Diante da representação apresentada ao TSE hoje alegando sérios problemas em 40% das urnas utilizadas no segundo turno das eleições presidenciais (ver notícia clicando no link aqui), cujo caráter tecnológico pretensamente antiquado comprometeria a fidedigna expressão da vontade do eleitorado, se torna explícito que o golpismo verbal dos bolsonaristas pós-30 de outubro não é mera reina furibunda sem maiores consequências. Nem o profundo silêncio de seu mito mentecapto.
O golpe está a caminho. Estruturado juridicamente e não apenas alicerçado nas manifestações do que parece, aos olhos ingênuos da maioria, um rebanho demente de fanáticos folclóricos e tresloucados.
Começaram trancando rodovias. Não houve a devida reação legal das autoridades responsáveis.
A seguir foram para a frente dos quartéis bradar e desfilar Brasil afora. O caráter histérico e estrambótico dos protestos bolsonazistas que pregavam de forma escancarada (em flagrante delito de crimes qualificados no próprio Código Penal) o rompimento da ordem jurídica constitucional e democrático não sofreu sequer a reprimenda de de um mero boletim de ocorrência e a reação da maioria dos militantes populares foi de riso e desconsideração diante do que se considerava apenas um bando de fascistas inconsequentes, cuja manifestações hidrofóbas se dissipariam no cansaço do tempo sem maiores repercussões.
A maior parte das organizações partidárias de esquerda e organizações da classe trabalhadora, tranquilizadas pela ideia de que não há clima institucional para qualquer golpe, mantiveram-se silentes, crentes que qualquer reação pública à altura das ações golpistas poderia dar pretexto a um clima de exasperação almejado pelas provocações bolsonaristas e o melhor remédio contra elas seria a indiferença.
Somente alguns poucos movimentos e organizações sindicais e partidárias populares, cientes de que não se trata de mero “mi-mi-mi” de perdedores inconformados e inofensivos, saíram às ruas para protestar contra a incitação expressa ao golpe militar manifestada (e exigir a revogação das reformas trabalhista e previdenciária que foram o principal objetivo da derrubada de Dilma, a prisão de Lula e o apoio à eleição de Bolsonaro), como as mil pessoas que marcharam na Borges de Medeiros, na tardinha de quinta-feira passada em Porto Alegre.
E agora, hoje, depois de semanas de silêncio do líder mentecapto, e muito barulho de seus adeptos, temos o coroamento do que se julgava um mero desabafo tresloucado de perdedores surtados. A contestação à eleição de Lula, e à retomada do processos democrático no Brasil, toma as cores concretas e perigosas de uma representação jurídica perante o Tribunal Superior Eleitoral, visando, com argumentos técnicos duvidosos, anular o resultado de 40% das urnas utilizados e reconhecer a pretensa vitória da candidatura do nazista genocida Jair Bolsonaro à Presidência da República.
Ainda que seja rechaçada pelo TSE e pela suprema corte de justiça do país, a ação e seus argumentos servirão de pretexto não só para os protestos aparentemente inócuos, que já incluíram a tentativa malograda de uma greve geral de patrões, mas para eventuais ações de força concretas do aparato militar, que estariam sendo tramadas a boca pequena nas casernas, segundo membro do Tribunal de Contas da União, conforme áudio vazado nesta semana, e recebido sem a devida importância.
Se não houver a devida ação necessária do judiciário, com a prisão e processamento de todos envolvidos nas manifestações pró-golpe, na forma legal, estará se incrementado de forma perigosa, e talvez inevitável, o desfecho de uma quartelada, eventualmente apoiada por setores do grande capital, que começa a inquietar-se no setor da especulação financeira e acionária, assustado com meras declarações do presidente eleito a respeito da prioridade das necessidades sociais do povo brasileiro frente à austeridade tacanha da “responsabilidade fiscal”.
Mas não podemos esperar pela mera reação institucional das autoridades. Mais do que nunca se faz necessário que a massa trabalhadora, a que sustenta os privilégios inomináveis dos patrões das altas cúpulas, e faz andar o Brasil, ocupe as ruas para evitar o golpe e dar sustentação ao novo governo (inclusive exigir deste o mínimo de compromisso com as multidões que tiveram retirados na marra seus direitos trabalhistas e previdenciários pelo processo golpista inaugurado em 2016).
Ou poderemos assistir até o fim do ano, calados e estupefatos, a inviabilização da posse de Lula ou uma solução de compromisso e “pacificação” similar a que tentou manietar Jango em setembro de 1961, quando o Movimento da Legalidade tornou inviável o golpe contra sua posse, instaurando um parlamentarismo falcatrua e de ocasião, somente derrotado por um plebiscito popular, em janeiro de 1963. Que não evitou, um ano e dois meses depois, a deposição do último governo efetivamente comprometido com as reformas necessárias à garantia da dignidade popular e a defesa do Brasil contra a espoliação internacional, por um golpe (admirado pelo capitão Jair) que, instalando a mais cruenta ditadura fascista e anti-nacional, nos legou o Brasil da miséria e violência generalizada que ainda hoje vivemos.
Ubirajara Passos