Gravataí em meados do século passado (anos de 1950, início dos anos 1960), antes de iniciado o processo de industrialização, era um município de uns 50.000 habitantes, dos quais uns 80% habitavam a zona rural. A cidade propriamente dita se restringia ao que hoje é o centro e grandes bairros como São Geraldo, Vila Branca ou Vista Alegre, eram arrabaldes suburbanos distantes (para os padrões da época) da sede do município. A própria cidade vizinha de Cachoeirinha era, então um distrito situado às margens do rio Gravataí, na divisa com o município de Porto Alegre.
Neste mundo de cidade pequena todos, evidentemente, se conheciam, e não era difícil um budegueiro ou um papa-defunto tornar-se figura folclórica, destas cujas anedotas atravessaram gerações e, em alguns casos, acabam por tornar-se nome de logradouro. Pois um dos principais, dos poucos, comerciantes da época, que acabou por se tornar nome de travessa, era o Augusto Braun, cujo armazém se localizava onde hoje existe a ferragem dirigida por um de seus filhos, junto à travessa que lhe leva o nome.
Velha matriz situada no centro histórico da cidade
E, pelo que conta meu velho pai, era uma destas figuras originais, possuindo um senso de humor raro e uma linha de marketing arrojadíssima. Entre outros produtos chamativos de sua loja era possível, por exemplo, comprar-se um penico de louça, sobre o qual um cartaz colado na parede indicava com uma seta a expressão “trovão”, numa óbvia alusão à projeção gasosa que se despencaria sobre o útil objeto no sublime ato de cagar.
Mais hilário ainda (e atestando uma sensibilidade social avançada) eram os estranhos souvenirs expostos no balcão. Entre eles haviam duas baratas conservadas em vidro: uma descomunal (que sabe-se lá de que sítio no interior do município provinha) e outra miudinha, daquelas típicas de brejo. Sobre ambas os respectivos cartazes explicativos: “barata de rico” e “barata de pobre”. Se as qualificações se deviam às possíveis conseqüências da quantidade e qualidade dos restos alimentares existentes na casa de cada classe social sobre o físico das baratas, ou eram simples metáforas diretamente relacionadas ao tamanho dos bichos, é uma questão que fica para o leitor resolver, depois de encher os cornos com uma cachaça da boa para se distrair da chatice desta crônica.
Outro dia entrando numa pecuária que fica logo no início da minha rua (a Barbosa Filho), a uns 300 metros do antigo estabelcimento, imaginei que estava diante de um avatar do Augusto Braun. Eu havia entrado no estabelecimento para comprar comida para os meus cachorros (Totó e Bernardinho) e para o gato que andou aqui por casa uns tempos (até ser extraditado pela minha mulher), o Leão. E, saindo da pecuária, dei com um cartaz digno do personagem da velha Gravataí. Em letras azuis e garrafais podia-se ler numa cartolinha branca, junto à porta, o absurdo anúncio: “TEMOS RAÇÃO HUMANA”!
De imediato imaginei que me encontrava diante de uma gozação das mais cretinas ou, quem sabe, o dono da pecuária havia tido a inspiração de atender a ilustres quarentões casados que se consideram já parte da turma doméstica de quatro patas. Eu, por exemplo, cumprindo a nobre missão delegada por minha mulher de oferecer o Totó a uma velha amiga e companheira de sindicalismo (aquela da crônica “A Bêbada e o Desmemoriado Besta”, publicada em outubro de 2007 neste blog), que simpatizara com o bicho, enviei a seguinte mensagem para o seu orkut: “E aí, ainda está interessada naquele meu cachorro (o Totó)? Se estiveres me avisa, pois a Janaína não suporta mais cuidar de animais. Além de mim e dos cachorros, possuímos agora um gato e um peixe. Falta só o papagaio”.
Havia também a possibilidade do sofisticado manjar se destinar àqueles seres humanos cujo humor e atenção para com seus companheiros de espécie é semelhante ao dos quadrúpedes, especialmente os da raça eqüina. Ou simplesmente ser alimento mais barato para encher a pança da peonada trabalhadora, que neste nosso Brasil do mensalão e da bolsa-esmola tem uma vida bem mais precária do que a de um cachorro de madame.
Antes que algum leitor, ou, especialmente uma leitora daquelas de nariz empinado e ares saltitantes e irritadiços de perua sabida, tenha um ataque, vou logo avisando que assistir televisão é um esporte a que sempre me dediquei pouquíssimo, especialmente depois do casamento. Não assisti, portanto, ao programa da abestalhante Rede Globo sobre o tema e só fui saber da nova dieta da moda, ao ouvir um papo das colegas na Distribuição e Contadoria do Foro de Gravataí. O que não me impediu de ser sarcástico e, outro dia, me vingar da minha ignorância, tirando sarro do Carlão, em uma conversa via MSN, ao lhe perguntar se conhecia a tal “ração humana” e lhe responder, de forma professoral, diante do espanto abobalhado do meu pobre colega quarentão (que nunca ouvira falar da coisa), que se tratava da nova dieta de emagrecimento para as peruas de plantão.
Curioso e humilde totó que sou, entretanto, tratei de me informar mais sobre o assunto, e tive o privilégio de ler a lista de ingredientes da nova panacéia médico-nutricional, que cura tudo (de unha encravada e caralho brocha a imbecilidade crônica e admiração pelo Inácio dos Nove Dedos), das mãos de uma vistosa e sabida estagiária. E confesso que me entusiasmei tanto que quase fui correndo à tal agropecuária, para comprar um saco da dita ração. Mas, depois de uns goles de cerveja sorvido em companhia de velhos companheiros de farra e sindicalismo, resolvi abdicar da possibilidade.
Afinal, emborcar de uma vez, e misturados, coisas como fibra de trigo, leite de soja, linhaça marrom, açúcar mascavo, farinha de arroz integral, fubá de milho branco, gergelim com casca, gérmen de trigo, gelatina, guaraná em pó, levedo de cerveja (prefiro a própria na sua versão líquida), cacau em pó e Quinua real (não sei que diabo é isto), além de dose pra cachorro é caganeira na certa! Isto se o “doutor Hugo” não se manifestar primeiro.
Sinceramente, ainda acho mais clássico e prático o exercício da aneroxia pelas nossas patricinhas do que a ingestão desta fantástica bomba, que dispensa até mesmo o dedo na goela das bulímicas, pois a projeção alimentar involuntária é certa!
Ubirajara Passos
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