Do pretenso racismo do hino rio grandense (ou, por que o combate à opressão deve incluir a interpretação desassombrada dos textos…)


Não pretendo discutir a legitimidade da postura dos vereadores negros do Psol de Porto Alegre em se manterem sentados durante a execução do Hino oficial do Rio Grande do Sul no ato de sua posse, cuja atitude se tornou polêmica a partir da reprimenda de uma vereadora nitidamente fascista.

Mas é preciso, em meio ao festival de questionamentos e elucubrações de natureza política, histórica e sociológica suscitados, em cujo emaranhado polarizado até as raias do desconhecimento histórico e do revisionismo tacanho (há quem pretenda extirpar mais uma estrofe do hino, além da que já o foi em plena vigência da ditadura militar, por haver nela referência a “tiranos”) não intento mergulhar, que se traga alguma sanidade e lógica ao debate, evitando assassinar o português em prol do folclore político e ideológico desusado.

Que se questione conteúdos subliminarmente preconceituosos é muito louvável e absolutamente necessário. Mas, para tanto, é necessário não assassinar a lógica linguística básica e se forçar o sentido de um texto pela construção externa a sua própria estrutura. E, muito menos, ao contextualizá-lo no ambiente histórico e geográfico em que foi parido, induzir sua caracterização a partir de critérios arbitrários e toscos.

Salta aos olhos de qualquer um que examine o conteúdo do hino rio grandense, tachado de racista, com um mínimo de isenção ideológica (isenção esta não entendida como a falsa neutralidade da razão frente ao privilégio e ao preconceito gritante, mas como atitude desarmada da mente pronta a examinar os fatos concretos a partir de si, sem nenhum julgamento prévio – pré-conceito – a  realidade empírica), que os seus pretensamente ofensivos versos (“mas não basta pra ser livre/ser forte, aguerrido e bravo/povo que não tem VIRTUDE/ acaba por ser ESCRAVO”) não se referem a um segmento determinado da sociedade gaúcha ou brasileira existente na época de sua confecção, mas ao conjunto do povo rio grandense que, na visão política idealizada do poeta, posterior aos fatos que retrata (a revolução farroupilha) se encontrava submetido, dominado, escravizado (metaforicamente falando) aos interesses da corte imperial, que lhe seriam contrapostos e prejudiciais. Se troque, numa descontextualização mais próxima de nosso ambiente, o sul da América Latina, Bento Gonçalves por Leonel Brizola ou Fidel Castro e teremos um libelo anti-imperialista e anticapitalista dos brasileiros ou latino-americanos frente ao domínio do grande capital yankee, europeu ou transnacional do século 20 ou 21.

E é notório que a “virtude” a que se refere o texto se identifica, no contexto político interno que o informa, menos à pretensa RETIDÃO MORAL dos “puros” e soberbos “homens de bem” (senhores brancos de propriedades fundiárias, pecuárias e humanas – fazendeiros privilegiados que lideravam o movimento), contraposta a uma suposta devassidão criminosa e anti-ética da ralé (o “povinho”, que na forma de escravo negro ou peão avulso, sem terra, gaudério mestiço de índio e descendentes brancos de europeus ibéricos, sustentava os privilégios dos estancieiros no suplício da faina exercida debaixo do tacão e sem condições dignas de sobrevivência), que tende a justificar historicamente as diversas formas de dominação social desde a Pré-História ao nosso capitalismo pós-moderno virtualizado, do que às qualidades necessárias à manutenção da liberdade deste povo ou nação frente ao avanço de seu opressor, no caso específico os interesses da elite hegemônica representados no governo central do período regencial frente aos da marginalizada elite regional dos estancieiros farrapos. Se transportarmos a ideia para nossos dias, de pretensa igualdade política formal (em que teoricamente a maioria trabalhadora escorchada e dominada detém o mesmo privilégio político de escolher seus representantes no aparato estatal que os antigos eleitores possuidores de renda e propriedades privilegiados que os habilitavam a votar, no regime monárquico), a VIRTUDE a que se refere o hino seria antes a consciência, a capacidade de defender os próprios interesses e necessidades frente ao domínio espúrio e contraposto de outrem, que nós próprios, revolucionários socialistas, libertários e anti-imperialistas defendemos com unhas e dentes.

Não é porque os líderes do movimento eram fazendeiros (estancieiros) proprietários de escravos, que não pretendiam abolir a escravatura, nem porque a liderança militar final compactuou com o inimigo para o genocídio absurdo dos lanceiros negros, que se deve forçar a interpretação dos versos do “Chiquinho da Vovó”, até onde se sabe escritos posteriormente ao fim da Guerra dos Farrapos.

A injúria sub-reptícia da estrofe “maldita” existiria concretamente e teria toda a lógica, além das simples regras linguísticas, se estivéssemos tratando de um hino feito por ou na intenção de líderes dos Estados Confederados da América, cujo grande motivo de sua rebelião era a necessidade de manutenção do Instituto ignóbil da escravidão ameaçado pelo governo central americano sediado em Washington. Na boca destes revoltosos sulistas dos “States”, com certeza, a intenção dos versos de um poema laudatório adotado como hino estadual pelos positivistas republicanos gaúchos ciosos da autonomia regional (no seio dos quais foi parido Getúlio, cujo governo legou aos modernos escravos assalariados brasileiros os direitos trabalhistas básicos, revogados pelo fascismo racista e anti-povo dos nossos dias) seria sim arrogante, racista e condenável, mas não no caso concreto!

Ubirajara Passos

 

A verdade precisa ser dita: por trás de Bolsonaro e dos governadores e prefeitos que afrouxaram o isolamento social, incrementando o morticínio, está o interesse indiferente e assassino do grande capital!


dinheiro assassino

Diante do espanto e lamento manifestados com a “promoção” da Região Metropolitana de Porto Alegre, litoral norte gaúcho e região de Palmeira das Missões, no norte do Rio Grande do Sul, à bandeira vermelha (classificação de alto risco de contágio) no sistema de “controle do distanciamento social” adotado pelo Governador Eduardo Leite para combate do coronavírus no Estado, é preciso que se diga algumas verdades que atingem o cerne político e social da crise sanitária no Brasil, que embora incrementada pela irresponsabilidade genocida e tresvairada do Jairzinho Capitão do Mato, teve sua condução piorada pelo relaxamento precipitado das regras de isolamento pelos governos dos estados Brasil afora.

Com o comércio e indústria abertos – antes do tempo e por pura pressão empresarial – muita gente teve de ir às ruas forçado a trabalhar. Os demais se envolveram na sensação de normalidade (se as medidas foram relaxadas é porque o perigo estava passando…) e passaram a lotar as vias públicas.

Como sempre, um bom número passou a desprezar a capacidade de contágio do vírus e saiu por aí fantasiado de malandro do corona, com a máscara no queixo… Tais comportamentos do rebanho, naturalmente rebelde às limitações burocráticas impostas por um Estado que só sabe lhe cobrar impostos e cumulá-lo de regras, sem lhe garantir em troca a mínima condição de dignidade, eram bem previsíveis (ainda mais depois da minimização feita por seu ídolo – 2/3 de Gravataí, na Grande Porto Alegre, onde moro e trabalho, votaram no Bolsonaro) e lhe imputar a exclusividade do aumento do contágio é a mais desavergonhada cretinice.

A grande responsabilidade é das autoridades (governadores e prefeitos), que – cedendo ao clamor dos amos burgueses – afrouxaram as medidas de isolamento social adotadas inicialmente entre o final de março e início de maio.

Chega ao cinismo extremo a declaração de Leite que reputa à população a exclusividade da culpa.

No plano de fundo está a causa oculta de toda a desgraça: a recusa implícita e reiterada da presidência da República em por em prática o auxílio efetivo à economia, amparando pequenas e médias empresas e bancando o emprego e salário da peonada, mediante a taxação de grandes fortunas, lucros exorbitantes dos bancos e a remessa dos lucros das multinacionais às suas sedes no estrangeiro.

Para a elite que nos suga o produto do trabalho – e seus representantes políticos – pouco importa que morram alguns milhares ou milhões de trabalhadores, quando há outros tantos ao lado esperando para serem empregados. Para esta nobrezinha capitalista colonial infeliz, e seus lacaios políticos, o mote é: “Preservação da saúde e da vida que nada! Em nome do lucro, do luxo e do privilégio, a produção não pode parar!”

Temos de dar cabo ao mal, extirpando o seu núcleo, matar a cobra esmagando a cabeça. Assine e espalhe a petição para o máximo de contatos possíveis, clicando aqui!

Ubirajara Passos






Busca


Meio documentário sobre o velho Vinicius, assistido na Netflix, uma cerveja, e me veio à tona a frase e o episódio já mencionados neste blog defunto, que não custa relembrar, ocorridos no saudoso cabaré da Cláudia, até hoje ainda em atividade, no finalzinho da lomba sul da Marechal Floriano, em Porto Alegre, nos tempos da velha boemia do final do século: “Tu é um intelectual. E vem aqui procurar um amor que não existe”.

O filme, a frase dita por um sessentão de camisa de física branca (o que hoje se chama tecnicamente de regata) que fazia estripulias no salão, íntimo da dona e dos garçons (mais do que eu era, então), e que se apresentou como professor da Ufrgs, em seguida, ao censurar o meu espanto com a sua declaração; assim como o depoimento do companheiro de “república” (a do Alemão Valdir, na Amélia Teles, no bairro Petrópolis) Luiz Ferraz (que, no final do ano, esteve em expedição nostálgica ao cabaré Le Boheme, na Pinto Bandeira) – “… é aquela coisa de puteiro, quando a gente a sai de lá volta pra realidade e a realidade é dura e sem mulher” – acabaram por inspirar o poema que segue, infelizmente abstrato e mal concatenado:

Busca

Não conseguindo trazer ao quotidiano
O enlevo intenso das paixões sentidas,
Que se quebravam na rotina besta
Dos protocolos da sobrevivência,

Foi procurá-lo no duro chão da vida
Vivida à força, na contrariedade,

No dilaceramento
Da instância mais recôndita de si.

Foi às putas,

Tristes retalhos da paixão edênica,
Pra ver se  o achava,
No câmbio frio e árido

Do metal que arde nas mãos
Precárias da necessidade,
A carne morna que promete paraísos,

Trazendo à vida a crispação efêmera
Do gelo seco, a queimar de frio intenso.

Não encontrou a ternura refinada,
Cujos anelos o lar extraditava.
Mas, nas precárias tardes apertadas,
Nas breves noites cambaleantes,
No entusiasmo

Que se esvaia aos últimos vapores
Da madrugada bêbada e boêmia,
O surpreendeu, mais real que a seriedade
Dos secos dias sem sal “normais” da vida,

O amor concreto, alugado por minutos,
Mas livre e camarada, exatamente
Por não viver de outras exigências
Além daquelas do instante mágico.

Bem mais real que os idílios sacros
Do bem aceito na decência hipócrita.

Gravataí, 17 de janeiro de 2020

Ubirajara Passos

O discurso de Jango no Automóvel Clube em 30 de março de 1964 (às vésperas do golpe militar gorila)


Convidado pela Associação dos Sargentos e Sub-oficiais da Polícia Militar do Estado da Guanabara (desde a Legalidade, em agosto de 1961, os “proletários” das forças armadas haviam se organizado poítica e sindicalmente em torno de seus direitos e das reformas de base do governo trabalhista), o Presidente da República João Goulart, proferiria, em reunião comemorativa ao aniversário daquela associação de classe, na sede do Automóvel Clube da Cidade do Rio de Janeiro, o discurso abaixo transcrito, em que denunciaria contundemente o golpe militar (tramado em Washington pelo imperialismo norte-americano, associado aos latifundiários, grileiros, gerentões de empresas multinacionais do Brasil e seus lambe-botas políticos) em marcha, cujos preparativos histéricos haviam se acentuado após o grande comício popular pelas reformas de base da Central do Brasil, em 13 de março de 1964, com a “Marcha da Família, com Deus pela ‘Liberdade” das madames grã-finas fascistas e beatas de São Paulo, e seus cúmplices políticos e populares equivocados (como o operário emigrado do Nordeste Luís Inácio Lula da Silva), realizada no dia 20 na capital de São Paulo e nos dias seguintes por diversas do interior e no Paraná, e com circular conspiratória do futuro ditador Castelo Branco no dia 20:

“A crise que se manifesta no país foi provocada pela minoria de privilegiados que vive de olhos voltados para o passado e teme enfrentar o luminoso futuro que se abrirá à democracia pela integração de milhões de patrícios nossos na vida econômica, social e política da Nação, libertando-os da penúria e da ignorância.

O momento que estamos vivendo exige de cada brasileiro o máximo de calma e de determinação, para fazer face ao clima de intrigas e envenenamentos, que grupos poderosos estão procurando criar contra o governo, contra os mais altos interesses da Pátria e contra a unidade de nossas Forças Armadas.

Para compreender o esquema de atuação desses grupos que tentam impedir o progresso do país e barrar a ampliação das conquistas populares, basta observar que são comandados pelos eternos inimigos da democracia, pelos defensores dos golpes de estado e dos regimes de emergência ou de exceção.

Na crise de 1961, os mesmos fariseus que hoje exibem um falso zelo pela Constituição, queriam rasgá-la e enterrá-la sob a campa fria da ditadura fascista. Tudo isto é história recente, que não pode ser repetida, porque está indelevelmente gravada na memória do povo brasileiro.

Vimos, de repente, os políticos que mais pregaram o ódio neste país estenderem a mão para os políticos mais corruptos da história brasileira e juntos terem o cinismo de falar em nome dos sentimentos católicos do povo. Passaram a acusar de anticatólicos, não apenas ao Presidente da República, mas ao próprio Cardeal de São Paulo. Na hora em que ainda ressonam as Encíclicas Sociais de João XXIII, é demasiada audácia a desses aventureiros se atreverem a falar em nome da Igreja. Não me cabe, porém, combater essa usurpação, pois a Ação Católica de Minas e de São Paulo já tomou essa iniciativa. E a maior resposta a esses fariseus foi dada por aquele prelado brasileiro que, a 2 de fevereiro de 1963, afirmava que os ricos da América Latina falam muito em reformas de base, mas chamam de comunistas aqueles que se decidem a levá-las à prática. Ele explicava: “É fácil de entender: os ricos da América Latina continuam a deter o Parlamento e tem o grande idealismo da fé no futuro”. Dizia por fim: “O egoísmo de muitos ricos, sua cegueira, é um problema muito mais grave do que o próprio comunismo”.

Esse sacerdote, Dom Hélder Câmara, acaba de ser designado pelo papa para ser Arcebispo de Recife, uma das cidades que mais refletem a crise social do nosso país.

Reconheço que há muitos iludidos de boa-fé. Venho adverti-los de que estão sendo manipulados em seus sentimentos por grupos de facções políticas, agências de publicidade e órgãos de cúpula das classes empresariais.

Aconselho, portanto, a todo brasileiro que hoje esteja envolvido, por motivos religiosos, em comícios políticos, que medite um pouco se está realmente defendendo a doutrina daquele que pela salvação da humanidade morreu na cruz, ou apenas os interesses de alguns grupos financeiros ou eleitorais. Recorde-se da palavra de Pio XI que, tomando consciência de que a Igreja se estava transformando em escudo de privilégios injustificáveis, reconheceu que “o grande escândalo do nosso tempo foi a Igreja ter perdido contato com a classe operária”.

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Continuemos, ao lado das nossas mães, mulheres e filhos, a acompanhar as suas orações e a prestigiar e respeitar a sua fé e os seus sentimentos, que são também os nossos. Mas não nos iludamos diante da torpe exploração que procura envolver os sentimentos mais puros, como se a religião e a fé fossem servir de escudo a interesses contrários ao nosso país – e muito menos podemos admitir que o dinheiro do Ibad venha a macular a pureza das nossas instituições cristãs e do sentimento religioso dos nossos filhos. Não podemos permitir que esse dinheiro espúrio venha macular os sentimentos puros das nossas famílias, os sentimentos puros do povo brasileiro.

Mas, senhores sargentos, que constituem um dos alicerces da nossa estrutura militar, a minha palavra, e meu apelo, é para que os sargentos brasileiros continuem cada vez mais unidos, cada vez mais disciplinados naquela disciplina consciente, fundada no respeito recíproco entre comandantes e comandados. Que respeitem a hierarquia legal, que se mantenham cada vez mais coesos dentro das suas unidades e fiéis aos princípios básicos da disciplina. Que continuem prestigiando as nossas instituições, porque em nome dessas instituições, em nome dessa disciplina, os sargentos jamais aceitarão sectarismos, partam de onde partirem, porque o caminho que lhes está traçado é o caminho que me foi traçado também.

As reformas que nós pedimos, senhores suboficiais, senhores sargentos, as pedimos rigorosamente dentro da Constituição. As atitudes que vêm caracterizando a ação do governo, as suas providências, as leis e os decretos que vem assinando o governo em benefício do povo são também efetuados rigorosamente dentro da lei e dentro da Constituição.


O Ibad, os interesses econômicos, os grandes grupos nacionais e internacionais não tem competência para julgar os atos do Presidente da República. Existem poderes constituídos como a Suprema Corte de Justiça do nosso país, como outros poderes constitucionais que podem aquilatar e julgar os atos do Presidente da República. Os Constituintes em 1946 estabeleceram no Artigo 217 da nossa Constituição o princípio de que ela poderia ser modificada. Compreenderam os legisladores que as Constituições não devem servir apenas para resguardar as instituições do presente, mas as constituições devem, acima de tudo, resguardar as instituições do futuro. Triste do país que tivesse uma Constituição intocável. As constituições têm que evoluir à medida que evoluem os povos e as nações. Mas outra crítica que constantemente se levantava contra o Presidente da República, diariamente transcrita e bem paga na imprensa brasileira, era a de que o Presidente não revelava quais as reformas que desejava o povo brasileiro. Este argumento agora não prevalece mais, porque o Presidente da República, acaba de enviar mensagem ao Congresso Nacional propondo claramente, em com todas as letras, como o povo brasileiro deseja as reformas. Reformas que não podem mais ser adiadas, reformas que não podem mais ser transferidas, porque essas reformas constituem, acima de tudo, reivindicações legítimas e sentidas do povo brasileiro e são indispensáveis ao desenvolvimento do nosso país.

Com fé em Deus e confiança no povo, quero afirmar, claramente, nesta noite, na hora que, em nome da disciplina, se estão praticando as maiores indisciplinas, que não admitirei que a desordem seja promovida em nome da ordem; não admitirei que o conflito entre irmãos seja pregado e que, em nome de um anti-reformismo impatriótico, se chegue a conclamar as forças da reação para se armarem contra o povo e contra os trabalhadores; não permitirei que a religião de meus pais, a minha religião e a de meus filhos, seja usada como instrumento político de ocasião, por aqueles que ignoram o seu sentido verdadeiro e pisoteiam o segundo mandamento de Deus.

O meu mandato, conferido pelo povo e reafirmado pelo povo numa segunda vez, será exercido em toda a sua plenitude, em nome do povo e na defesa dos interesses populares. Enganam-se redondamente aqueles que imaginam que as forças da reação serão capazes de destruir o mandato que é do povo brasileiro.

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Ainda agora, procura-se, em nome da disciplina militar, criar uma crise para dividir as gloriosas Forças Armadas do país. Quem fala em disciplina? Quem está alardeando disciplina nesta hora? Quem está procurando intrigar o Presidente da República em nome da disciplina? São aqueles mesmos que, em 1961, em nome de uma falsa disciplina, em nome de pretensa ordem e de pretensa legalidade que defendiam, prenderam dezenas de oficiais e sargentos brasileiros. Em nome dessa disciplina, prendeu-se um dos mais ilustres e eminentes comandantes do Exército Brasileiro; prendeu-se numa fortaleza, aqui no Rio de Janeiro, um Marechal, pelo crime de defender a Constituição que ele tinha jurado. Esse grande militar, de uma tradição ilibada nas fileiras de nossa Exército, símbolo de disciplina e de bravura das nossa Forças Armadas, o grande Marechal Henrique Teixeira Lott, foi punido, com recolhimento a uma fortaleza.

Fiel à minha formação cristã, não guardo qualquer mágoa daqueles acontecimentos. Jamais remanesceu no meu espírito qualquer ressentimento com relação àqueles que, num determinado instante, não souberam defender a Constituição da República, não souberam interpretar as leis do país.

E o mesmo espírito que me guiou em 1961 foi o espírito que me guiou agora na crise da Marinha, que está servindo de tantos pretextos para intrigas nas Forças Armadas.

Estava no Sul, quando soube da crise que irrompia na Marinha de Guerra. Desloquei-me imediatamente para o Rio de Janeiro. E aqui a minha primeira recomendação – recomendação compreendida e sentida pelo Exército e pela Aeronáutica – foi a de que eu não permitiria jamais que se praticasse qualquer violência contra aqueles brasileiros que se encontravam desarmados na sede de um sindicato. Eu estaria faltando a vocês, sargentos, às suas esposas e às suas mães, se naquele instante, rigorosamente dentro da lei e das minhas atribuições, confiei o problema, na sua plenitude, ao atual ministro da Marinha, que se encontra aqui conosco. Não tive mais nenhuma interferência, a não ser dar autoridade ao novo ministro que assumia naquela hora o comando da nossa Marinha de Guerra.

Ninguém mais do que eu, neste país, deseja o fortalecimento e a coesão das nossas Forças Armadas. Ninguém mais do que eu deseja a glória da nossa Marinha de Guerra. Ninguém mais do que eu deseja que ela vive permanentemente num clima de compreensão, de entendimento, de respeito e de disciplina. Mas a disciplina não se constrói sobre o ódio e a exaltação. A disciplina se constrói sobre o respeito mútuo entre os que são comandados.

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Mas também faltaria com o meu dever se não alertasse o alicerce básico das nossas Forças Armadas – os sargentos – contra a terrível campanha que neste país [ilegível] contra o Presidente da República e mais especificamente contra o pensamento representado pelo Presidente. Se os sargentos me perguntassem – estas são as minhas últimas palavras – donde surgem tantos recursos para campanha tão poderosa, para mobilização tão violenta contra o governo, eu diria simplesmente, sargentos brasileiros, que tudo isto vem do dinheiro dos profissionais da remessa ilícita de lucros que recentemente regulamentei através de uma lei. É do dinheiro maculado pelo interesse enorme do petróleo internacional e de companhias nacionais contra a lei que também assinei do monopólio da importação de petróleo pela Petrobrás. É do dinheiro que se levantou contra outro ato que também praticou o Presidente da República, que foi a encampação de todas as companhias particulares de refino, mas atos que pratiquei rigorosamente dentro da lei e no espírito da Lei 2004, criada pelo grande e imortal Presidente Vargas.

Esse é o dinheiro graúdo. Se os sargentos me perguntarem sobre o dinheiro mais miúdo, mas também muito poderoso, eu diria que é o dinheiro dos proprietários profissionais de apartamentos em todo o Brasil, de apartamentos que estavam sendo negados aos brasileiros, de apartamentos que não se alugavam mais em cruzeiros, de apartamentos cujo aluguel já se exigia pagamento em dólar, como se Copacabana fosse um país estrangeiro, como se os brasileiros vivessem subordinados a outros interesses. É o dinheiro, por outro lado, senhores sargentos, de comerciantes desonestos que estavam explorando e roubando o povo brasileiro e que o governo, no direito legítimo que lhe confere a lei, defendeu e deu ordem ao Ministro Jurema para que não mais permitisse a exploração e que defendesse o povo em toda a sua integridade. Enfim, trabalhadores, enfim, militares, enfim, brasileiros, é o dinheiro dos grandes laboratórios estrangeiros de medicamentos. De laboratórios que terão que cumprir a lei ou terão que ser subordinados à lei porque o Presidente da República não vacilará um instante sequer na execução de todas as leis e de todos os decretos.”

Naquela mesma noite, em Belo Horizonte (onde o governador mineiro udeno-golpista, o banqueiro Magalhães Pinto preparava a “secessão do Estado” para pedir apoio formal, já anteriormente combinado, ao governo norte-americano), o General Guedes, em parceria com seu colega Olímpio Mourão Filho, o vaca fardada, em Juiz de Fora, dava “ordem de marcha” ao 12.º Regimento de Cavalaria, comandado pelo Coronel Dióscoro Gonçalves do Valle, iniciando a quartelada teleguiada pelo imperialismo americano que deporia Jango e iniciaria o ciclo de golpes e ditaduras fascistas pela América do Sul afora (entre os mais retumbantes os de Pinochet, depondo o marxista Allende no Chile e o de Videla, sobre a abobalhada herdeira de cama e política de Perón, Isabelita, na Argentina) nos anos 1960 e 1970 a fim de garantir de garantir o domínio e o lucro da burguesia yankee e ocidental sobre o Continente.

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Ao contrário das versões hidrófobas do falso-moralismo pretensamente cristão (tragicomicamente repetido na deposição de Dilma e ascensão do líder fascista mambembe Jairzinho Capitão do Mato), o governo de João Goulart sequer era “comunista” (“exótica” categoria política equiparada religiosamente a crime pelo fascismo reprimido sexualmente, que examinada a luz da lógica isenta e razoável corresponderia tranquilamente aos mandamentos de justiça e igualdade do Cristo tão presente nos discursos dos demagogos totalitários), mas pretendia simplesmente garantir um mínimo de dignidade humana à peonada esfalfada do campo e das cidades cujo sacrifício inglório e sem recompensa possibilitava a gandaia de uma elite tacanha e sem orgulho sequer de elite em si, que se comprazia e se compraz em servir ao luxo e à sanha dos grandes dominadores do norte do mundo.

Nas palavras de Darcy Ribeiro (Aos Trancos e Barrancos, 3.ª edição, 5.ª Editora Guanabara, Rio de Janeiro, 1986), as reformas de base contra as quais se deu efetivamente o golpe de Estado consistiam tão somente em:

“Uma reforma agrária que, democratizando o acesso à terra, dê a milhões de lavradores condições de viver, comer e progredir com suas famílias, e de assegurar a fartuta da cidade.

Uma reforma urbana que socorra tanto os milhões de favelados como a classe média escorchada pelos aluguéis.

Uma reforma educacional que amplie a rede pública, matriculando todas as crianças e proporcionando-lhes  meios de prosseguir nos estudos, segundo a capacidade de cada uma delas.

Uma reforma tributária que corrija a desigualdade da distribuição de encargos entre o capital e o trabalho, entre os ricos e os pobres, entre os trabalhadores e os patrões.

Uma reforma administrativa que acabe com o burocratismo e a corrupção no serviço público.

Uma reforma eleitoral que inclua todos os brasileiros adultos, principalmente a maioria constituída de analfabetos, na condição de eleitores e elegíveis.

Uma reforma universitária que permita edificar no Brasil as universidades necessárias para promover o desenvolvimento nacional autônomo, a partir domodelo de universidades do Brasil.

Uma reforma bancária que leve crédito e financiamento a todas as forças produtivas a juros normais, sem usura e sem corrupção.

E, sobretudo, uma reforma no trato com as empresas multinacionais para que o Brasil deixe de ser escorchado e condenado à dependência e que se concretizaria na Lei de Remessa de Lucros.”

Como se vê, questões atualissimas cuja solução teria garantido alguma dignidade aos brasileiros, mas prejudicado em muito a sanha exploratória do capital estrangeiro que desde então nos domina e esmaga sem apelação.

Não é por acaso, portanto, que o descabelado e violento Hitlerzinho de circo fudido determinou a comemoração do nefando golpe nos quartéis nacionais neste 31 de março.

Ubirajara Passos

Do sol e das nuvens…


Normalmente, eu estaria, e deveria, hoje estar analisando os aspectos políticos da eleição do Jairzinho Capitão do Mato para a Presidência da República, constatando o óbvio: que esta se constituiu na consagração, esperada e apoiada pelos promotores, do golpe de 2016, para continuidade das reformas (como já deixa claro o futuro ministro da Economia, ao afirmar, nesta segunda-feira que a “prioridade do plano econômico do futuro governo será a Reforma Previdenciária) cuja essência se resume a extinguir os últimos direitos trabalhistas, sociais e previdenciários legais garantidos à peonada, bem como a privatização e entrega definitiva do patrimônio nacional nas mãos da classe dominante internacional, sob cujo sádico prazer será sacrificado o rebanho de milhões de trabalhadores, sem direito, agora, sequer a reclamar, debaixo do pior tacão autoritário, intimidatório e repressor.

Mas, surpreendido pela incessante e trovejante onda de fogos de artifício no início da noite, quando, sem me dar por conta da hora, voltava de um passeio na pracinha próxima com a Isadora (que só fui entender que comemorava a desgraça nacional ao chegar em casa e saber de meu enteado que o resultado final das urnas já fora divulgado e não havia volta), me vi diante do abismo inevitável, que se sabe que poderia aparecer, mas não se quer acreditar esteja a nossa frente quando surge.

Nascido no inverno de 1965, fui criança, adolescente e jovem durante o regime entreguista e ditatorial inaugurado em 1964 e pude presenciar pessoalmente o clima de censura e repressão. Nunca esquecerei de um belo dia, em 1978,  em que me vi surpreendido, ao levantar da parede do quarto de meus pais um quadro do Padre Réus que se encontrava estranhamente afastado no prego que o segurava, e debaixo descobrir um quadro, cuja moldura encerrava um cartaz de campanha de Brizola a governador do Rio Grande do Sul em 1958, que meu pai escondera durante quatorze, por medo da repressão do DOPS. Ao questionar minha mãe sobre o personagem retratado, esta me disse, do alto de sua sabedoria de quem apenas passou pelas primeiras letras e as quatro operações aritméticas: “meu filho, este era um cara que defendia o trabalhador”. Não poderia haver definição mais perfeita e as circunstâncias deixavam claro até para um guri de treze anos as razões porque o quadro fora escondido e a natureza do regime político que forçava o fato. Era uma ditadura que fora estabelecido contra o povo, a grande maioria que sua ingloriamente todo dia para manter o Brasil andando e a quem quer que opusesse a este massacre reservava a tortura, a morte e o desaparecimento.

E hoje pela manhã me vi envolto pelos sentimentos que expressei, quase literalmente, a uma amiga e companheira de militância política e sindical, nas palavras seguintes, ao lhe agradecer uma mensagem pelo dia do abraço, e que dizem todo o possível neste momento.

Estou perplexo e ainda em estado de choque. Apesar de manter a postura radical e revolucionária nos posts do facebook, sinto medo e um imenso nojo.

Sei que, pelo menos nos primeiros tempos, não iremos parar no pau-de-arara, mas temo justamente o que mais me enoja: a reação histérica e furibunda dos fanáticos, muitos próximos, como parentes e colegas, que, diante de nossa menor crítica, só sabem esbravejar (ou se não o fazem nos termos exatos, deixam perfeitamente implícito  o pensamento) como se estivessem vendo o próprio diabo na frente, coisas como “petista imundo, ateu imoral, comunista!”,  e parecem estar dispostos a avançar de porrete sobre nós, no seu ímpeto de caça às bruxas.

Diante de uma das minhas postagens do final da noite, um colega aposentado, destes que me chamava de comunista no início dos anos 1990, em razão de minha liderança sindical, saiu-se, com a autoridade de censura que parece lhe ter sido magicamente concedida pela vitória do louco, com a seguinte pérola, sutilmente intimidatória: “Quando tu vai parar de dizer besteira?”

Temo porque sei que há formas bem mais sutis de nos exterminarem, a nós que defendemos a dignidade e a real decência da peonada trabalhadora, do que a tortura ou a eliminação física. E tenho certeza que será esta horda de fanáticos, bem próximos, o instrumento da delação e da perseguição, que virá através das brechas legais mais obscuras, na forma de ações criminais e procedimentos administrativos disciplinares. O mínimo suspiro indignado emitido por nós (“execráveis vermelhos degenerados dignos de exemplar e feroz punição” na visão destes fanáticos) servirá para detonar o linchamento “legal” que nos azedará a vida.

Mas não sei viver de outra forma que não seja o exercício desbocado e sem freios da liberdade. Apesar do medo, continuarei no pé do autoritarismo e da injustiça e bradarei, eu mesmo, com toda serenidade possível, até que me calem.

Pois, como me dizia a Isadora, na primeira madrugada deste fatídico ano, ao lhe dar a tradicional intimada para ir dormir (frase que anotei em meu caderninho e planejava desde então viesse a ser tema de matéria própria neste blog), parindo espontaneamente e sem saber o seu primeiro poema: “São os nossos sonhos que fazem o sol nascer. Se a gente não dorme o dia não vem. E as nuvens são os nossos pesadelos”!

Ubirajara Passos

 

 

 

 

 

O discurso de despedida de Jango no enterro de Getúlio Vargas


“Vai como foram os grandes homens. Tu que soubeste morrer, levas neste momento o abraço do povo brasileiro, levas especialmente o abraço dos humildes, levas o abraço daqueles que de mãos calmas e honradas constroem a grandeza de nossa Pátria.”

Jovem sucessor de fazendeiro são-borjense cuja familia possuía profundas ligações com o clã dos Vargas, desde o século XIX, Jango tornou-se, nos primeiros tempos do exílio de Getúlio (deposto em outubro de 1945 com o apoio dos próprios generais cujos interesses satisfizera durante a ditadura do Estado Novo), íntimo amigo e confidente do velho ex-Presidente, brotando em suas informais tertúlias as raízes que o conduziriam à liderança do PTB, ao Ministério do Trabalho, no último período de governo de seu mestre, e à posição de seu herdeiro político, na qual, sucessivamente Vice-Presidente (por dois mandatos) e Presidente da República, encarnaria, com a radicalização trazida pelos novos tempos, os ideiais de mudança e dignidade para a peonada trabalhadora, já presentes na Revolução de 1930.

Por ocasião da crise desencadeada com o “atentado” ao fascista demolidor de presidentes (o “Corvo” Carlos Lacerda, jornalista e político histérico-demagogo que liderava a ladainha falso-moralista, a serviço dos interesses econômicos internacionais contrariados por seu Gegê), em 5 de agosto, na Rua Toneleros, no Rio de Janeiro, que acabaria culminando com o suicídio do Presidente da República, Getulio daria a Jango uma cópia da Carta Testamento (a outra seria encontrada junto ao bidê do quarto onde se suicidaria e seria lida por telefone para a Rádio Nacional, por Osvaldo Aranha, ainda na manhã de 24 de agosto), recomendando que a levasse consigo para o Rio Grande do Sul e a lesse lá, preparando-se para resistir, pois, depois dele, Getúlio, cairiam sobre Jango.

No enterro de Getúlio Vargas, ocorrido em São Borja, dois dias após o suicídio, em 26 de agosto de 1954, fortemente emocionado, João Goulart leria, na condição de amigo íntimo, discípulo político e líder dos trabalhistas, o discurso abaixo ,em que reproduz e comenta contuntendemente o manifesto deixado pelo mártir da causa nacionalista e da peonada trabalhadora:

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“Meu caro amigo Getúlio Vargas.

Nosso grande e inesquecível chefe.

Aqui estamos com o coração cheio de amargura e os olhos cheios de lágrimas para prestar-te a nossa última homenagem. Se viveste com dignidade, morreste com honra.

A minha homenagem, a homenagem dos são-borjenses, a homenagem de todos os brasileiros presentes e dos que acompanham esta cerimônia em espírito, a maior homenagem que poderíamos te prestar será a leitura da carta que me entregaste antes de te despedires da vida e entrares para a História.

Esta carta será a bandeira, o lema e o catecismo de todos os trabalhadores do Brasil, que, tenho certeza, represento neste instante e que choram como chora todo povo brasileiro a sua morte. Há de ser, também, o hino do povo que recebe com lágrimas o sangue que deste por ele.

Disseste, Dr. Getúlio, duas horas antes de morrer, com a consciência tranqüila, como só podem ter os grandes homens que sempre trilharam o caminho do bem e da verdade, palavras que unirão o povo brasileiro na defesa de todos os princípios que pregaste, desde que iniciaste a vida vida pública, princípios que não morrerão, que serão o nosso estandarte de luta, a nossa bandeira, e que farão com que o nosso pensamento esteja sempre junto do teu pensamento.

A nossa bandeira será a bandeira dos princípios que defendeste durante toda a tua vida, nosso grande amigo e chefe Getúlio Vargas.

‘Não me acusam, insultam-me! Não me combatem, caluniam-me! Não me dão direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação para que não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. Sigo o destino que me é imposto.

Porque me coloquei contra os grupos econômicos e financeiros internacionais fui objeto de uma revolução e venci.’

Realmente foi essa revolução que trouxe novos horizontes para todos os trabalhadores do Brasil. Foi esta revolução que inspirou e criou as leis do trabalho, pela qual puderam ter liberdade o povo que era escravo e principalmente o trabalhador que vivia oprimido e humilhado.

Deste liberdade aos trabalhadores, e a reação nunca te perdoou.

‘Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao Governo nos braços do povo.’

Voltaste, sim, nos braços deste mesmo povo, que, nesta hora, com lágrimas, vem reafirmar aquela solidariedade que nunca te faltou e que te levou ao Catete e que te levará agora à suprema glorificação. Voltaste nos braços deste povo que nunca esqueceste, nem mesmo minutos antes de deixares esta vida, a caminho da eternidade.

‘À campanha subterrânea de grupos internacionais, aliou-se a dos grupos nacionais, revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei dos lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo, desencaderam os ódios.’

Os trabalhadores sabem que enfrentaste ódio e reação para criar aos que trabalham apenas mais um pouco de pão e tornar as suas existências um pouco mais compatíveis com a dignidade das criaturas humanas.

No entanto, contra mais este pedaço de pão que deste aos trabalhadores, fazendo justiça, levantou-se a reação que te leva a este túmulo.

Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás. E, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero.’

Lembramo-nos, Dr. Getúlio, quando na Bahia enlambuzaste as mãos no petróleo do nosso solo, procurando fazer a independência do Brasil e dos brasileiros. A reação jamais concordou com esta atitude. O grande crime que cometeste foi de procurar fazer com que as riquezas saídas do solo, deste solo onde entra agora teu corpo inanimado, não caíssem nas mãos dos trustes e monopólios. Este foi o teu crime e por isso desejavam o teu castigo!

Disseste ainda: ‘Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente. Assumi o governo dentro da espiral inflacionária e descobri os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até quinhentos por cento ao ano.’

Muitos dirigentes dessas mesmas empresas devem estar neste instante com as mãos tintas de sangue, do sangue do homem que procurou impedir a concretização de seus impatrióticos desígnios.

‘Nas declarações de valores do que importávamos, existiam fraudes constatadas de mais de cem milhões de dólares por ano.’

Eram estas as unhas aduncas que roubavam e sugavam o suor dos trabalhadores e do povo brasileiro,que desejavam a tua destruição. Precisavam aniquilar o nosso grande chefe e amigo porque ele representava a liberdade do povo e da Pátria. Mas, eles se enganam. Não destruíram Getúlio Vargas nem seus ideais que sempre estiveram vivos e, agora mais do que nunca, brilham na alma e no coração dos brasileiros.

Nós, dentro da ordem e da lei, saberemos lutrar com patriotismo e dignidade, inspirados no exemplo que nos legaste. Embora entrando o teu corpo inanimado agora na terra, as tuas idéias entram definitivamente no coração de todos os brasileiros.

‘Veio a crise do café. Valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.’

Aqui está, também com o coração entrecortado pela dor o teu ministro, o teu amigo Oswaldo Aranha, que é testemunha desse esforço. O Brasil responderá àqueles que exigiam através do teu sacrifício o sacrifício do nosso povo e da nossa Pátria.

‘Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma agressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo para defender o povo que agora se queda desamparado. Nada posso lhe dar a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o sangue brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio para estar sempre convosco.’

Morreste como mártir, tiveste a glorificação que só têm os grandes estadistas, os que sabem viver e morrer. Deste em holocausto a tua vida para que não fossem sacrificadas mais vidas deste povo sofredor e miserável, deste povo que sempre conduziste com dignidade e que soubeste honrar até na morte.

‘Quando vos humilharem, sentireis em vosso peito a energia para luta, por vós e por vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no meu pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos. O meu nome será a vossa bandeira de luta.’

Tenho certeza, Dr. Getúlio, que o teu nome há de ser sempre a nossa bandeira de luta e bandeira de vitória a favor dos pequeninos e dos humildes por quem viveste e por quem deste a tua vida. Getúlio há de ser sempre o nosso chefe de ontem, o nosso chefe de hoje, o nosso chefe de amanhã.

Cada gota do meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada da resistência.’

Lutaste como um bravo e, injuriado e caluniado, ainda nos últimos instantes de tua vida afirmaste em uma mensagem de despedida ao nosso povo que: ‘Ao ódio respondo com o perdão’.

Só os grandes homens sabem perdoar. Somente um homem como o amigo poderia perdoar aqueles que nesta hora estão com as mãos respingadas de sangue. Perdoaste, e nós, em cima do teu corpo inanimado, seguindo o teu exemplo e com a alma partida, perdoaremos também, colocando o estandarte do teu nome sob o pavilhão auriverde da nossa Pátria.

Disseste ainda: ‘E aos que pensam que me derrotaram, respondo com a minha vitória’. A vitória foi selada com as lágrimas do povo que tanto amaste e tanto defendeste.

‘Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém.’

Para isso estamos aqui, fando em nome de São Borja, falando em nome de todos os trabalhadores da nossa Pátria, dos mais humildes aos mais categorizados, do Amazonas ao Chuí. Eu digo, Dr. Getúlio, este povo não será escravo de ninguém, porque a bandeira que levantaste será a nossa bíblia, o nosso hino, e nos conduzirá um dia à vitória que sempre almejaste para o povo que tanto amaste e pelo qual derramaste o teu sangue.

Disseste mais: ‘Meu sacrifício ficará para sempre. E minha alma e o meu sangue serão o preço do meu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto’.

De peito aberto também morreste, Dr. Getúlio, porque morreste como só sabem morrer os homens de coragem e de dignidade.

‘Ódio, infâmias, a calúnia não abateram o meu ânimo. Dei-vos a minha vida e agora ofereço a minha morte’.

Ofereceste mesmo tudo a este povo que neste instante está aqui derramando lágrimas sobre este caixão, com o coração dolorido e amargurado. Ofereceste a vida pelo povo por quem lutaste toda a existência. Mas, esteja certo, Dr. Getúlio, este povo que dá esta prova de solidariedade nunca trairá os teus ideais. Este povo saberá lutar com todas as suas forças para vitória de tuas idéias, que será a definitiva redenção social e econômica de nossa Pátria, para felicidade de todos os brasileiros.

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‘Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo a caminho da eternidade. E saio da vida para entrar na História.’

Nada podem recear os nomens que são capazes de todas as renúncias e que dizem, ao despedir-se deste mundo: ‘Ao ódio dos meus inimigos respondo com o meu perdão’. As portas do além já estão abertas. Já estás lá, Dr. Getúlio, porque só os homens de bem e os superiores são capazes deste gesto. Foste bom e justo. A tua bondade e o teu espírito de justiça há de nos inspirar sempre.

Dr. Getúlio, já estás a esta hora na história do mundo. Ainda ontem os jornais de Londres afirmavam que havia morrido o grande estadista do mundo. Saíste da vida para entrar na História e podes baixar ao solo que defendeste até as suas entranhas, através da lei regulando o nosso petróleo, levando a certeza de que este povo que amaste e que também te ama, jamais te esquecerá.

Tu estás vivo dentro do nosso coração, e vivos os ideais que defendeste.

Até a volta, Dr. Getúlio. Vai como foram os grandes homens. Tu que soubeste morrer, levas neste momento o abraço do povo brasileiro, levas especialmente o abraço dos humildes, levas o abraço daqueles que de mãos calmas e honradas constroem a grandeza de nossa Pátria.

Nós estamos contigo e contigo está todo o povo brasileiro.”

Eleito Vice-Presidente da República, em votação direta e específica para o cargo, conforme dispunha a Constituição de1946, em 1955 e 1960 (tendo como presidentes titulares Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros, o último de chapa contrária à da coligação PSD-PTB, liderada pelo Marechal Henrique Batista Teixeira Lott), Jango assumiria a presidência da República (com poderes reduzidos em razão de uma golpista emenda parlamentarista, que viria a ser revogada em plebiscito, pelo voto popular, em janeiro de 1963), após a gigantesca resistência civil-militar liderada pelo Governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola (a Legalidade, de que uns dos grandes instrumentos eram os pronunciamentos e comunicações radiofônicas feitos a partir da Rádio Guaíba, de Porto Alegre, para todo o Brasil, e, em ondas curtas, para o exterior), em 7 de setembro de 1961.

Procurando aprovar no Congresso, de maioria conservadora, cheio de burgueses e latifundiários, as Reformas de Base que possiblitariam um mínimo de dignidade à massa de camponeses, estudantes e trabalhadores, como a Reforma Agrária, Urbana, Universitária, entre outras, além da nacionalização das refinarias particulares de petróleo e da limitação legal da remessa dos lucros das multinacionais às suas sedes, no estrangeiro, seria deposto, em abril de 1964, no auge de sua popularidade, que alcançava, então, mais de 70%, em um golpe militar realizado sob os mais moralistas e cretinos pretextos (com o velho apoio do golpismo lacerdista da UDN e dos fazendeirões e apaniguados privilegiados do PSD, assustados com a mobilização desde então nunca vista dos movimentos populares), de que resultaria o miserável e violento Brasil que hoje vivemos, deformado política e culturalmente por 21anos de ditadura formal (só definitivamente extinta com a promulgação da Constituição de 5 de outubro de 1988, há quase trinta anos), regime do qual se herdou o privilegiamento e a descaração parlamentar e política nos níveis hoje tão denunciados pela própria corrente fascista que os criou e que agora, a seu pretexto, nos jogou em nova, e informal, ditadura, que está levando de arrasto as últimas garantias sociais do povo brasileiro.

Ubirajara Passos

Quem, é, de fato, Jair Bolsonaro?


Comentário que postei hoje à noite no facebook, em matéria reproduzida pelo presidente estadual do PV do Rio Grande do Sul, ex-vereador de Gravataí,  Márcio Souza, na qual se noticia ter sido ele taxado de bandido por Carlos Bolsonaro (filho do personagem objeto desta crônica) em razão de ter alertado, em palestra na Escola Inácio Montanha, de Porto Alegre, o risco que correm os direitos civis, inclusive das mulheres, com a possível eleição do referido deputado para a Presidência da República:

Bolsonaro era até ontem do partido que sustentou a ditadura militar, homenageou o sanguinário torturador Brilhante Ustra ao votar pelo impeachment de Dilma e defende escancaradamente o autoritarismo nazista praticado pela milicada que derrubou um presidente eleito constitucionalmente, sob o pretexto do mais falso moralismo, para criar o Brasil da miséria e da violência que conhecemos hoje.

Isto é suficiente para temermos radicalmente sua eventual eleição, que representaria a tomada do poder pela peste emocional, furibunda e raivosa que sustentará os privilégios da elite infecunda e entreguista deste país pela via da violência fascista explícita, do amordaçamemto do pensamento e pela tirania da “disciplina” mais conservadora, odiosa, anti-prazer, anti-vida e anti-povo.

É apavorante ver como estas forças fingiam dormir, envergonhadas desde 1985, e agora se assanham como feras em plena luz do dia na defesa da ordem mais irracional e obscurantista possível, pré-revolução francesa e anti-iluminista.

A quem interessar possa, procure e leia “Psicologia de Massas do Fascismo”, do mestre Wilhelm Reich, e entenderá toda a extensão da projeção política da raiva furiosa gerada pelos organismos humanos reprimidos e encouraçados na velha repressão sexual instaurada há seis mil anos pela sociedade patriarcal, onde o senhor do lar tinha direito de propriedade, vida e morte sobre todos os membros da “família”, de esposa e filhos a servos e escravos!

 

Ubirajara Passos

 

 

De como não assisti ao show do Zé Ramalho


Houve uma época, nos velhos tempos da República do alemão Valdir, que, tendo o Rogério Seibt retornado a Santa Rosa, e o baiano Luiz, se casado (e se afastado dos amigos), os frequentadores do apartamento de Petrópolis se restringiram ao próprio Valdir, a mim e ao alemão Ale, com o qual eu costumava varar as madrugadas de sábado para domingo enxugando um litrão de fanta com uma vodka de garrafa plástica (que era o máximo que nossos escassos reais permitiam), enquanto o Valdir (na época se tratando com a Dileusa e com pisquiatra e, portanto, se mantendo abstêmio) roncava solenemente.

Pois nestes dias em que a minha carteira andava mais vazia que cabeça de periguete fanqueira, mesmo assim me cotizei com o Alemão Valdir e compramos ao salgado preço (para a época) de R$ 100,00 por cabeça os ingressos para o show exclusivo, de uma hora de duração, que o Zé Ramalho daria no auditório Araújo Viana, numa sexta, em Porto Alegre, incluindo além dos nossos o do Ale.

Durante uma semana inteira, entusiasmado, eu não falava em outra, perturbando à farta o ouvido dos estagiários da Contadoria Forense com o fato de que eu iria a um show do “Raul Seixas” (apesar de me policiar, trocava a cada vez o nome do cantor), ouvindo de volta a informação de que para tanto só fosse à mesa branca, pois este há mais década já passara por outro lado.

Quando, finalmente, chegou a noite esperada, entretanto, o Valdir e o Ale (que embora cursasse radiologia na época já manifestava os pendores culinários que o levariam à futura profissão fora do Rio Grande, ao invés de agilizarem-se, resolveram, justo próximo da hora do espetáculo (que se iniciava por volta das 9 h) fazer uma senhora janta, com dinheiro a porco assado, sob os meus protestos – contestados com a frasezinha: “show de rock sempre atrasa!”.

Assim, quando os glutões inveterados já haviam satisfeito sua “larica” sem maconha, e cedendo aos meus rogos, e chegamos ao Araújo já eram quase dez horas da noite e o resultado foi darmos com a massa do público saindo port’afora, um amigo do Ale escorado na saída, dizendo que o show (que já havia pontualmente terminado) estava muito bom.

Na volta, ainda tentei recuperar a noite e convidei a dupla para fazer algo de útil e prazeroso na extinta Sauna La Luna (puteiro da Barão do Amazonas), mas diante da recusa, tive de me contentar em sorver algumas long neck de Brahma Extra, compradas em qualquer posto de gasolina no caminho.

Foi assim que, por causa do porquinho gordo (e quem sabe por vingança do gaiato fantasma do roqueiro), não pude estar presente ao show do Zé Ramalho e, de certa forma, “assisti ao show do Raul Seixas”, que sendo realizado por fantasma ninguém viu mesmo!

Ubirajara Passos

Estava o guaipeca no seu lugar… vieram os gatos lhe incomodar!


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Este sujeito aí de cara invocada é o Vagabundo (ilustre gato da Isadora que poderia ser meu, tamanha é a devoção que me dedica, dando-se, inclusive ao trabalho de seguir-me e entrar junto comigo em casa quando retorno ao trabalho e se acha na rua) e só se encontra solitário na foto porque não encontrei nenhuma de seu primo e parceiro de estripulias, o Luba, com o qual cometeu a façanha que deu origem a este post.

Nascido em novembro de 2014, em plena cama, quando a Janaina descansava numa tardinha de domingo, na mesma época em que o seu tio e pai de seu parceiro (o Mel)  desapareceria pela Vila Natal a farrear, para voltar quase um ano depois para casa, completamente estropiado, e aí morrer, o bichano aí, assim como o primo (parentesco que lhe foi atribuído pela semelhança com seu pretenso pai angorá, quando surgiu por casa há mais ou menos um e nos adotou como seus “donos”), foi castrado faz um tempo, o que não o fez ficar mais caseiro, nem menos macho.

E, outro dia, no final de uma bela manhã de sábado, andavam ele e o Luba pela calçada de casa, com aquele ar modorrento de boêmio recém chegado da esbórnia, quando uma dupla de assustadores e valentes cães de rua (que na Vila Natal os há de todo tipo, tamanho, pelagem e atitude, alguns tão atrevidos a ponto de formar gangue e nos cercear o passo pela rua, a ladrar e ameaçar como militantes do MBL) se postou, ar de ameaça e determinação típicos, capazes de botar a correr muita beata ou moleque desavisado, em frente ao portão do vizinho do lado, pronta julgava eu, para dar um corridão na gataiada.

E eis que, para minha surpresa e confirmação definitiva de que estamos no fim do mundo e as coisas andam todas fora de ordem, mesmo para o mais empedernido anarquista questionador e contestador do mundo, a dupla de gatos é que os pôs a correr, mas não com uma carga de unhadas e miados histéricos e esganiçados, como suporá o leitor.

Juro que é a mais absoluta verdade, assim como é o episódio em que peguei o gato Luba com uma trufa (que minha mulher havia feito para arrecadar fundos para a festa de sua formatura em Técnico em Enfermagem, ocorrida mês passado) na boca, embalagem aberta por ele mesmo, que ele sacara da mesa para o chão, pondo-se a correr a minha chegada, no que ninguém em casa me acredita. Mas os gatos se mantiveram impávidos, sem dar um mio, e retesando o corpo com aquele olhar de mafioso pronto a fuzilar, botaram a correr a jaguarada com esta simples e muda ameaça, movendo-se apenas um único passo a frente.

Não se sabe se é efeito da guerra de facções do tráfico de drogas que anda pela cidade – trazendo novidades do “caveirão” à execução de uma dupla forçada a cavar a própria cova e nela se deitar para, depois de uma saraivada de balas (boa parte ‘perdidas” pela má pontaria), virar churrasquinho e protagonizar vídeo em pleno facebook – ou da onda de estripulias fascistas que corre o Brasil,  mas o fato é que, num lance nunca visto, os meus caros gatos, que até o episódio jamais haviam manifestado esta pose de mafiosos de filme americano, parecem estar provando para muita gente que, bem mais do que espalhafato e o uso físico da violência, muitas vezes a determinação e a postura é tudo.

O que corrobora a minha velha tese, exposta aqui neste blog faz uns quantos anos, de que, para derrogar o regime vigente de dominação a que vivemos nós, pobre peonada trabalhadora, submetidos, não é necessário nem o uso do fuzil, mas simplesmente virar as costas para a burguesia, como diria o falecido Valdir Bergmann, e, entrando em greve permanente, mandá-la à puta que pariu, tomando nós mesmos a condução de nossas vidas e da administração e geração dos meios de sua manutenção.

Pois, por valente e perigosa que pareça, a tropa de choque encarregada da manutenção da ordem vigente (e até aquela, não encarregada, que pretende empestear ainda mais nossas vidas com sua censura e falso moralismo) é tão poderosa que há de desmontar-se ao menor gesto de enfado e desfaçatez diante de sua ruidosa fúria!

Ubirajara Passos

 

Duplo soneto de um duplo despertar…


Mais um poema relegado ao “pó” da gaveta virtual, resgatado na faxina informática deste final de ano:

Duplo Soneto de um duplo despertar…

Desperta, camarada, que chegou a hora!
Em meio à escuridão das multidões ignorantes,
Ressurge a memória sepultada sob as toneladas
Da maledicência hipócrita e cruenta!

Agora sabemos que não era utopia,
Nem entusiasmo fantasista e inconsequente
Que ao sacrifício tantos arrastaram.

Se no Brasil a massa obreira, estuprada
Nos seus direitos de “viver em paz “,
Só desejava e foi interditada
Antes ainda que a jornada principiasse
No Chile, cada camarada
Experimentou concretamente um pouco
Da construção da nova vida em liberdade!

Nas duas pátrias um sono malsão
Faz prisioneiras as consciências desde então,
Mas uma brisa gélida e ligeira
Vai-se se impondo, suave e destemida.

No sul do sul do mundo a igualdade
Há de tornar a cada um digno e pleno
Porque iguais são os sofrimentos
E eles inspiram-na, revolta ensandecida e sagrada!

“Não sou apóstolo, não sou mártir”, nem profeta,
Sei “que a morte é melhor que a vida
Sem honra, sem dignidade, e sem glória”

Mas sei que em “cada gota do sangue” dos sacrificados
Pelo direito a uma vida humana,
Manteve-se e está frutifican
do em nossas consciências a “vibração sagrada”!

Gravataí, 7 de janeiro de 2013

Ubirajara Passos