O ASSASSINATO DE CRISTO – I


 

Não é meu costume reproduzir textos de outros autores. O máximo que me permito, neste blog, é a reprodução de textos históricos (como a carta-testamento do velho Getúlio ou a letra d'”A Internacional”). Mas, neste feriadão de Natal, em decorrência da minha completa falta de inspiração, e caindo bem a discussão crítica do cristianismo, e da própria histeria autoritária e anti-prazer (a que o nosso autor transcrito chama de “peste emocional”) que domina o “Ocidente Cristão”, resolvi publicar o capítulo “Quem é o Inimigo” do livro “O Assassinato de Cristo“, do mestre Wilhelm Reich (o psicólogo do prazer genuíno e puro e da vida livre e expontânea), que esclarece, em profundidade, o drama das nossas vidas:

A verdade é a mais potente arma na mão da Vida. Quem quer que use uma arma deve conhecer seu inimigo. A arma da verdade deve ser usada contra o inimigo da Vida. Uma arma pode ser usada tanto contra o amigo como contra o inimigo. A verdade como uma arma não pode ser usada contra si mesma. Tu não podes atacar  e matar a verdade da Vida viva por meio da própria verdade, assim como não podes tirar a ti mesmo de um buraco puxando-te pelo próprio cabelo. Tu não podes curar a saúde e a felicidade e não podes destruir a verdade da Vida pela verdade da Vida. Da mesma forma que conhecer os caminhos da felicidade e da saúde e da vida somente intensificará a felicidade e a saúde e a Vida, e nunca as destruirá, assim também conhecer mais verdade sobre a verdade da Vida, nunca, jamais destruirá a Vida, mas somente a favorecerá.

Mas a verdade é dinamite que pode matar nas mãos da vida doente. A vida doente não pode usar a verdade sobre si mesma e matar sua doença. Mas a vida doente pode usar a verdade sobre a Vida para matar outra Vida, feliz. E esse é um outro significado da peste.

O inimigo da vida é, portanto, a verdade sobre a vida feliz nas mãos ou na boca ou no cérebro ou nas entranhas da vida doente se esta verdade diz respeito à Vida saudável. Da mesma forma que a carne deteriorada colocada junto da carne fresca fará a carne fresca deteriorar, e nunca a carne fresca tornará deteriorada a carne fresca, assim também o conhecimento dos caminhos da Vida saudável nas mãos da vida deteriorada sempre envenará o bom Viver, e nunca o contrário. A Vida saudável nunca fará o bom viver a partir da vida deteriorada, pestilenta. A vida pestilenta, deteriorada, sabe muito bem que isto é assim e por isso odeia o bom viver mais do que qualquer outra coisa. Você não pode jamais fazer uma árvore retorcida crescer direita outra vez. Isto é ruim, é verdade, mas um fato a ser bem  conhecido no processo de proteger a Vida saúdável.

É verdade também que a vida retorcida pode mutilar, arruinar, despedaçar ou destruir de alguma outra forma um milhão de Vidas boas, mas nunca, jamais a vida maligna, doente, pode fazer uma simples árvore crescer mais rapidamente ou fazer pássaros a partir de peixes, e homens a partir de macacos. Por outro lado, a Vida saudável, o bom viver, pode fazer as árvores crescerem mais rápido e fazer pássaros a partir de peixes e homens a partir de macacos.

E esta é a grande tragedia da vida doente e a ventura da Vida feliz; e a vida doente sabe disso e, por isso, se delicia em matar a Vida saudável e persegui-la sempre que puder.

Ora, como pode o bom viver prevalecer e crescer se a vida doente pode matar a felicidade onde quer que entre em contato com ela? Como evitar que a carne fresca apodreça quando ela se defronta com carne podre, e como evitar que um bebê se deteriore se está em contato com a vida maligna?

Ao longo de muitas eras, as pessoas têm procurado uma resposta a esta questão e não puderam encontrá-la. Elas não puderam encontrá-la porque a resposta foi buscada em grupos inteiros, em instituições inteiras, em corpos sociais inteiros e não no princípio da própria vida deteriorada. Assim, a atenção se voltou para longe do veneno do próprio grupo, e o veneno foi procurado somente no outro grupo. E então foi inevitável que a podridão do próprio grupo infestasse toda a região, enquanto a podridão do outro grupo era combatida com a fúria de uma guerra santa.

O inimigo é a própria podridão contagiosa, não importa onde a encontremos, e não um grupo ou estado ou nação ou raça ou classe específicos.

O remédio não é o contato de luta com a peste. Isso sempre causará contaminação pela peste à vida saudável. Crianças alegres e felizes facilmente assumirão os modos e expressões de crianças doentes. Mas crianças doentes nunca assumirão os modos e expressões de crianças saudáveis. Uma única pessoa perturbada, pestilenta, pode prejudicar um grupo inteiro de homens e mulheres com funções sadias. Um único espião infernal no meio de mil pessoas honestas e confiáveis fará mil espiões inocentes a partir da multidão. Mas um milhão de pessoas confiáveis jamais farão de um vilão estruturalmente espião, um ser humano confiável. Portanto, a resposta não pode ser o contato com e a matança direta da peste. Nunca deu certo matar diretamente a peste; isso apenas contaminou o braço da justiça. A resposta é, até agora, dados os recursos de conhecimento de que dispomos sobre o avanço da peste: ISOLAMENTO E QUARENTENA DA PESSOA OU GRUPO CONTAGIOSO PORTADOR DA PESTE. E a verdade plena sobre a peste, tanto no exterior como em casa, revelou-se implacavelmente, inexoravelmente a todos nós, como feito feito nos Estados Unidos no excelente filme Quando a terra parou (When the Earth Stood Still, 1951).

Existe um objeção a esta solução que permaneceu intocável, como se fosse um acordo silencioso entre a peste e suas vítimas, por um longo tempo. A regra silenciosa era: Não importa a terrível peste. Isto foi e sempre será assim. Não há nada que possas fazer a não ser ignorá-la. Se caíres presa de seus procedimentos assassinos, tanto pior. Assim foi através de todos os tempos. A verdade sempre teve de sofrer; e devem existir mártires da verdade. Nenhum profeta foi reconhecido em sua própria terra natal, porque a verdade sempre foi perseguida. O mundo é como é, nada pode realmente fazê-lo melhor. Não ter irrites com isso. Tu não queimarás somente tuas asas se voares no fogo da loucura humana e tentares resgatar a Vida. A humanidade está podre e permanecerá podre. Afasta-te da política e faze tua parte silenciosamente e sem compromisso notável. Sê um bom cidadão, um sapateiro a a bater nas suas fôrmas. Não tentes melhorar o mundo; ele não pode ser melhorado. O pecado é inato, a malignidade é a própria essência do homem. Sê cortês para com teu assassino, dize “obrigado” a teu enforcador e mostra uma modesta reconciliação com a má sorte que te manteve vinte anos na penitenciária por crime nenhum cometido. Não está dito no livro santo “Ama teu próximo como a ti mesmo” e “perdoa teus inimigos”? Está. Portanto, fica quieto. Tua vida é curta, e de qualquer modo tu és um verme insignificante. Portanto, comporta-te com dignidade e não prestes atenção ao Assassinato de Cristo. Ninguém jamais prestou atenção a ele; ele sempre foi desdenhado e ninguém se importou com ele. A verdade terá vencido em última instância, não importa quanto tempo isso leve e quantas vítimas custará a busca da verdade. Todos nós sabemos muito bem que nenhuma guerra jamais mudou nada e que tudo sempre permaneceu como tem sido pelos tempos afora. Não há nada que possas fazer quanto a isso. Se desejas fazer algo, tenta ser agradável para com teu inimigo e convencê-lo de tua boa vontade. Tu podes ou não conseguir mudar seu coração.

Toda essa conversa foi criada pela peste, clandestinamente, para se manter. Ninguém na fonte da Vida viva jamais disse que se deveria perdoar o inimigo, nem mesmo Cristo, que puniu seus inimigos e os inimigos da humanidade e amaldiçoou-os com o inferno. Foi a peste que, a fim de proteger-se contra a justa ira da Vida viva, mudou o significado das palavras de Cristo, de “compreende teu inimigo” para “perdoa teu inimigo sob todas as circunstâncias e por todos os meios. Não toques teu inimigo, não lutes por tua vida, tua honra, tua reputação contra a peste que te ultraja. Volta a outra face, para receber outro tapa”. Foi o caráter pestilento, aqui como em toda parte, que virou de cabeça para baixo o significado das palavras para continuar impunemente com seus feitos malignos. E o portador pesitlento da peste está sendo apoiado por princípios de liberalismo, interpretados de forma errada e baseados ou em  simpatia inconsciente pela peste ou em medo dela.

Ninguém, no surgimento do liberalismo humanitário, jamais proclamou que alguém devesse dar o direito de livre trânsito ao espião criminoso, à raposa sub-reptícia, ardilosa, que te esfaqueia pelas costas enquanto te presenteia com um buquê de rosas que explode em teu rosto. É mais uma vez o Zé-Ninguém, que admira a eficiência ardilosa da peste de braço forte, que transforma o significado de um liberalismo autêntico no non sense de deixar assassinos e ladrões e homens cujo objetivo é te matar, rondar tua casa de noite, sem que faças uso de tua arma.

Quem, então, é o inimigo da Vida viva, que é a eterna vítima da peste? O inimigo é a furtividade do caráter pestilento em todos os campos, à esquerda e à direita, em estratos sociais altos e baixos, tanto na repartição governamental como na fábrica de sapatos, tanto no laboratório bacteriológico como na igreja de Santa Maria, no partido democrático como no partido comunista, em cada escola, família, grupo, classe e nação deste planeta.

O inimigo está em toda parte. Nenhum limite geográfico ou racial separa o amigo do inimigo. Como então podemos confiar uns nos outros? Como podem ser erigidos ” a boa vontade entre os homens” e a “a paz na terra” se isso é assim?

A resposta é:

Aprende a conhecer o que é a Vida e como a Vida opera. Aprende, finalmente, a lutar pela Vida como até agora só tens lutado por imperadores e duques e führers e idéias e honras e saúde e pátrias-pais e pátrias-mães efêmeras. Finalmente começa a lutar pela Vida! E: aprende a distinguir a expressão de um rosto honesto, aberto, daquela de um rastejador e de um mentiroso caracterológico. SE AMAS TEUS FILHOS, APRENDE A LER A EXPRESSÃO FACIAL DE UM MODJU.

Não sejas paciente para com o matador da Vida se tua paciência para com um único matador ajuda a matar milhares de bebês e conduz milhões de pessoas para os esgotos, à morte. De que valem teus altos valores na medida em que as pessoas padecem de fome do estômago e de fome de amor, na medida em que foges da questão verdadeira,  crucial, que é o simples desvio dos fatos plenos que fazem a Vida miserável? De que vale tua boa vontade se não ousas revelar a podridão venenosa que infesta tua vizinhança com mexericos, de forma que nenhum par amoroso não-licencioso possa se mover livremente, e que leva ao suicídio ou à insanidade muitos homens e mulheres e rapazes e garotas na porta de teu vizinho?

Teus valores estão todos corretos, mas faze-os operar. Tua atitude tranqüila diante do mal oculto é o próprio mal, nada além de um subterfúgio. Tua sociabilidade não vale o sorriso em tua face se é apenas para acalmar o animal selvagem em teu amigo ou para ganhar alguma vantagem. Tua alegria e tua boa vontade e tua qualidade de bom vizinho são todas coisas corretas e muito boas, mas está atento à toupeira subterrânea que escava seus próprios alicerces e que é protegida por teu falso liberalismo.

Tu dizes: “Atingir a completa liberdade de expressão e ação é muito perigoso. Quem deveria ser o juiz do que é bom e do que é mau?” Estás certo: quem deveria ser o juiz? Mas por que não julgar os juízes, ler as expressões nos rostos e distinguir a cara de um vilão da cara de uma alma honesta? Que outra forma propões para deter o Assassinato de Cristo?

O inimigo é esta tua conversa. O inimigo está no meio de todos nós. O inimigo é tua relutância em lutar pela Vida e felicidade dos bebês como lutas por teus altos ideias. Teus ideais não são nada fora da Vida viva.

O inimigo é tua simpatia secreta pelo matador da Vida, uma simpatia fundada em teu medo da tristeza profunda e da alegria exuberante. O inimigo é tua própria insensibilidade, que serve para te proteger contra o sentimento pleno da Vida.

Portanto, proteges a peste e ficas falando bobagens sobre o amor pelo vizinho. Portanto, se puderes escolher, preferirás a peste à Vida viva, para escapares da excitação da Vida, e entregar-te-ás à insensibilidade e não á plenitude da experiência. O mal te atrai porque evitas a agitação que o bem ocasiona. Desejas apenas teus pequenos prazeres, a fodazinha, o papelzinho lido na convenção, o pequeno significado no grande ensinamento, em todas as coisas o pouco, o estreito, o monótono, o rotineiro.

 

“VESTIBURRAR”


No último domingo, às 8 h 30 min da manhã, lá me encontrava eu, em pleno surto de revolução existencial, arrebatado no vendaval das incertezas da perseguição política que estou sofrendo e que pode me usurpar o emprego e me jogar na valeta do banimento sócio-econômico, fazendo a besteira de que evado há mais de vinte anos, sentado, como todo calouro, mudo e taciturno, na “classe”  de uma sala de aula de uma faculdade local.

Em meio à década dos quarenta, com um atraso eterno e infinito, me expunha a outrora tão desejada, e tão evitada nos últimos anos, prova vestibular! É bem verdade que o curso não era o mesmo que, formando do Técnico em Contabilidade (especialização do chamado 2.º grau, hoje ensino médio), há um quarto de século, me propunha enfrentar. Ao invés de Sociologia (que só pretendia cursar em razão dos meus preconceitos de pretenso revolucionário social-democrata) a coisa agora era o Direito (que, por razões “práticas”, como a possibilidade de alçar cargos de chefia no serviço público do judiciário, apresentava-se como desafio necessário). E entre ambas as auto-imposições havia a vocação frustrada de antropólogo ou jornalista…

Mas este não era o único contraste entre o exame de admissão ao curso superior dos meus tempos de piá e o atual. Se em 1984 eu teria de me submeter a uma bateria de textes de conhecimento, da Matemática aos “conhecimentos gerais”, passando pela Física e pela língua estrangeira, em tempos em que Gravataí, já uma das mais populosas e industrializadas cidades do Estado do Rio Grande do Sul, nem sonhava em ter um curso de ensino superior (hoje além das diversas especialidades do campus local da Universidade Luterana, a Ulbra, possui os cursos da Faculdade Cenecista Nossa Senhora dos Anjos, a Facensa), a tortura do dia era uma simples prova de redação!

O que em nada me tranqüilizava, e me fazia suar frio na palma das mãos, pois a eventualidade de ter de discorrer sobre um tema idiota e mal conhecido como futebol ou o mundo das modelos (coisa que bem poderia ocorrer em seleção de faculdade de província) me deixava naturalmente tenso.

Mas, apesar do pavor de calouro quarentão, e até para ver se me distraia e relaxava um pouco, sentei-me exatamente em meio à sala e, dali, me dediquei, até o início da prova, ao esporte de observar os meus companheiros de infortúnio. E pude constatar que, no zoológico pré-universitário em que me achava, havia representantes de todas as famílias e espécies.

À minha direita, chamando a atenção até pela deformação que provocava no espaço à sua volta (que, exatamente como as adjacências de grandes astros, na teoria einsteiniana da relatividade geral, contrai-se e curva-se nas proximidades da massa estrelar) estava o típico gordo juvenil com excessiva massa corpórea e inversamente equivalente capacidade mental, estabanado e tímido.  À esquerda, o seu contraponto físico (e colega de mentalidade), o magrão pequeno-burguês tatuado, malhado, prepotente, metido a surfista, gostoso e conquistador, que se acha muito esperto e conta com o suborno do papai para entrar na faculdade, comprar o diploma e, depois  de formado, ganhar aquela grana, enrolando os trouxas com sua fantástica lábia e aquele ar irresistível de michê de luxo! Entre eles, podia-se ver toda espécie de histéricas filhas da peste emocional, das gatinhas metidas a “Barbie” às dolorosas senhoras de meia-idade, de ar conpungindo e cara amarrotada.

O que nos igualava a todos, entretanto, era a triste situação de gado humano, quieto e apreensivo, como ovelhas do rebanho, ante à pose dos fiscais e à burocracia típica do certame.

Até que,  abrindo o caderno de provas, quase tive aquele ataque de abobadice pura e simples. O tema da redação, numa estranha e feliz coincidência para mim, processado por manifestar meu pensamento, na reedição moderna do crime de opinião, era nada mais que “liberdade de expressão”. E, após alinhar três textos a respeito, a prova propunha a realização de uma dissertação, de 20 a 25 linhas, que respondesse ao questionamento: “Como as pessoas podem expressar-se com liberdade em nosso país?”. Para evitar acidentes de percalços aos mais tapados “tigrões” da classe média local, as instruções advertiam: “É necessário que tenha um título…” e “Organize sua própria argumentação” (não copie as frases  do texto como se fossem suas)”.

Não tive dúvidas! Tendo de resumir e simplificar ao máximo o texto, para não acabar escrevendo um ensaio, e seguindo as regras burocráticas típicas, como a estruturação de um parágrafo introdutório, dois de desenvolvimento e um de conclusão (com no mínimo cinco linhas os dos extremos do texto), escrevi (com direito a rascunho e transcrição para a folha definitiva), na metade do tempo previsto (que era de três horas) a dissertação abaixo, em vinte e seis linhas (talvez tenha sido este o meu imperdoável pecado estilístico e gramatical), que reproduzo exatamente na forma como foi apresentada para que os leitores possam ter idéia de sua “correção”:

“Há Liberdade de Expressão no Brasil?

A Constituição de 1988 garante a todos os cidadãos brasileiros o direito de expressar o seu pensamento sem sofrer quaisquer limitações ou sanções em decorrência de seu exercício. O indivíduo pode até ser responsabilizado civilmente por possíveis danos à imagem de outrem, mas ninguém pode impedi-lo de manifestar-se. Até que ponto isto é uma realidade?

Se levarmos em conta que vivemos em uma sociedade desigual, em que o abismo entre os mais aquinhoados e a massa dos trabalhadores é dos maiores do mundo, esbarramos, de imediato, em sério empecilho concreto à liberdade de expressão. A “opinião pública” é, em geral, o resultado do que circula na imprensa, e esta, dominada pelo monopólio do grande capital, espelha os interesses de seus financiandores, não deixando margem para o  ‘Zé Ninguém’.

Há também limitações à liberdade de expressão dos servidores públicos, nos estatutos das mais diversas instâncias do Estado, com sanções absurdas como a demissão por “crime de opinião”.

A liberdade de expressão do brasileiro comum é, portanto, hoje em dia, mais teoria que prática efetiva. E só se tornará realidade tensionando-se as estruturas sócio-econômicas e os preconceitos culturais e ideológicos que a limitam. É preciso que não nos calemos diante de seu impedimento e exijamos, pelos meios legais, como ações no Judiciário, seu pleno cumprimento.”

Como o leitor pode constatar, posso ter engolido uma vírgula ou uma preposição que outra, mas segui exatamente a cartilha da boa dissertação, não fugindo do tema, nem quebrando o esquema clássico de introdução, desenvolvimento, conclusão, e praticamente não cometi erros ortográficos ou de concordância.

E, chegado em casa, anunciei para a minha mulher, agora em crise de euforia auto-apaixonada, que era impossível ter sido reprovado e o negócio era uma barbada. Foi assim que, trepidante de ansiosa e confiante alegria, abri o site da “ilustre” faculdade, às vinte horas do modorrento e abrasador domingo, para descobrir, assustado e raivoso, que meu nome não constava sequer da lista de “suplentes” aprovados e que, com certeza, o gordo babão ou o brucutu (desculpem-me os leitores com menos de quarenta anos) de bermuda e regata deviam ter uma capacidade intelectual e literária fantástica, digna dos mais sofisticados  e sábios escritores deste país, para se classificarem, enquanto eu, reles mortal sem grana e ligações na “boa sociedade”, era tão ignorante que sequer fora classificado (o que, segundo as regras da prova, só ocorre se o candidato obtiver nota inferior a 2,0).

Como a vigarice legalmente aceita do “manual do candidato” publicado dá a lista de aprovados por “irrecorrível”, e eu não estava a fim de me molestar ajuizando mais uma ação por tão pouco, resolvi me recolher à minha “insignificância” de rebelde letrado (condição que, no país do pretens0 semi-analfabetismo célebre, corresponde à completa debilidade mental) e apenas trazer a público a triste e real anedota. Como há muito venho escrevendo nos panfletos ou matérias do movimento Indignação, em mais este caso, “qualquer semelhança é mera coincidência”.

Ubirajara Passos

À GUISA DE RESPOSTA AO ÚLTIMO COMENTÁRIO SOBRE “O CHAMADO DO DEMÔNIO”


Cara Linda:

Infelizmente não és a primeira criatura que, diante de “satânicos” ensaios como o comentado, e movida pelo fanatismo, confunde o sarcasmo metafórico e a gaiatice antropológica com a pretensa defesa de uma suposta seita diabólica (assim como os meus perseguidores político-patronais – os senhores manda-chuvas do judiciário gaúcho – confundem linguagem espontânea e pura, ausência de hipocrisia e contundência sem rodeios e bem-humorada com obscenidade e agressiva “injúria”).

Não vou, portanto, repetir-me e repisar tudo o que já foi dito a respeito deste tema. Mas gostaria de lembrar, sem qualquer ânimo de deboche, que Cristo era o sujeito mais tolerante, “bon vivant”, racional  e livre do contexto social em que vivia. Não é por acaso que seu primeiro milagre foi justamente transformar água em vinho (uma terrível droga corruptora das “virtudes morais” e do “dever”, segundo os beatos secos e chatos cujo maior gozo é o falso auto-flagelo altruísta e o concreto sofrimento alheio) e que adorava conversar com os “malditos” da sociedade judaica: mulheres, cobradores de impostos, ladrões e putas (porque sabia que, vítimas que eram do poder iníquo dos lacaios coloniais lambedores do saco romando, a elite sacerdotal e letrada do lugar, tais membros da “ralé”, estavam mais próximos da condição legítima de “gente” do que seus algozes).

Logo, se Cristo vem em breve, não vai acabar meu culto, porque, se tenho um, ele é o da liberdade, do prazer e do direito à própria dignidade e bem-estar puro e simples a que cada bicho humano deveria ter. E, ao invés de temer o teu suposto Cristo bronco, sádico e vingativo, amo apaixonadamente uma mais criaturas mais revolucionárias, sensíveis e sem rodeios que já habitou este planeta e que, se realmente pudesse retornar a ele, estaria agora, de braços dados comigo, lutando pelo gozo, pela liberdade e pela santa loucura de fazer e dizer o que se pensa e o que se sente, sem qualquer temor nem compromisso tacanho e redutor da condição humana (que vai muito além da rotina mecânica e utilitarista).