantém-nas verticais.

A árida lógica, fria e obrigatória,
É o “sossega-leão” dos angustiados

Que tem ataques de espumante raiva
Com uma tarde sonolenta de garoa

E encenam dramas de sangue e gritaria
À menor quebra da insossa rotina  .

Gravataí, 30 de abril de 2010

Ubirajara Passos

A rua que desapareceu do mapa


Na parede lateral da velha casa a placa da rua extinta

Na parede lateral da velha casa a placa da rua extinta

Um belo dia, na primavera passada, eu andava, reinento e deprimido, pela principal avenida do centro histórico de Gravataí (a Dr. José Loureiro da Silva), na quadra da escola cenecista (o Gensa), quando, na parede da velha casa localizada logo após ela, da Atual Imobiliária, dei com a placa acima, que foi fotografada no último verão.

“E daí? Nada demais!”, dirá o leitor afoito, adepto da seita do “objetivismo” tacanho e utilitarista. “É uma velha placa de outras décadas, de padrão ultrapassado e sutil poesia nostálgica, mas apenas isto”, dirá um empolado e modernoso intelectualóide da bur(r)ocracia acadêmica local. Mas a verdade é que não se trata simplesmente de uma placa indicativa antiga, de um nome já alterado, em uma rua da cidade, como havia uma da “Rua Venâncio Aires” (posteriormente Avenida General Flores da Cunha, e atual Avenida Dorival de Oliveira) na esquina sudoeste da Rua Anápio Gomes com a Dorival, até alguns atrás.

o prédio e o início da escadaria

A placa está localizada em uma parede lateral da casa, onde simplesmente não existe rua, nem travessa nenhuma! E o logradouro que indica não consta absolutamente de nenhum dos mapas de Gravataí que possuo (e são muitos, quase um por ano, desde 1980).

Mas, junto à parede em que se encontra, corre uma velha escadaria de pedra, encaixada entre a dita casa (na qual se abre, ao nível do porão, uma janela), outra que se ergue logo atrás, e o prédio do Gensa/Facensa, que vai acabar em meio à quadra, contra os muros do pátio da escola/faculdade. Ou seja, o que hoje é um beco sem saída, perdido em um recanto das fronteiras do centro histórico de Gravataí, simplesmente já foi, lá pelos 1920 ou 1930, quem sabe até os anos 1960, uma travessa, mapeada e denominada na lei municipal.

escadaria que corre junto à parede da casa

Fiquei imaginando qual foi o processo misterioso, sutil e imperceptível, que converteu a antiga travessa no que hoje é visivelmente um beco de cortiço, que parece dar acesso a um mundo totalmente diferente da velocidade e complexidade urbana que o cerca. Um mundo cujos habitantes com certeza não tem a menor noção da estranheza do meu olhar prepotente e intelectualóide, como a mulher ao fundo, curiosa, e certamente espantada com a minha própria curiosidade, ao me ver fotografar o que é tecnicamente o seu “quintal”, que nada de extraordinário possui na sua opinião.

vista geral da antiga travessa

Não possuo informações maiores a respeito, não tenho a menor noção de quando a “rua” desapareceu dos mapas oficais e, ao inverso do comum, se tornou um mero beco, um corredor atravessado por degraus. Mas ali está ela. Desafiadora e estranha, contra-senso geográfico urbano e antropológico despercebido a atestar o quanto a realidade é maior que a nossa capacidade de entendimento, pela via da razão distintiva e da classificação, do mundo.

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escada no meio da antiga travessa

Ubirajara Passos

Humano pra cachorro!


Gravataí em meados do século passado (anos de 1950, início dos anos 1960), antes de iniciado o processo de industrialização, era um município de uns 50.000 habitantes, dos quais uns 80% habitavam a zona rural. A cidade propriamente dita se restringia ao que hoje é o centro e grandes bairros como São Geraldo, Vila Branca ou Vista Alegre, eram arrabaldes suburbanos distantes (para os padrões da época) da sede do município. A própria cidade vizinha de Cachoeirinha era, então um distrito situado às margens do rio Gravataí, na divisa com o município de Porto Alegre.

Neste mundo de cidade pequena todos, evidentemente, se conheciam, e não era difícil um budegueiro ou um papa-defunto tornar-se figura folclórica, destas cujas anedotas atravessaram gerações e, em alguns casos, acabam por tornar-se nome de logradouro. Pois um dos principais, dos poucos, comerciantes da época, que acabou por se tornar nome de travessa, era o Augusto Braun, cujo armazém  se localizava onde hoje existe a ferragem dirigida por um de seus filhos, junto à travessa que lhe leva o nome.

Velha matriz situada no centro histórico da cidade

E, pelo que conta meu velho pai, era uma destas figuras originais, possuindo um senso de humor raro e uma linha de marketing arrojadíssima. Entre outros produtos chamativos de sua loja era possível, por exemplo, comprar-se um penico de louça,  sobre o qual um cartaz colado na parede indicava com uma seta a expressão “trovão”, numa óbvia alusão à projeção gasosa que se despencaria sobre o útil objeto no sublime ato de cagar.

Mais hilário ainda (e atestando uma sensibilidade social avançada) eram os estranhos souvenirs expostos no balcão. Entre eles haviam duas baratas conservadas em vidro: uma descomunal (que sabe-se lá de que sítio no interior do município provinha) e outra miudinha, daquelas típicas de brejo. Sobre ambas os respectivos cartazes explicativos: “barata de rico” e “barata de pobre”. Se as qualificações se deviam às possíveis conseqüências da quantidade e qualidade dos restos alimentares existentes na casa de cada classe social sobre o físico das baratas, ou eram simples metáforas diretamente relacionadas ao tamanho dos bichos, é uma questão que fica para o leitor resolver, depois de encher os cornos com uma cachaça da boa para se distrair da chatice desta crônica.

Outro dia entrando numa pecuária que fica logo no início da minha rua (a Barbosa Filho), a uns 300 metros do antigo estabelcimento, imaginei que estava diante de um avatar do Augusto Braun. Eu havia entrado no estabelecimento para comprar comida para os meus cachorros (Totó e Bernardinho) e para o gato que andou aqui por casa uns tempos (até ser extraditado pela minha mulher), o Leão. E, saindo da pecuária, dei com um cartaz digno do personagem da velha Gravataí. Em letras azuis e garrafais podia-se ler numa cartolinha branca, junto à porta, o absurdo anúncio: “TEMOS RAÇÃO HUMANA”!

De imediato imaginei que me encontrava diante de uma gozação das mais cretinas ou, quem sabe, o dono da pecuária havia tido a inspiração de atender a ilustres quarentões casados que se consideram já parte da turma doméstica de quatro patas. Eu, por exemplo, cumprindo a nobre missão delegada por minha mulher de oferecer o Totó a uma velha amiga e companheira de sindicalismo (aquela da crônica “A Bêbada e o Desmemoriado Besta”, publicada em outubro de 2007 neste blog), que simpatizara com o bicho, enviei a  seguinte mensagem para o seu orkut: “E aí, ainda está interessada naquele meu cachorro (o Totó)? Se estiveres me avisa, pois a Janaína não suporta mais cuidar de animais. Além de mim e dos cachorros, possuímos agora um gato e um peixe. Falta só o papagaio”.

Havia  também a possibilidade do sofisticado manjar se destinar àqueles seres humanos cujo humor e atenção para com seus companheiros de espécie  é semelhante ao dos quadrúpedes, especialmente os da raça eqüina. Ou simplesmente ser alimento mais barato para encher a pança da peonada trabalhadora, que neste nosso Brasil do mensalão e da bolsa-esmola tem uma vida bem mais precária do que a de um cachorro de madame.

Antes que algum leitor, ou, especialmente uma leitora daquelas de nariz empinado e ares saltitantes e irritadiços de perua sabida, tenha um ataque, vou logo avisando que assistir televisão é um esporte a que sempre me dediquei pouquíssimo, especialmente depois do casamento. Não assisti, portanto, ao programa da abestalhante Rede Globo sobre o tema e só fui saber da nova dieta da moda, ao ouvir um papo das colegas na Distribuição e Contadoria do Foro de Gravataí. O que não me impediu de ser sarcástico e, outro dia, me vingar da minha ignorância, tirando sarro do Carlão, em uma conversa via MSN, ao lhe perguntar se conhecia a tal “ração humana” e lhe responder, de forma professoral, diante do espanto abobalhado do meu pobre colega quarentão (que nunca ouvira falar da coisa), que se tratava da nova dieta de emagrecimento para as peruas de plantão.

Curioso e humilde totó que sou, entretanto, tratei de me informar mais sobre o assunto, e tive o privilégio de ler a lista de ingredientes da nova panacéia médico-nutricional, que cura tudo (de unha encravada e caralho brocha a imbecilidade crônica e admiração pelo Inácio dos Nove Dedos), das mãos de uma vistosa e sabida estagiária. E confesso que me entusiasmei tanto que quase fui correndo à tal agropecuária, para comprar um saco da dita ração. Mas, depois de uns goles de cerveja sorvido em companhia de velhos companheiros de farra e sindicalismo, resolvi abdicar da possibilidade.

Afinal, emborcar de uma vez, e misturados, coisas como fibra de trigo, leite de soja, linhaça marrom, açúcar mascavo, farinha de arroz integral,  fubá de milho branco, gergelim com casca, gérmen de trigo, gelatina, guaraná em pó, levedo de cerveja (prefiro a própria na sua versão líquida), cacau em pó e Quinua real (não sei que diabo é isto), além de dose pra cachorro é caganeira na certa! Isto se o “doutor Hugo” não se manifestar primeiro.

Sinceramente, ainda acho mais clássico e prático o exercício da aneroxia pelas nossas patricinhas  do que a ingestão desta fantástica bomba, que dispensa até mesmo o dedo na goela das bulímicas, pois a projeção alimentar involuntária é certa!

Ubirajara Passos

Tem putaria na Bíblia!


Um belo dia, em meio ao porre de vodka de garrafa plástica, entornada no bico (a Natascha), lasquei a frase título desta crônica para o meu amigo Xupaxota, que, apesar de todos os seus anos de malandragem e todas suas especialidades sexuais alternativas (como urolagmia e coprofagia), me respondeu, apavorado, os olhos esbugalhados e a boca escancarada:

– Bira… tu tá brincando!

Pedi então, com aquele ar sonso e circunspecto, que ele me alcançasse um exemplar do livro sagrado, dentre as centenas de volumes sobre todos os assuntos que possui na biblioteca do escritório de seu apartamento em Porto Alegre, e, feliz da vida, li para meu embasbacado amigo os seguinte trechos:

Despojei-me de minha túnica, e hei de vesti-la novamente? Lavei os meus pés, e hei de tornar a sujá-los?
O meu amado pôs a sua mão pela abertura da porta, / e minhas entranhas estremeceram com o ruído que ele fez” (capítulo 5, versículo 4);

“Quem é esta , que sobe do deserto enebriada  de delícias, /apoiada sobre o seu amado? / Eu te despertei debaixo da macieira; / foi ali que tua mãe te concebeu” (…) (capítulo 8, versículo 5). E, finalmente os excertos mais explícito grávido de volúpia e desejo:

Teu umbigo é uma taça feita ao torno, / que nunca está desprovida de licores” (…) (capítulo 7, versículo 2);

“A tua estatura é semelhante a uma palmeira, / e os teus seios a dois cachos de uvas.
Eu disse: Subirei à palmeira e colherei os seus frutos, / e os teus seios serão como dois cachos de uvas” (…) (capítulo 7, versículos 7-8).

Estes  últimos versos, pelo que desconfio, devem ter sido censurados pelo tradutor e, pelo que se vê nas entrelinhas, deveriam ser assim no original: “A tua estatura é semelhante a uma parreira, / e os teus seios a dois cachos de uvas. / Eu disse: Subirei à parreira e colherei as uvas”.

Estes textos são fragmentos do poema “Cântico dos Cânticos”, escrito por Salomão, o rei hebreu mais sacana e descolado do Velho Testamento, que, segundo as teorias de Erick Von Daniken, passeava de disco voador Ásia a fora e teve a desafaçatez de comer a rainha oriental mais sacana, e meio masculinizada (teria pêlos pelo corpo todo, quem sabe não é uma ascendente remota da Schuvaca Horripilis, a amada do Peruca), que atendia pelo nome de Belquis, ou “Rainha de Sabá”!

Pois Salomão, como bom e ardente árabe (que os judeus não passam de árabes arrogantes, primos que são dos descentes de Ismael, o irmão “bastardo”, segundo o Gênesis, de Isac – todos oriundos da piça de Abraão), produziu este livro de profundo, romântico, sensual  e lírico erotismo, que vale muito mais em termos de filosofia de liberdade, prazer e bem-estar para o ser humano que muitos dos sisudos livros e mandamentos moralistas do Velho e do Novo Testamento.

E, milagre dos milagres, conseguiu com que seu poema sobrevivesse, delicioso e intocável, ao longo dos milênios,  em meio ao misticismo rançoso e aos áridos alfarrábios da tradição mais autoritária, anti-prazer e anti-bem estar da História, que produziu a desgraça moralista e coisificante de homens e mulheres no Ocidente: a ideologia judaico-cristã.

Está provado, portanto, para surpresa e fascinação do meu amigo baiano (e de todos os ateus reichianos que necessitem de alguma justificativa mística para se fazerem crer em meio ao rebanho humano), bem como “para escândalo” dos inimigos do prazer e do bem do corpo e da mente, que há sim, saudável e encantadora, putaria na sisuda Bíblia!

Ubirajara Passos

Admirável Múmia Viva


Até parece que meu amigo coronel, aquele conquistado em Santa Maria num etílico sábado de julho de 2008, e nunca mais visto, mas sempre lembrado, andou me transmitindo esta noite suas inspirações, à distância, pela rede da internet das mentes, enquanto eu sorvia umas taças de vinho tinto, na sala de casa, a pretexto de observar a sexta-feira santa. E o resultado é o poema que segue:

Admirável Múmia Viva

E ali estava ele
Vivendo a vida que não era a sua
Desde um sempre que já nem lembrava
Quando iniciara,
Nem como, nem por quê!

E ali estava, figura inominada,
Detalhe inanimado e imperpectível
De uma paisagem monótona e imutável.

Já não pensava
E se calava se sentia.

Não existia
Como alguém.
Era poeira
Levada ao morno e irritante vento norte!

Se se agitavam dentro em si contrariedades,
Um senso besta de “harmonia” o manietava
E o mantinha dos trilhos na bitola.

Era uma planta eternamente fixa
A um torrão indistinto e esturricado.
Era um fiapo de grama espisoteado
Na vastidão da campina ondulada!

Mas não vivia indiferente, na inciência,
Nem lhe impuseram sua mentalidade.

Uma fraqueza qualquer assim o mantinha.
Necessitava da convivência humana
E, por pavor da rejeição, se decidira
A suportar a vida de rebanho.

Gravataí, 2 de abril de 2010.

Ubirajara Passos

Após reunião com líderes do PC do B e PDT Lula rompe com aliados conservadores e adota salário mínimo do DIEESE


Após anos e anos de estelionato eleitoral, e intelectual, por incrível que pareça, o Luís Inácio deu, no início desta noite, uma guinada à esquerda à qual infelizmente, para nós, seus críticos da esquerda revolucionária (mas felizmente para o povo brasileiro), temos de dar a mão bem aberta para a palmatória!

Conforme informações quentíssimas de contatos do Movimento Indignação em Brasília, após conversa reservada com Carlos Lupi e Renato Rabelo, o Inácio dos Nove Dedos declarou que, após os anos de ajustes econômicos necessários e a projeção que o Brasil tomou no plano internacional, está chegado o momento de retomar os compromissos históricos do governo do PT com as causas mais profundas do sofrido povo trabalhador.

Entre outras medidas deliberadas na reunião como prioritárias, Lula mencionou o imediato encaminhamento pela Presidência da República de proposta ao Congresso Nacional visando a adoção do valor definido pelo DIEESE ( R$ 2.003,30)  para o salário mínimo, já em primeiro de maio de 2010. Foi definida também a proposta de uma reforma agrária radical, na fórmula “terra para quem nela trabalha”, com a desapropriação de latifúndios produtivos com tecnologia de ponta e sua entrega aos seus trabalhadores, organizados em cooperativas.

No plano econômico internacional, foi deliberado que deverão ser encaminhadas medidas para garantir o monopólio do pré-sal à Petrobrás e a nacionalização da distribuição dos produtos petrolíferos privados no território nacional, assim como deverão ser realizados estudos para atualizar, e radicalizar, a lei de remessa de lucros sancionada pelo governo João Goulart no comício da Central do Brasil, em 13 de março de 1964.

Lula, acompanhado dos dois líderes, foi enfático ao afirmar que não abre mão das propostas, mesmo que isto signifique o rompimento com a base aliada conservadora, citando como figuras indesejáveis em seu governo, se não se adequarem à nova linha,  os deputados Delfim Neto e José Sarney.

Pára tudo que eu quero descer! Calma… que negócio é este?

Se, por acaso, você acreditou no que está escrito acima, fique tranqüilo. Meu caro leitor, você não enlouqueceu, nem muito menos o redator deste blog.

Acontece que hoje é

1º de abril!!!

Ubirajara Passos