Da Índole Sádica da Pornografia Hodierna


Para deleite dos velhos fãs da sacanagem deste blog, vai abaixo publicado mais um sermão na igreja de satanás:

Da Índole Sádica da Pornografia Hodierna

Jamais se viu nada tão próximo da genuína volúpia moleque e sorridente, banhada nas profundezas sacanas do impulso vital livre e espontâneo, voltado voluntariamente à satisfação de um cio sem hora nem lugar, sempre pronto ao exercício sublime do gozo mútuo que nos diferencia de nossos irmãos mamíferos (jungidos aos ciclos reprodutivos da programação genética), identificado com a própria potência saudável da vida em si, como a velha sacanagem cinematográfica, ingênua e implícita nas imagens, mas poderosa na evocação mental sub-reptícia, das pornochanchadas brasileiras do século passado.*

Por mais que reproduzissem, em tom gaiato, digno da mais debochada avacalhação da velha malandragem do terço final do século passado, os preconceitos próprios da velha moral sexual patriarcal, com títulos como “O Super Manso”, as picarescas comédias eróticas da época celebravam o sexo, ou antes a putaria, como a fonte dos mais refinados e alegres prazeres proporcionáveis por nossos corpos, que efetivamente é, passando muito longe do desespero trágico e truculento incorporado pela indústria pornográfica mundial desde os anos 1990, a partir da imposição massiva do receituário sexual yankee, filho típico da rebeldia desusada e imatura à mais repressora moral puritana.

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Assim é que, com disparates típicos da nação onde um simples seio nu se assimila à mais descarada manifestação da devassidão pecaminosa que haverá de arrastar a humanidade depravada à condenação eterna do inferno, o moderno imaginário da ficção sexual (das cartas de leitores de revistas de mulher pelada ao cinema especializado) se ressente dos esquetes mais sádicos, abobalhados e broxantes, só capazes de inspirar tesão e entusiasmo a punheteiros juvenis recém ingressados na puberdade, destes cuja experiência concreta mais próxima do supremo ato do gozo mútuo foi a prática eventual da zoofilia com a cadela do vizinho, no matinho do subúrbio, o romance sem-vergonha com a vaquinha mimosa  dos velhos matutos ou a barranqueada  de égua da gauchada antiga.

Qual grau de excitação genuína é capaz de ser despertado por cenas como a de um afobado touro reprodutor musculoso, de olhos esbugalhados e ar apatetado, se masturbando frente a uma ou mais fêmeas de ar aparvalhado que aguardam, com a boca escancarada e o olhar perdido, que o protagonista acerte a pontaria da esporrada, na atrapalhação mais impagável da cenografia típica? Ou a gritaria artificiosa e desafinada de uma loira padronizada, de cabelos alisados na chapinha e peitos estufados qual balões a ponto de estourar, enquanto o machão cheio de si a barranqueia com a concentração própria de quem pilota uma britadeira, sem emitir o menor pio ou suspiro?

Tais são os exemplos básicos da gélida e raivosa fantasia erótico-psicopática disseminada, desde o fim do século, nas diferentes mídias, sem falar é claro, nas bizarrices mais estapafúrdias, como  madames tentando trepar com cães são bernardo (entediados e contrafeitos), transas de anões com velhos travecos ou outras asneiras do gênero, que as povoam, transformando a velha e boa foda sacana no coito insosso e prenhe dos anseios de um misógino enrustido cujo maior prazer, inconfessado não é o compartilhamento do oceano de sensações vívidas e alegres, nas ondas da mais pura sacanagem, mas o uso do próprio caralho como uma espada a dilacerar ventres submissos.

Se as velhas pornochanchadas dos anos 1970 e 1980 sintetizavam, na sua malícia festeira e irreverente, com a pitada do deboche nacional, séculos ou milênios da mais tesuda, entusiasmada e criativa literatura erótica, o imaginário sexual pasteurizado, produzido e distribuído em massa, com a chancela de uma globalização totalitária que simula a pretensa liberação sexual nas relações compulsórias e coisificadas, nos empurram todo dia, sem apelação, sob o disfarce do mais infeliz e estouvado catálogo erótico, os ideais sádicos filhos do dominador frustrado – que, se encontrando pisoteado sob os pés da ordem burguesa, desrecalca sua impotência frente aos amos, fudendo, de todas as formas, com a vida alheia, especialmente daqueles sobre os quais possui alguma hierarquia. O próprio marquês, revoltado e incontrolável, cuja obra, bem mais imaginosa e refinada, deu nome ao adjetivo que o caracteriza, coraria como uma freirinha frente ao breviário fascista enraivecido que inspira a nossa modernosa ficção sacana.

O gozo está no meio de nós!

Gravataí, 5 de março de 2019*, 5 de dezembro de 2020

Ubirajara Passos

Do Caráter Moralista do Carnaval


Faz séculos (para ser exato, uns dezessete anos) que este texto está elencado entre os Sermões na Igreja de Satanás sem que jamais tenha conseguido escrevê-lo, embora tenha prometido, nos últimos carnavais de cada ano, desde 2010 pelo menos, fazê-lo sob a inspiração direta dos eventos.

Eis que hoje, em plena Era do Ranço Fascista brasileiro mambembe, não menos sádico e cruel do que o velho nazismo, entretanto, me forcei a fazê-lo e está aí para deleite dos leitores que não tiveram meios ou ânimo para curtir a velha festa de Momo, embora tenha me saído, tão enferrujado me encontro, terrivelmente pedante e artificioso. Boa leitura:

Do Caráter Moralista do Carnaval

Assim como o bordel, com que compartilha a irreverência, o gáudio e a inexistência de um roteiro obrigatório e insosso no exercício do gozo dos corpos e dos copos, o Carnaval é uma festa que não se contrapõe à interdição moralista do prazer e da liberdade costumeiramente impostos ao rebanho imenso da peonada, em prol do deleite sádico e desenfreado de nossos amos, mas justamente, por seu caráter de excepcionalidade aos dias de sisuda e “responsável” dedicação à rotineira faina e aos imperativos graves da vida quotidiana, a confirma.

E, como válvula de escape, compensatória à vida reprimida, impede a derrocada da dominação, que subjuga nossas mentes e corpos, maneados e enrijecidos no curral sem sal e sofrido do cumprimento de deveres e obrigações impostos pelo estelionato ‘ético” dos hipócritas senhores que organizam nosso mundo.

Mas, embora a epifania pagã do cabaré (restrita aos ditames hipócritas de um negócio informalmente integrado à sociedade hierarquizada – a sacanagem explícita no salão não é bem vista, seja por ameaçar o recebimento do “aluguel” do quarto, seja por destoar do bom tom dos “bailes de família”, que mesmo no puteiro deve ser preservado) não tenha dia, e nem hora, para se realizar, os festejos de Momo, no curto espaço de seu ciclo anual de cinco dias, possuem a vantagem da universalidade.

Para encher bem a cara e se lambuzar na putaria, na dança frenética, e se afundar na “loucura divina” até se exaurir na farra amoral e edênica como um jogo de criancinhas; para usar e gozar da imaginação desenfreada, sem roteiros nem limites, e mandar à puta que pariu todas as velhas recomendações das comadres e tias de pudor e compostura, ou mesmo viver por um dia a fantasia de se sentir único e com direito a tratamento respeitoso e digno, não é necessário possuir um tostão além daquele capaz de adquirir um litro de cachaça, nem ter nascido com um envaidecedor pêndulo, irascível e violento como uma onça pintada, pendurado entre as pernas.

E, êxtase supremo, é possível, se berrar aos quatro ventos, e em plena luz do sol, tudo quanto lhe vier aos cornos, num discurso com um mínimo de coerência ou simplesmente aleatório, escangalhando e denegrindo todos os compenetrados, sóbrios e severos grandes chefes, chefetes e capitães-do-mato da modernosa escravidão assalariada, seus grandiloquentes discursos redentores e sagrados manuais de procedimento.

Oriundo das velhas bacanais romanas (celebrações públicas ao deus do vinho e do prazer), diante do recrudescimento totalitário do cristianismo oficialmente altruísta e sofredor, inimigo do corpo e do bem estar (dos deserdados servos e escravos indignos de representar a vontade divina – prerrogativa exclusiva de reis e nobres senhores), elevado ao poder com a decadência do Império, o Carnaval se tornará, a partir da Idade Média, o refúgio provisório e intocável da ralé subordinada ao autoritarismo furibundo dos dominadores (que serão debochados descaradamente nos gestos, vestes, e atitude), tornando-se vítima de sucessivas tentativas de enquadramento, do reconhecimento oficial da Igreja como ritual pré-quaresma à transformação em festival oficialesco excêntrico e exótico, e por isto mesmo inofensivo e inócuo (porque apartado ao espaço físico ou ideal restrito do “desvio”, a moda da loucura levada ao manicômio) para ser mostrado como curiosidade turística ao mundo, promovida pelas prefeituras, das grandes cidades, como o Rio Janeiro, aos rincões interioranos, de países como o Brasil, afora.

As suas características anárquicas, no sentido mais profundo do caótico e não organizado, da alma livre das peias de toda rotina e ordenamento obrigatórios (que persistem em permanecer, em meio ao fundo das festividades padronizadas e folclorizadas pela mídia antropofágica, que a tudo engole e reprocessa em seus ruminantes estômagos , para regurgitar numa versão mansa e abobalhada, infensa à rebeldia do moderno gado humano) guardam, entretanto, justamente por sua renitente teimosia,desobediente e mal-educada, as sementes capazes de nos conduzir ao rompimento da opressão mecanicista que se serve até o cerne de nossos seres para o usufruto alheio de meia dúzia dos todo poderosos amos que conduzem-se sobre nossos lombos.

Se diante do avanço reacionário e obscurantista do totalitarismo famélico e voraz da ordem burguesa do nosso século já não surte efeito um espírito épico e estoico na luta revolucionária, o que hoje pode nos conduzir, de forma folgazã ainda que renhida, à liberdade é a insurreição gaiata, a desafiar a seca e petrificada ordem diária da rotina, a disposição avessa à gravidade sacrificante, numa rebelião barulhenta e zombeteira, digna de um carnaval, a cada santo dia.

Seja feita a vossa gandaia!

Gravataí, 3 de março de 2019

Ubirajara Passos

“Surubinha de leve” apenas explicita o sadismo do funk em geral


Ao contrário do estardalhaço politicamente correto (entenda-se vigilância infantiloide e totalitária) que levou à retirada do catálogo do Spotfy, o exame completo da letra do estrondoso sucesso do fanqueiro Diguinho permite concluir que a música não faz a menor apologia ao estupro, nem  à prática criminosa alguma.

Se ao invés de se deter no desaventurado refrão (Taca a bebida/Depois taca a pica/E abandona na rua), prestar-se a devida atenção ao contexto das demais estrofes (Pode vim sem dinheiro/Mas traz uma piranha, aí!/Brota e convoca as puta), o máximo que se poderá constatar, é uma incitação ao estelionato (a gurizada vai convocar as profissionais do amor para uma festinha, gozar do seu serviço e depois mandá-las port’afora, com um ponta-pé na bunda, e nenhum mísero tostão de pagamento), ou quando muito à celebração da prática da zoofilia com vorazes peixes carnívoros!

O texto da estrofe intercalada entre a convocação e o desenlace da orgia (Mais tarde tem fervo/Hoje vai rolar suruba/Só uma surubinha de leve/Surubinha de leve/Com essas filha da puta) deixa bem claro tratar-se de uma suruba destas que muito velhote metido a playboy detentor de mandato parlamentar costuma fazer em Brasília, na qual as meninas participarão espontaneamente, bebendo e gozando dos prazeres carnais previstos, sem receber, entretanto (e aí é que repousa a malícia da gurizada da favela carioca) a devida retribuição monetária. 

Conforme matéria de O Globo recentemente publicada, duas advogadas especialistas na matéria criminal invocada teriam afirmado categoricamente que seria necessário bem mais do que as meras alusões a trago, sexo e abandono para caracterizar o estupro, que consiste na prática forçada de sexo, mediante violência ou grave ameaça, e não fica expresso que o ato de “tacar a bebida” consistiria em fazer a mulherada ficar inconsciente para usufruir de seu corpo.

Polêmicas a parte, a verdade pura e simples é que 99% das letras de funk no Brasil primam, desde o boom inicial do ritmo, no início dos anos 2000, com a banda Bonde do Tigrão, pelo mais medíocre sadismo (vide os versos de Prisioneira,  onde a gata é advertida  que seus únicos direitos são os de “sentar, de quicar, de rebolar”, e, fora isto, o “de ficar caladinha”) abordando as relações sexuais (diferentemente da velha sacanagem bem-humorada e gaiata, de duplo ou mais ou menos explícito sentido, das marchinhas clássicas, como “A Perereca da Vizinha”) sob a ótica do machão prepotente,  que vê e usa a mulher como uma simples coisa, a moda do barranqueador de égua que submete a fêmea no ato  maneando-lhe as patas (quem for dos pagos sulinos entenderá perfeitamente do que estou falando).

E é muito admirável, de causar arrepios nos pentelhos, mesmo, ter sido necessário uma peça tão explícita para, após duas boas décadas de exaltação glamourizadora e massificada (a ponto de se tocar impune e entusiasticamente nas mais comezinhas festas infantis de aniversário, até mesmo nas mais pudicas casas de família) do imaginário musical erótico mais sem graça, misógino e machista,  alguém se dar conta e trazer a baila (ainda que de forma equivocada) a essência ideológica do funk brasileiro, onde a mulher é vista como coisa, nada mais que um objeto de prazer, sem direito necessário a ele.

Mas daí a se partir para a censura, com a proibição ou retirada da canção (e suas congêneres), entretanto, é se banhar nas mesmas águas da peste emocional que, da impotência orgástica (resultado do prazer reprimido por séculos de patriarcalismo ainda vigente, sob o disfarce da liberação dos costumes) à consequente intolerância moralista e totalitária tipicamente fascista, pretende controlar nossos mínimos gestos, privados ou em público, sob os auspícios da falsa moral disciplinadora, robotizante e anti-prazer da pior espécie (digna das velhas beatas rançosas, reeditadas sob a forma de histéricos e alvoroçados rapazes do MBL) ou do aparentemente inocente e comportado discurso politicamente correto de uma infeliz esquerda cor de rosa e tributária do Estado burguês. Tudo para garantir que continuemos a marchar dentro das bitolas e não desviemos por um segundo o olhar para os lados, o que pode acarretar a derrocada da escravidão assalariada e o fim dos privilégios dos amos que nos submetem a uma vida de cachorro, devidamente regrada pela ética da obediência cega e o pretexto  do bom senso.

Todo este ímpeto em demonizar, e proibir a expressão, o que é mais grave, tudo quanto possa escapar aos ditames  ingênuos típicos do Joãozinho do Passo Certo, logo no início de um ano de eleições presidenciais, que serão pautadas pela disputa espúria e entusiasmada entre os representantes mambembes aparentemente inofensivos da extrema direita raivosa rediviva (leia-se Jair Bolsonaro) e os apóstolos de uma esquerda cor-de-rosa defensora de uma ética distorcida e policialesca pretensamente defensora das minorias oprimidas, é no mínimo preocupante, para não dizer apavorante.

Ubirajara Passos

 

 

Pero Vaz de Caminha e a Buceta índigena


Nada como tratar, em plena véspera de Natal e após o frustrado “fim do mundo”, de assunto sério e paradisíaco, relacionado profundamente com os destinos e a formação do Brasil.

Se o leitor caiu de pára-quedas neste blog, num vôo cego e acidental pela internet, a partir de tags sisudas e sem graça, como política ou história e (apesar da advertência constante em sua barra lateral) resolveu se embrenhar nesta mata literária, provavelmente tomará por sacanagem e invencionice pura o tema desta crônica (para ele) cretina, apelativa e despropositada.

Se veio parar aqui a partir de indexações do tipo putaria, velhinhas trepando com jegue fogoso e outras asneiras que, devido ao erudito vocabulário deste cronista, acabam por conduzir a este blog, certamente estará mais indignado ainda por não encontrar os vídeos ou contos pornôs de pobre imaginação e precária construção verbal que, infeizmente, costumam povoar a pornografia internética padrão, reduzida, como a pornografia em geral, ao estilo cru e “analfabético” dos piores funks globalizantes do sadismo sexual imbecil e sem imaginação.

Mas o tema deste post não é gaiatagem minha, muito menos invencionice, e nos dá, de certa forma, uma palha da predestinação do caráter brasileiro, a partir da informalidade, bom humor e plena desenvoltura mental dos primeiros portugueses que aportaram por estas terras e, concretamente “seduzidos” por sua natureza edênica, lhe acrescentaram a pimenta da malícia ibérica, que mais tarde a padralhada trataria, em conluio com o sadismo bandeirante, de maltratar, ao ponto de quase extinguir, debaixo do carrancismo moralista de um catolicismo imperialista histérico e opressor.

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É bem verdade que os invasores lusitanos, nesta parte da América Latina, não foram menos funestos que seus vizinhos espanhóis e fizeram dela, no correr dos séculos, como dizia o saudoso companheiro Darcy Ribeiro, um moinho de gastar gente pra adoçar a boca de europeu. Na fornalha de sua fome sádica e furibunda por enricar e viver à forra, nossos “colonizadores”manietaram, escravizaram, torturam e torceram, com o mesmo entusiasmo da inquisição religiosa na peninsula, mas com o objetivo bem mais concreto e paupável do enriquecimento ao custo do sofrimento e embrutecimento alheio, os corpos e almas de multidões de índios e negros, cujo sofrimento forjou a riqueza de europeus e o cadinho de um país enorme e rico, mas ainda submetido à lascívia estrangeira sádica, e, apesar de tudo, pontilhado por uma alegria de viver e um estilo despachado que haverão de garantir, no dia em que nos fizermos donos de nosso próprio destino, o verdadeiro paraíso na terra.

Se o bandeirante ou o colono luso posterior era violento e carrancudo, entretanto,o fato é que os primeiros patrícios a aportar por aqui, a maioria degredados deixados na costa em navios como o de Cabral, tinham um estilo bem mais sutil e malandro, típico do esteréotipo nacional posterior. Tratavam de se enfiar no meio da indiarada e, gozando de institutos culturais estabelecidos como a poligamia e o cunhadismo (noção de que todos os membros de uma aldeia são parentes de quem se casar com uma índia dela e, como tal, tem obrigação de auxiliar o “cunhado”) se fartaram na utilização das bucetas, e dos braços masculinos, para prover suas necessidades de diversão e mantimentos, se tornando verdadeiros barões tropicais, felizes e poderosos,com um exército de solícitos e ingênuos índios, dispostos a satisfazer seus menores desejos materiais, com toda bonomia de seu caráter naturalmente empático e solidário. Eram terríveis malandros estas criaturas, como João Ramalho e Caramuru,que, infelizmente, acabaram por se fazer auxiliares do imperialismo brutal, que mais tarde transformaria o éden tropical num inferno,pleno de choro e ranger de dentes, por muitos séculos, até conformar o Brasil que conhecemos hoje.

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Mas, antes que o leitor me mande à puta que pariu pela tagarelice historiográfica e antropológica, vamos ao assunto principal do texto. Está lá, na certidão de nascimento do Brasil, inscrito em todas as letras, o olhar embevecido e lúbrico, desatinado de tesão, surpresa, e até de uma certa ingenuidade, do escrivão da armada cabralina, logo no início de sua carta a El-Rei, dando o tom de admiração e apaixonamento diante daquele mundo perfeito de corpos nus e folgazões, dedicados ao prazer, ao trabalho e à caça, sem qualquer grilhão que os obrigasse a uma rotina obrigatória, opressiva e sofrida sob o tacão do dominador.

Na transcrição de Sílvio Castro (L & PM, Inverno de 1985), o embasbacado burocrata lusitano, descreve com todo o gozo de um êxtase místico, a cena maravilhosa que tinha à sua frente (depois de semanas terríveis, chacoalhando entre maremotos e calmarias, cercado de machos,no infecto navio), na inimaginável praia baiana:

“Ali andavam entre eles três ou quatro moças, muito novas e muito gentis, com cabelos muito pretos e compridos, caídos pelas espáduas, e suas vergonhas tão altas e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as muito bem olharmos, não tínhamos vergonha nenhuma”.

“Vergonha”, para quem não conhece a gíria quinhentista, é buceta mesmo. E “cerradinhas” quer dizer fechadas. A pena do Pero Vaz,prova, portanto que, nossos “descobridores” europeus podiam ser doidos por ouro, escravos e riqueza, mas, ao contrário de seus irmãos peninsulares, não desprezavam,mas antes admiravam profundamente o que era bom e apreciavam bem a maior riqueza já produzida pela natureza.

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Em outro trecho, adiante, comenta, entre irônico (“vergonha – que ela não tinha!”) e admirado, sublinhando o vivo contraste entre as índias e as portuguesas:

“E uma daquelas moças era toda tingida, debaixo a cima, daquela tintura; e certamente era tão bem feita e tão redonda, e sua vergonha – que ela não tinha! – tão graciosa, que a muitas mulheres de nossa terra, vendo-lhes tais feições, provocaria vergonha, por não terem as suas como a dela.”

E os espertos portugueses, forjados no sangue celta e mouro, enfastiados com as raras e terríveis visões das “aranhas” européias (cuja contemplação implicava numa série de aventuras perigosas,prenhas de percalços e, no mais das vezes, fadadas a levar à breca o infortunado aventureiro – fosse na perda de seus patacões ou da própria vida) não eram nada bobos e trataram de aproveitar a exposição gratuita e inédita e entusiasmante da buceta raspadinha brasileira.

O descobrimento ficou imortalizado em quadro que retrata a “primeira missa”.Mas podem ter certeza que, naqueles dias, muito mais do que a arenga devota do latinório clerical, o que aproximou mais a marujada e a fidalguia da expedição cabralina do céu prometido por Cristo foi a visão absolutamente surpreendente e imprevista do paraíso terreste na buceta índigena!

Ubirajara Passos

A foda telepática


Como já relatei na minha primeira crônica sobre o Almanaque do Pensamento e as previsões astrológicas de revolução absoluta da humanidade, desde os meus tempos de pré-adolescente que o “paranormal” (seja o científico ou o mágico, o místico  ou o simples espetacularismo filosófico) me fascinam, apesar do meu materialismo ateu professo.

Richard Bach (com o seu Fernão Capelo Gaivota, lido aos 16 anos, mas só entendido mesmo aos vinte e tantos, e com Ilusões – aventuras de um messias indeciso) é um autor que sintetiza perfeitamente o que já vinha caraminholando mentalmente muito antes de lê-lo e absorvê-lo e que se pode traduzir em “anarquismo místico” ou mágico, e que consistia na crença absoluta na liberdade, ao ponto de crer nas possibilidades dos poderes puramente mentais para alterar a realidade (especialmente quando assessorados por qualquer um ritual emocionalmente – Jung diria energicamente – significativo) e na possibilidade de alterar tudo pelo questinamento e pela vontade absolutamente livre.

Aos dezessete anos, por exemplo, eu cria piamente que era possível, mesmo, desafiar a própria morte pelo questionamento filosófico profundo. Se a humanidade inteira morria era porque acreditava na realidade da morte e nenhum maluco havia tido ainda a coragem de colocar em cheque a necessidade de sua existência… Hoje, à medida em que o programa genético universal que rege os seres vivos neste planeta vai me fazendo definhar fisicamente, em que as rugas e cabelos brancos vão se acentuando, e o espelho vai desmentindo, ao acordar diariamente, a minha eterna convicção de ter dezoito anos (pois a mente não muda e não adquire senso inato de velhice), vou me convencendo do meu engano adolescente… Se bem que volta e meio, apesar do espelho, tenho umas recaídas!

Este é um tema (como a crença nos extra-terrestres e na sua visitação à Terra na antiguidade – cevada em muitos livros de Von Daniken, lidos dos vinte pouco até quase os quarenta anos) que só tenho discutido em caráter extremamente privado, com o devido entusiasmo, e que em geral só exaustivamente explorado com o alemão Valdir (que comunga, apesar de velho comunista ateu, destas maluqices) e, em menor grau, com o Carlão.

 Mas, com toda a minha piração, o meu materialismo sempre colocou um freio nos chamados poderes paranormais da mente. Eu podia acreditar na possibilidade da mente humana influenciar o corpo a ponto de evitar o envelhecimento e/ou a morte (afinal a “mente” é resultado de uma série de interações elétricas e fisiológicas do cérebro e dos nervos que, no caso humano, acabou por tomar consciência discriminativa de si e do universo).  Mas, como bom libertário racionalista, só daria aval a determinados fenômenos se tivesse uma prova física irrefutável, como a telecinesia, por exemplo. Passei anos sonhando, inclusive, que fazia movimentar objetos com a simples vontade e direcionamento das mãos, mas até uns dois anos atrás jamais me dei conta de que, salvo uma coincidência absurda (que até é possível, mas, dadas as circunstâncias, é um tanto precária), havia tido, sem me perceber, em meio ao furacão emocional em que vivia, uma prova justamente de telepatia!

Lá por meados do ano 2000, apaixonado, e rejeitado pelo objeto da paixão, por uma gostosa loirinha de 24 anos, um belo domingo de manhã, já quase meio-dia, ainda me encontrava (pra variar) espichado na cama, quando me lembrei que a safada deveria estar, exatamente naquele momento, trepando com o meu rival (que, para meu desconsolo e piora do meu sofrimento, era bem mais feio e imbecil que eu) e pus-me a bater uma punheta, enquanto imaginava o casalzinho se pegando, pensando na safada o tempo todo. Troço meio masoquista que creio nem meu amigo Xupaxota deve ter feito. Mas, enfim, o que faz a neurose!

O diabo é que, umas duas horas depois, a cretina (que me rejeitava, mas, obviamente aceitava meus favores e mimos financeiros), me liga, perguntado se eu estava bem e me avisa que tinha uma coisa estranha para contar. Logo imaginei que tinha alguma coisa a ver com a tal punheta, mas não insisti e esperei o dia seguinte, quando, numa conversa em mesa de bar a gostosa revelou: 

– Puta que pariu! Ontem de manhã eu tava no “rala e rola” e não é que, na hora da loucura me vi pensando em ti, e te imaginei fazendo aquilo ainda por cima!

O mais interessante é que a hora, e outros detalhes cretinos do devaneio da gata, que  não revelarei, pois podem levar à identificação da criatura , que só eram do meu conhecimento, batiam completamente! Tivemos, portanto, ainda que sem retorno de parte a parte, uma comunicação mental paralela à distância!

Ubirajara Passos

(A)pelação à beira-mar!


A história não se passou no último veraneio, mas num modorrento final de feriadão, na segunda-feira, 20 de setembro (data em que a gauchada do Rio Grande do Sul comemora a sua data nacional, o início da Revolução Farroupilha).

Peruca, Nenê (o primo mais novo do Peruca) e Kadu, entediados, bojecantes e babões, respectivamente na ordem inversa, não suportavam mais o mormaço pré-primaveril da provinciana cidade grande de Gravataí, onde até os mosquitos se deixavam infectar pela doença do sono e, tontos, perdiam o rumo do vôo e, em meio a uma espiral desusada, acabavam por topar entre si, na cabeçada, indo ao chão (quando não caíam, moles, na boca do Peruca, evidentemente).

Afinal, na pretensiosa sede do único complexo automobilístico do extremo sul do Brasil, não acontecia nada de novo há mais de 14 anos, quando a petezada fascista, analfabeta e petulante derrotara a dinastia peemedebista lambe-cu da (formalmente) extinta ditadura pós-1964, assumindo a prefeitura, após quase trinta anos de dominação, que tivera apenas algumas  interrupções (uma no início dos anos 1970, quando o partido da ditadura, a Arena, assumira o poder e outra no final dos anos 1980, quando o trabalhismo não vendido, governara, através de um popular prefeito do PDT). Desde então os petistas eram os novos “coronéis absolutos da cidade”, perpetuando-se mandato após mandato.

Mas a turma do Peruca não meditava sobre tais injunções políticas. Sabia apenas que a única coisa digna de admiração na cidade inchada, que conservava os maneirismos de sonolenta vilinha colonial, era a piada que explicava o seu nome, atribuindo-o a uma furibunda matrona do início do século XX, que, dando com a pudica filhinha a boquetear o namorado em plena praça do quiosque, se esbagaçou gritando pra guria: “o que é isto minha filha?” E, recebendo a resposta cretina (“nada mãe, tô só arrumando a gravata dele!), arrematou: “gravat’aí, minha filha?”

– Ô meu, não tem nada pra fazer nesta merda!

– Vamo tomá um goró, Peruca burro! – disparou Kadu.

– Mas aqui não tem graça, nem o Bira bebe mais. Agora que casou, nem no Lucy Bar vai mais o homem – contestou Nenê, concluindo – Vamo pra praia, pra Tramandaí, que lá que é legal. Marzão, brisinha  boa pra se refrescar e ainda uma dúzia de loiras gostosas pra gente admirar enquanto mergulha na loira da garrafa! Vamo lá seus tontos!

O Peruca preferia ficar em casa e chamar o Dente Hugo com uns DVDs pornôs piratas, que loira boa de ver é aquela que trepa com quatro ao mesmo tempo e ainda dá risada. Kadu, louco pra encher a cara em qualquer buteco, achava muita mão de obra comprar fardos de cerveja e gelo, acomodar no cooler e andar 100 km free way afora só pra curtir uma praiazinha. Ambos não atinavam com a reais intenções de Nenê, mas, depois de muito xaropice, se deixaram convencer.

E, plena tarde de mar e sol, ali se encontravam, junto à barra do Tramandaí (a praia mais fudida da cidade, onde a caganeira urbana corre solta pelo rio, e do rio para o Atlântico), enchendo as guampas de caipira e cerveja, com aquele olhar estranho que nos torna vesgos de uma hora para outra, quando deram com aquela trupe de gatinhas gostosas (uma das quais era funcionária da promotoria em Cachoeirinha, conhecidíssima dos três e alvo da paixão platônica do Nenê).

Agora sim, podia se chamar aquele monte de areia salpicado de bosta de praia. Trataram logo de gastar os últimos cobres em martinis, keep coolers e sorvetes, que as gatas eram manhosas e não estavam muito a fim de papo furado, mas tinham, segundo elas, um tesão imenso por garotões alegres e endinheirados, e estavam loucas por umas bebidinhas e guloseimas.

Consumido o estoque do improvisado pic nic, bem como o dinheiro e a paciência do trio, que não conseguia dar nem uma bolinadinha nas safadas (toda vez que se aproximavam, eram repelidos com um recatado risinho e um “depois, meu amor”, primeiro quero curtir o frescor do mar), apareceram uns sujeitos musculosos e mal encarados, boné de aba virada, pinta de aviãozinho de favela (uma tigrada braba, como os descreveu o Peruca) e deram de mão nas pudicas senhoritas, que foram se amassar com eles atrás de umas dunas.

Nenê estava simplesmente desconsolado. Se esvaia em lágrimas pela rejeição da amada e Peruca ameaçou até ir dar umas porradas naqueles tipos (afinal, a última vez que ficara sem absolutamente um puto no bolso foi quando deu com o famoso traveco violento que o assaltou no Bradesco). Mas Kadu, o mais “malandro e experiente” dos três pinguços desengonçados, tratou de acalmar e “trazer à lógica” os outros dois:

– Mas o que é isto. Que choradeira braba! E que porrada coisa nenhuma! Tem  um jeito bem melhor da gente se vingar e divertir, na boa! Vamo estragá o namoro destes panacas. É só a gente tirá a bermuda e ir lá, no meio das dunas, corrê pelado!

Nenê, magoado, mas ainda preocupado em fazer boa imagem para sua paixão, resistiu violentamente, mas, debaixo de porrada, arrancado o calção, foi arrastado junto.

Peruca não teve a menor dúvida. Jegue embriagado, cujos últimos restos de sensatez e inteligência migraram além do cu, aderiu ao plano, entusiasmado.

E foi assim que, naquela tarde de fim de feriado, a fria praia gaúcha se viu despertada pela agitação dos três branquelas sacudindo o instrumento e tropeçando uns nos outros (ocasião em que parece que o Peruca teve a chance de recordar “concretamente” de seu falecido amante traveco), aos gritos de olha aqui que coisa mais linda, enquanto os casais de patricinhas e maloqueiros corriam afoitos duna acima (interrompidos no doce ofício das preliminares menos sacanas)… Mas não por vergonha ou indignação, mas simplesmente para se mijar de rir e vaiar, enquanto os três anjos barrocos broxas (afirmação da preferida do Nenê) eram detidos e conduzidos “à vara” por uns quantos robustos brigadianos.

Ubirajara Passos

Lula e a Burocratização da Putaria


O assunto já é um tanto passado do ponto, tendo sido explorado na imprensa eletrônica brasileira há alguns anos e, não fosse o Brasil ainda uma sociedade autoritária e profundamente marcada pela opressão coisificante e preconceituosa, não deveria render maiores polêmicas.

O fato é que o Ministério do Trabalho mantém em seu site na internet um espaço próprio para divulgação da Classificação Brasileira de Ocupações (a CBO), que instrumentaliza, entre outros, as estatísticas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) a respeito das diversas áreas do emprego dos trabalhadores no territério nacional, esmiuçando, na linguagem mais “culta”, “científica” (o que equivale a dizer “higiênica” e “isenta de apreciações subjetivas e emocionais”) e padronizada as diversas características de cada atividade laboral exercida entre o extremo norte de Roraima e o Arroio Chuí.

E, pasmem!, logo no início de 2003, primeiro ano do mandato do Inácio dos Nove Dedos, um gaiato qualquer da grande imprensa fuçando na insípida e abestalhada lista oficial de ocupações deu com o “escandoloso” e hilário verbete, codificado na “família” (grupo) 5198, sob título de “Profissional do sexo” (sub-código 5198-05) – que significa, em boa e popular fala: “puta”!

A descrição era, então, extremamente pormenorizada e explícita, a tal ponto que o órgão, interpelado pela mídia, além de reduzi-la, atribuiu ao governo de Fernando Henrique Cardoso sua implantação na CBO, mas a manteve, entretanto, com todas as características “picantes” e imbecilmente oficialescas, que nos permitem, hoje ainda, ler o negócio sem saber se rimos, choramos ou zurramos tresloucadamente!

Não é preciso que o leitor seja um experiente ex-putanheiro como eu, um balbuciante e tímido rapazola recém-iniciado nas manhas da sacanagem paga (que vários ainda há por aí afora) ou uma aprendiz rebelde de meretriz admiradora da vilã/mocinha da atual novela do horário nobre da Rede Globo (a gostosíssima e insossa Clara/Chiara, precária enganadora do “Totó idiota de língua de fora por buceta nova”) para morrer de rir e calejar a mão… de tanto bater… na própria própria perna (ou no  braço da cadeira) diante da besteira suprema que constitui o “tratado governamental da ocupação laboral ligada ao prazer do corpo dos cidadãos”.

Já na introdução (que atende pelo nome de “Descrição Sumária”) o negócio carrega nas tintas da fantasia mais cretina e cruel possível, primando pela mais falcatrua das inocências (similar àquela que justificou a continuidade de Lula no governo sob o  pretexto de seu “desconhecimento” completo do esquema mensaleiro).

Depois de nominar e “sinonimar” (como diria o Odorico Paraguaçu) a atividade de Profissional do Sexo ou Garota de programa, Meretriz, Messalina (pobre imperatriz romana de saudável tesão sem preonceitos!), Michê, Mulher da Vida, Prostituta, Trabalhador do sexo”, a cartilha petista (que, se eventualmente não foi elaborada pelo fascismo luliano, tem todo o estilo dos filhos da sacristia salvacionista autoritária), declara, em tom programático e pomposo, e como se tratasse de texto de edital de concurso público, que o cargo almejado (e tido por desejável e incentivável) se constitui no afã de pessoas que Buscam programas sexuais; atendem e acompanham clientes; participam em ações educativas (grifo nosso) no campo da sexualidade. As atividades são exercidas seguindo normas e procedimentos que minizam a vulnerabilidade da profissão.” E arremata, listando como pré-requisitos do ingresso em tal dignificante e auto-relizadora carreira que Para o exercício profissional requer-se que os trabalhadores participem de oficinas sobre sexo seguro, o acesso à profissão é restrito aos maiores de dezoito anos; a escolaridade média está na faixa de quarta a sétima séries do ensino fundamental” e que os agraciados pelo esforço e pela sorte  terão o privilégio dos que “Trabalham por conta própria, em locais diversos e horários irregulares. No exercício de algumas das atividades podem estar expostos à intempéries e à discriminação social. Há ainda riscos de contágio de dst, e maus-tratos, violênia de rua e morte.”

Não tenho, como bem sabe o leitor contumaz e atento deste blog, a menor implicância contra a putaria profissifonal, a que sou, inclusive, muito grato, pois sem ela jamais teria vencido a minha timidez e adentrado no mundo do sexo e da boemia, gozando um pouco dos raros prazeres que o mundo humano filho da puta propicia sobre a superfície do Planeta Terra. E muito menos acho indigno o ganha-pão das (ou dos) que possibilitem o supremo prazer dos corpos aos excluídos do mercado amoroso/sexual por serem possuidores de parcas qualidades estéticas ou comportamentais tidas por  pré-requisito ao seu usufruto, na cartilha da mentalidade padronizada do capitalismo cretino em que vivemos.

Cansei, inclusive, de defender (com a gaiatice suficiente para não ser motivo da gargalhada geral da malandragem, é claro), nas minhas noitadas nos cabarés de Porto Alegre, a organização do sindicato das putas e o reconhecimento legal da profissão. Que é terrivelmente sofrida, pelo próprio caráter intrinsecamente coisifante de suas profissionais – que veem-se na circunstância de exercer como “trabalho”, atividade compulsória, fria e cheia de regras (até certo ponto…), o que é normalmente fonte peronsalíssima  e viva de prazer para ambos, ou vários, participantes, mas, no caso da prostituição, com raríssimas exceções, se restringe à “clientela”. Somado a isto, a  exploração de donos de maloca e cafetões de rua,  e  a clandestinidade decorrente da “ilegalidade” da putaria intermediada por patrões, torna a coisa tão infeliz e terrível quanto a escravidão formal. O bordel é um ambiente instigante e feliz até o p0nto da fantasia de seus freqüentadores (e, eventualmente, de suas trabalhadoras), mas, em regra, é o local do exercício de um dos trabalhos mais estressantes, mal-remunerados e impregnado de assédio moral, também.

Agora, convenhamos, daí a tratar a prostituição como uma espécie de “carreira” desejável e incentivável para qualquer mulher ou gay, omitindo as opressões e frustrações que levam tanto “profissionais” como clientes ao mercado do sexo explicitamente remunerado (que, mesmo espúrio, porque alienado, guarda ainda alguma emoção e prazer genuínos e válidos para seus participantes diante de suas versões informais: o casamento burguês tradicional e compulsório e o casamento ou o relacionamento baseado no interesse financeiro ou sócio-hierárquico informal dos nossos dias) é o fim da picada!

Vivêssemos num mundo de plena liberdade e autenticidade das criaturas, sem quaisquer limitações e subjugamentos a papéis artificiosos e sofridos e não haveria problema nenhum em tal espécie de “atividade econômica”. Mas em pleno capitalismo desumano, desintegrador e espezinhador dos corpos e das mentes da massa da peonada submetida ao tacão patronal, a putaria empresarial nada mais é que o pérfido efeito colateral da transformação da grande maioria da humanidade em infeliz objeto sem direito a dispor de si própria nem a qualquer conforto e prazer legítimos e genuínos.

Mas o manual da boa puta do Governo Lula não se contenta com as definições e regulamentações genéricas imbecis e fora de contexto, descendo a detalhes de recomendação que (por sua própria pretensa ingenuidade e desconhecimento concreto da realidade) parecem se destinar a incentivar a jogar outros tantos milhares de criaturas, além das que já vivem-na, nos sofrimentos sem nome do negócio ou simplesmente fazer de conta que é possível se prostituir de “forma segura e não submetida às piores violentações físicas e psicológicas”, legitimando-as pela recriminação oficial indireta.

Assim é que, assumindo ares de programa de “qualidade total” de “departamento de gestão de recursos humanos” de multinacional badalada ou repartição pública de porte, a listagem de “atividades envolvidas no labor da putaria” publicada pelo Ministério do Trabalho Brasileiro  tem a capacidade de fazer constar asneiras do tipo:

Atividades:

1) BUSCAR PROGRAMA:

Agendar o programa; produzir-se visualmente; esperar possíveis clientes; seduzir o cliente; abordar o cliente

2) MINIMIZAR AS VULNERABILIDADES (sic!):

– Negociar com o cliente o uso do preservativo (imaginem um estivador musculoso do cais porto, bebão, ou um burguesão drogado até o cu de êxtase, parlamentando com toda a polidez, paciência e “delicadeza” sobre a necessidade de usar camisa de vênus!);

–  usar preservativos; utilizar gel lubrificante à base de água (só se for puta suíça para ter dinheiro e tempo para andar catando o sofisticado produto);

–  participar de oficinas de sexo seguro (esta é de cravar: para  o governo toda puta deve ser petista, intelectualizada e politicamente correta);

– identificar doenças sexualmente transmissíveis (dst);

– fazer acompanhamento da saúde integral (se for pelo SUS – sistema único de saúde – oficial, está perdida: a consulta por uma simples gripe demanda o agendamento com um mês de antecipação em qualquer posto de saúde público do país!);

– denunciar violência (pobre puta! numa sociedade em que qualquer peão é gente de segunda categoria, ela é tida por de terceira e é mais fácil ficar presa na delegacia de polícia que ter sua queixa registrada, e, além do mais, quem vai fiscalizar a proibição da pancadaria? o conselho regional das meretrizes?);

– denunciar discriminação (pra quem, mesmo?);

– combater estigma (sem comentários!);

– administrar orçamento pessoal (este item, além de desfocado da realidade, é a pedra de toque do fascismo vermelho aplicada à putaria profissional: não contentes em encher o saco da prostituta com as outras recomendações impossíveis de serem praticas, ainda pretendem regulamentar sua própria vida pessoal!)

3) ATENDER CLIENTES: (ou, manual burocrático da qualidade total do amor remunerado para a puta burra!)

– Preparar o kit de trabalho (preservativo, acessórios, maquilagem) (é puta ou modelo de desfiles de moda? o que, aliás, normalmente não faz muita diferença…);

– especificar tempo de trabalho (está-se tratando de sexo pago ou de empreitada de obra de construção civil?);

– negociar serviços (já imaginaram marafona e cliente discutindo os itens da obra antes da execução?);

– negociar preço; realizar fantasias sexuais (capaz?);

– manter relações sexuais (mas, afinal, está no cabaré “pra fuder ou pra conversar”?);

fazer streap-tease (quem sabe vai trepar vestida?);

– relaxar o cliente (que deve estar muito tenso mesmo! trepar com puta petista burocratizada é mais perigoso que levar injeção na bunda feita por enfermeira nazista!);

acolher o cliente (como?);

– dialogar com o cliente (e se for muda?)

4) ACOMPANHAR CLIENTES: (cartilha da puta de luxo para deputados governistas)

Acompanhar cliente em viagens; acompanhar cliente em passeios; jantar com o cliente; pernoitar com o cliente; acompanhar o cliente em festas

5) PROMOVER A ORGANIZAÇÃO DA CATEGORIA: (manual da puta petista militante e policitamente correta)

– Promover valorização profissional da categoria; participar de cursos de auto-organização (no MST – Movimento Sem-Terra?);

– participar de movimentos organizados (se filiar ao PT?);

– combater a exploração sexual de crianças e adolescentes;

– distribuir preservativos (é puta ou agente sanitário do posto de saúde?);

– multiplicador  de informação (em que programa de “qualidade total” mesmo?);

– participar de ações educativas no campo da sexualidade


Para o exercício do vasto e estafante programa de atividades o site governamental prescreve uma de lista de Competências Pessoais que, além das mais toscas obviedades e do tom militante e politicamente correto, chega até a recomendações (como a última) que devem ter sido inspiradas na falta de discrição do denunciador do mensalão, o mensaleiro Roberto Jeferson:

demonstrar capacidade de persuasão; demonstrar capacidade de comunicação;

– demonstrar capacidade de realizar fantasias sexuais; demonstrar paciência; planejar o futuro;

– demonstrar solidariedade aos colegas de profissão; demonstrar capacidade de ouvir;

– demonstrar capacidade lúdica;

– demonstrar sensualidade;

– reconhecer o potencial do cliente;

– cuidar da higiene pessoal; manter sigilo profissional.

Por fim, a coisa se encerra da forma mais fordista possível. Como se se tratasse da execução um trabalho industrial, eminentemente mecânico e robotizado, figura, sob o título Recursos de Trabalho, uma linda e cretina lista de ferramentas e utensílios necessários à atividade:

guarda-roupa de trabalho;

– preservativo;

cartões de visita (por acaso é advogado ou corretor de ímóveis?); documentos de identificação (pra quê, mesmo?);

– gel à base de água; papel higiênico (!);

–  lenços umedecidos (eu, hein?);

acessórios; maquilagem;

álcool (não quero nem imaginar o que a profissional do amor vai fazer com isto!);

celular e agenda (este tipo de “empresária” deve ser muito “ocupada”, mesmo!).

Não estivéssemos vivendo os tempos mais surrealistas possíveis da Hístória nacional (em que uma ex-guerrilheira e um ex-líder estudantil radical disputam pra ver quem vai ser o melhor capacho do imperialismo burguês no Palácio do Planalto) e seria inacreditável que a imbecilidade burocrática do fascismo petista tivesse chegado ao minucioso refinamento de produzir a cartilha das “Normas Brasileiras de Técnicas do Trabalho Sexual”! Mas a coisa está aí, pra quem quiser ver e zurrar de quatro! Já que a vida do leitor, na média, deve ser de uma atroz e monótona tristeza, aproveite a piada de mau gosto da turma Inácio e ria com a retumbante besteira hierática e compenetrada como “pracinha” veterano da Segunda Guerra Mundial em desfile de 7 de setembro!

Aliás, por que não fazer constar da CBO a profissão de apontador do jogo do bicho ou aviãozinho de tráfico, também?

Ubirajara Passos

“Corneacione”, a novela nobre da Globo


Que as novelas da oito horas da noite 4.ª maior rede de televisão do mundo são a verdadeira versão ficcional do Big Brother, primando pela exaltação glamourizada da falcatrua e da putaria sexual sádica da burguesia de São Paulo e Rio até reclusos monges tibetanos sabem!

O mundo no filtro de suas lentes digitais toma cores de conto de fadas trágico e mambembe, com requintes de teatro de marionetes de lugarejo do sertão nordestino da década de vinte do século passado. No seu tacanho esquematismo a sociedade se reduz ao frenético e sobressaltado círculo dos burgueses de “sangue azul”, arrastados neuroticamente de um lado para o outro nas ondas da vigarice mútua e da histeria geral, e a um caricato e abobalhado “núcleo pobre” em que os personagens ganham o pão que o diabo amassou trabalhando de criados nas “casas grandes” do núcleo rico, ou vivendo de esquemas na favela, mas tem um quotidiano temperado de alegria e descontração no samba do buteco da esquina e nos fuxicos das comadres da rua.

Nada disto é novidade, mas, simplesmente, a surrada e velhíssima lavagem cerebral eletrônica que quem conta no mínimo quarenta anos de idade está acostumado a receber desde criancinha, a tal ponto que se tornou mais banal que zumbido de mosquito em barraca de farofeiro bêbado dormindo às duas da manhã em praia poluída.

O grande ineditismo, e a verdadeira sensação do momento, da última pérola da testa de ferro brasileira da yankee Time-Life, entretanto é a ênfase explícita e total no esporte favorito da burguesia segundo Karl Marx: “a corneação”.

O protagonista da novela, por exemplo, protótipo do ingênuo  chato (daqueles de doer) cai nas mãos de uma sofisticada puta falcatrua cuja brincadeira favorita é gastar seus cobres com um sobrinho doidão do idiota, fudendo a varrer num luxuosíssimo hotel italiano às custas do imbecil. Outro irmão do “mocinho” da novela (que, pra variar, é “meio-irmão”) é um pedófilo histérico que, como conseqüência de seus ataques paranóicos acaba sendo chifrado pela mulher com o mais sonso e puxa-saco agregado de sua mãe presidente de metalúrgica S.A. A irmã deste pedófilo, por sua vez, desiste do casamento com um vigarista que explora toda a família após passar a tarde, em pleno horário da cerimônia religiosa, fudendo com o tal agregado. A cunhada da ex-noiva, ao seu turno, trata de cornear o marido com o sobrinho dele (filho do protagonista), que acaba comendo a filha da sua parceira de safadeza. Para coroar o festival de guampas a avô da família “nobre” aparece com a perna quebrada na cama do motorista de décadas da família, casualmente pai do sonso empregadinho da firma que come a mulher e a irmã do pedófilo. Tudo sob a justificativa mais imbecil possível das contradições amorosas entre o casamento  compulsório e as imposições do jogo econômico-social.

Antes que o leitor me berre aos ouvidos que estou me tornando um velho rabugento, moralista e fascistóide, vou esclarecendo, anarquista e reichiano, além de boêmio e sacana, que sou: o problema não está na fodelança desenfreada (e o conseqüente excesso de galhada por metro quadrado, que quase impede os personagens de se movimentarem), nem na pretensa tensão entre o amor livre e as amarras do sistema. O detalhe escandoloso e torpe, para não dizer ridículo, é que toda esta sarabanda de trepadas às escondidas, inédita pelo volume e insistência (que é, claramente, a tônica da novela, que não faz questão de enfatizar qualquer outra “tensão dramática”) se dá da forma mais carrancuda e crua possível. Com uma “seriedade”, aliás, que beira o olhar grave de defensor do júri em performance demagógica.

Os personagens não se deixam levar nas ondas de um tesão gaiato e avassalador, nem no fogo da paixão romântica absoluta que anula o resto do mundo e nos conduz às loucuras quixotescas de “fuder” com tudo. Mas a coisa se dá da forma mais banal e descolorida possível (com exceção do par de velhinhos safados), com todos os matizes imagináveis da psicopatia e da esquizofrenia. Ninguém apronta por que seja movido por uma emoção fortemente arrebatadora e envolvente, mas antes parece movido por um automatismo robótico filho de uma hipnose mal feita. A “traição” parece se dar de forma automática, gratuita e rotineira como o próprio ruído sem graça e consciência das esteiras de uma fábrica de tecido conduzindo a matéria-prima.

A conclusão necessária cagada sobre a mente dos telespectadores desavisados é de que a omissão e a meia-verdade são peça fundamental a quem não queira sucumbir no jogo social e que fora dela não há sobrevivência. O que não deixa de ser verdade, afinal a hipocrisia é a pedra de toque do sistema burguês. Sem ela, a falsa verdade, a maquiagem sentimentalista tosca, não há como justificar a redução do operário braçal ou mental a ferramenta de geração do luxo sádico e sofisticado de um brutal patrão, que faz questão de humilhar, além de reduzir o explorado à miséria material. Somente a fantasia da colaboração entre órgãos de um mesmo corpo pode sustentar a idéia de que o resultado das relações de produção da existência material das criaturas (o trabalho), sem o qual nada nem ninguém existe, se faça nas condições de opressão e diferenciação absurda entre algozes e escravos assalariados.

O problema é que a natureza concreta do sadismo psicopático social (o capitalismo) não se esclarece com a propaganda de seu principal instrumento (a deslealdade), na medida em que tudo aparece como conseqüência lógica e sem escapatória da pretensa natureza absoluta da sociedade humana e não como distorção atroz a ser combatida e superada. Mas seria muito ingenuidade (pior do que aquela que os autores da peça novelística devem atribuir à grande maioria de seus espectadores) esperar outra coisa. Afinal, além tudo, parafraseando o companheiro Karl Marx, no Manifesto do Partido Comunista, de 1848, ao abordar a questão da opressão entre os sexos e sua relação com o sistema capitalista: “Para o burguês, sua mulher nada mais é que um instrumento de produção. Ouvindo dizer que os instrumentos de produção serão explorados em comum, conclui naturalmente que haverá comunidade das mulheres. Não imagina que se trata de arrancar a mulher de seu papel atual de simples instrumento de produção.

“Nada mais grotesco, aliás, que a virtuosa indignação de nossos burgueses sobre a pretensa comunidade oficial das mulheres que os comunistas adotariam. Os comunistas não precisam introduzir a comunidade das mulheres. Esta quase sempre existiu.

Nossos burgueses, não satisfeitos em ter à sua disposição as mulheres e as filhas dos proletários, sem falar da prostituição oficial, têm singular prazer em cornearem-se uns aos outros.”

Ubirajara Passos

Dos velhos bordéis, a velha putaria, as putas velhas e os antiquários!


Escrevo esta crônica na última meia-hora do domingo à noite, embora ela só vá ao ar na tardinha de segunda-feira. E talvez seja o tardio do momento (que fim de noite de fim de semana, domingo, é o verdadeiro apocalipse: por mais enjoada que tenha sido a folga, a volta ao trabalho é a própria encarnação da “náusea” existencialista sartreana) o responsável por este bizarro título e mistura de assuntos.

Que os três primeiros itens tenham alguma relação entre si é a coisa mais banal e cretina, daquelas de fazer o Pantaleão (velho coronel nordestino encarnado há uns quarenta anos atrás por Chico Anísio, no antológico programa humorístico “Chico City”) esbravejar com “Pedro Bó” (o afilhado imbecil). Muito embora a álgebra antropológica não tenha estabelecido exata conexão de causa e efeito, ou similaridade, entre velha putaria e putas velhas. Agora, o que tudo isto tem a ver com antiquários, somente o vinho da meia-noite, no fim do domingo mais gélido do inverno do Rio Grande do Sul (extremo sul do Brasil), em pleno agosto, talvez, possa explicar.

A verdade é que, faz quase uns dois meses, eu andava na maior conversa com o meu colega de judiciário de Garibaldi, o Carlão, que é também amigo pessoal há vinte anos, e, rememorando saudosamente os  velhos tempos de solteiro, lhe contei um episódio, não tão antigo (data da primavera de 2005) ocorrido num sábado de ressaca pela manhã, em que eu, completamente pilchado (assim havia comparecido a uma Assembléia Geral do Sindjus-RS, por questões de markenting, no dia anterior – que aliás me renderam uma foto histórica, que se tornou ilustração de cartaz e fôlder de plenária da entidade), havia adentrado um decadente cabaré na rua Júlio de Castilhos, em Porto Alegre, e lá dado com uma única mulher no salão.

Mais velha do que o próprio ambiente, com um beiço que beirava o chão, a puta velha me pediu uma cerveja, na esperança de que eu fosse mais um incauto qüera bêbado com coragem e valentia gaúchas o suficiente para enfrentar sua “experiência” vasta e “antiga” na cavalgada dos potros e mouros velhos os mais diversos, acumulada desde algumas décadas do século passado.

Se o leitor, neste ponto da narrativa, imagina que a distinta senhora era alguma quarentona (idade em que, em geral, 99% das putas já pendurou as chuteiras há alguns anos, por óbvia falta de encantos), sinta-se o próprio Pedro Bó (que costumava fazer perguntas óbvias do tipo: “Esta faca é pra cortar mandioca, padinho?” –  ao que o Pantaleão, enfurecido, respondia: “Não! É pra fazer o teu escalpo, Pedro Bó”!). O fato é que a “senhorita” era tão “madura” que foi me contando, por imensa e convicente vantagem, no seu marketing cabareteiro, que sua primeira foda na zona havia sido nada mais, nada menos que com o “governador” (interventor da ditadura militar) Sinval Guazzeli (em seu primeiro mandato), e que fora ele que a havia ensinado a chupar caralho. O detalhe é que o referido político terminou seu primeiro período à frente do governo do Estado justamente há uns 31 anos! (na época faziam 26).

Paguei-lhe a cerveja, acompanhando-a no seu consumo, e tive o bom tom e a polidez de, além de entretê-la, contando alguns episódios da minha vida política e sindical (que, talvez tanham sido os inspiradores da propalada foda com o governador), e (como bom macho sulino que nada renega) dar-lhe um beijinho na boca, me despedindo, entretanto, antes que um porre fenomenal me fizesse cometer a besteira de fuder a velharia em pessoa.

Foi ao terminar de contar este causo ao meu amigo Carlão que lembrei de lhe mencionar a saudade que me dava a “putaria antiga” (como a que conheci, recém entrado na década dos trinta e sindicalista com uns dois anos de atuação na direção executiva na capital, com as fantástica putas cocainadas do antigo “Bagdá Café, na ponta sul da lomba da Marechal Floriano). Se há coisa de uma década, uma década e meia era possível a gente virar a noite entornando cerveja e fudendo com umas duas, três putas, na farra mais bem-humorada e jocosa, se divertindo como se fôssemos colegiais a namorar pelos cantos do muro do colégio de freiras, hoje a disposição da maioria das putas (pelo menos as do centro de Porto Alegre) é de uma falta de uma imaginação, de uma burocracia seca e ríspida dignas de um contra-mestre de fabriqueta de calçados no Vale do Rio dos Sinos, tamanho é o seu “profissionalismo”, que se pauta exclusivamente na caça dos reais dos clientes e na execução fria e sem graça, digna do Iso 9001, dos serviços oferecidos.

Digo isso com a atualidade correspondente há uns dois anos atrás, afastado que me encontro das doces lides dos puteiros, casado que estou desde 2008. Mas creio que a coisa não deve ter melhorado, neste recente tempo da minha aposentadoria bordelística (que não significou a renúncia completa da boemia: sempre que posso me dou ao desplante de virar uma madrugada de trago com os amigos, que, além da ressaca, me rende, no dia seguinte, os impropérios da mulher amanda, a mãe da minha linda e maravilhosa filhinha).

E foi aí que me lembrei que a “velha putaria” que conheci no início de minhas ocupações boêmias também já era coisa de velhos bordéis. O Bagdá, por exemplo, morreu há uns bons dez anos – muito embora eu ainda encontrasse até 2008 velhas amigas lá conhecidas na Cláudia Bar Drink  (que ainda existe no prédio ao lado do qual se situava e foi resultado de uma “dissidência” daquele “templo do amor”) e no “Le Boheme”, na lomba norte da Pinto Bandeira. E, pasmem, no edifício onde era o velho Bagdá funciona há anos, metáfora viva da sua condição e do gaiato e alegre exercício do prazer de que lá gozávamos, nada mais que um antiquário. A Gauchinha, a uma quadra do Palácio da Justiça, também, na rua Riachuelo, assim como o Nosso Cantinho, desde uns sete anos, transformaram-se em lúgubres hospedarias. O que dá a exata noção de que a própria putaria bon vivant, e velhos freqüentadores como eu, está reduzida definitivamente, ao menos na capital gaúcha, a peça de museu!

Ubirajara Passos

Tem putaria na Bíblia!


Um belo dia, em meio ao porre de vodka de garrafa plástica, entornada no bico (a Natascha), lasquei a frase título desta crônica para o meu amigo Xupaxota, que, apesar de todos os seus anos de malandragem e todas suas especialidades sexuais alternativas (como urolagmia e coprofagia), me respondeu, apavorado, os olhos esbugalhados e a boca escancarada:

– Bira… tu tá brincando!

Pedi então, com aquele ar sonso e circunspecto, que ele me alcançasse um exemplar do livro sagrado, dentre as centenas de volumes sobre todos os assuntos que possui na biblioteca do escritório de seu apartamento em Porto Alegre, e, feliz da vida, li para meu embasbacado amigo os seguinte trechos:

Despojei-me de minha túnica, e hei de vesti-la novamente? Lavei os meus pés, e hei de tornar a sujá-los?
O meu amado pôs a sua mão pela abertura da porta, / e minhas entranhas estremeceram com o ruído que ele fez” (capítulo 5, versículo 4);

“Quem é esta , que sobe do deserto enebriada  de delícias, /apoiada sobre o seu amado? / Eu te despertei debaixo da macieira; / foi ali que tua mãe te concebeu” (…) (capítulo 8, versículo 5). E, finalmente os excertos mais explícito grávido de volúpia e desejo:

Teu umbigo é uma taça feita ao torno, / que nunca está desprovida de licores” (…) (capítulo 7, versículo 2);

“A tua estatura é semelhante a uma palmeira, / e os teus seios a dois cachos de uvas.
Eu disse: Subirei à palmeira e colherei os seus frutos, / e os teus seios serão como dois cachos de uvas” (…) (capítulo 7, versículos 7-8).

Estes  últimos versos, pelo que desconfio, devem ter sido censurados pelo tradutor e, pelo que se vê nas entrelinhas, deveriam ser assim no original: “A tua estatura é semelhante a uma parreira, / e os teus seios a dois cachos de uvas. / Eu disse: Subirei à parreira e colherei as uvas”.

Estes textos são fragmentos do poema “Cântico dos Cânticos”, escrito por Salomão, o rei hebreu mais sacana e descolado do Velho Testamento, que, segundo as teorias de Erick Von Daniken, passeava de disco voador Ásia a fora e teve a desafaçatez de comer a rainha oriental mais sacana, e meio masculinizada (teria pêlos pelo corpo todo, quem sabe não é uma ascendente remota da Schuvaca Horripilis, a amada do Peruca), que atendia pelo nome de Belquis, ou “Rainha de Sabá”!

Pois Salomão, como bom e ardente árabe (que os judeus não passam de árabes arrogantes, primos que são dos descentes de Ismael, o irmão “bastardo”, segundo o Gênesis, de Isac – todos oriundos da piça de Abraão), produziu este livro de profundo, romântico, sensual  e lírico erotismo, que vale muito mais em termos de filosofia de liberdade, prazer e bem-estar para o ser humano que muitos dos sisudos livros e mandamentos moralistas do Velho e do Novo Testamento.

E, milagre dos milagres, conseguiu com que seu poema sobrevivesse, delicioso e intocável, ao longo dos milênios,  em meio ao misticismo rançoso e aos áridos alfarrábios da tradição mais autoritária, anti-prazer e anti-bem estar da História, que produziu a desgraça moralista e coisificante de homens e mulheres no Ocidente: a ideologia judaico-cristã.

Está provado, portanto, para surpresa e fascinação do meu amigo baiano (e de todos os ateus reichianos que necessitem de alguma justificativa mística para se fazerem crer em meio ao rebanho humano), bem como “para escândalo” dos inimigos do prazer e do bem do corpo e da mente, que há sim, saudável e encantadora, putaria na sisuda Bíblia!

Ubirajara Passos