Flashes da Infância: o “chiqueirinho”


Ninguém me acredita, especialmente a minha mulher.  Mas a primeira cena de que me lembro, conscientemente e não por ouvir contar e confundir com memória inexistente, é anterior ainda a um ano de idade.

Não sei quantos meses tinha, mas tenho bem claro em minha mente o chiqueirinho de madeira em que me agarrava, com as duas mãos, colocando-me de pé contra seus sarrafos. E, já então, com a mania de romper conceitos pré-estabelecidos e ousar além das possibilidades ditadas pelo senso comum, eu retirava as duas mãozinhas, na tentativa de ficar em pé sem apoio, para, sem equilíbrio nenhum, me arrojar violentamente ao chão.

Não é preciso descrever a choradeira resultante. Até porque, desde bebezinho eu não tinha o menor instinto de auto-defesa e batia forte com a cabeça, sem levar as mãos à sua frente. Talvez tenha nestas quedas que afrouxei irremediavelmente alguns parafusos.

Mas, de todas as características marcantes da minha personalidade já então delineadas, com certeza, a maior era a proverbial teimosia libertária e revolucionária! Com a cabeça ainda doendo, depois de trezentas quedas, na tentativa de equilibrar-me em pé, eu não me dava por vencido e, mais irredutível que  burrro de fábula popular, me levantava novamente e voltava a tentar ficar de pé com as mãos soltas, para novamente dar com a cabeça dura ao solo!

O que eu não podia imaginar (pois a minha consciência não ía além dos sentidos, muito embora me lembre da cena perfeitamente) é que isto de dar cabeçadas na busca de alterar o tido por imutável, sem resultado, mas também sem desistir, uma vez após a outra, seria uma constante vida a fora.

E o que eu supunha menos ainda é que conquistas fundamentais como pôr-se em pé e andar com as próprias patas seriam muitas vezes resultado do acaso, em sensacionais lances sincrônicos e inesperados. Mas isto é história para o meu segundo flash mais antigo.

Ubirajara Passos

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