Por incrível que pareça, como já dizia o velho e sacana Rei Salomão, no Eclesíastes (outro livro seu fantástico, de que tratarei de reproduzir trechos brevemente), nunca “há nada de novo sob o sol”, mas apenas “tédio e vaidade”.
Este blog já havia sido censurado pelo ímpeto persecutório da administração anterior do judiciário gaúcho (o que resultou na minha suspensão por sessenta dias, praticamente sem salário, em razão de uma crônica aqui publicada) e agora, durante a campanha eleitoral para coordenador-geral do Sindjus-RS (a própria entidade que deveria defender a liberdade de expressão e pensamento de seus filiados), foi novamente censurado, e difamado, por componentes da chapa, que, casualmente, ocupa já a direção da entidade.
Com o nítido e anti-ético objetivo de influenciar os eleitores menos conscientes e de mentalidade ainda patriarcal e moralista (desviando-os do voto em uma chapa de oposição classista, pró-servidores, combativa e anti-pelega) foram divulgados, fora de contexto e de maneira distorcida, poemas deste blog que fazem parte da sua seção “erótica”, digamos, mas não passam de pura sátira anarquista e reichiana, já mencionados em posts anteriores, caracterizando a mim e, o que é pior, aos meus próprios companheiros de chapa (que não possuem nenhuma responsabilidade sobre o que aqui é publicado) como um tarado devasso e a este blog como uma suprema peróla da “imoralidade sexual” e da pornografia. Tudo feito da forma mais sutil e torpe que caracteriza a estratégia e a tática política do fascismo petista.
Companheiros meus de chapa haviam, prevendo a manobra infeliz, me sugerido que tirasse este blog do ar durante a campanha. Mas, como isto seria de uma desonestidade intelectual inaceitável, pois não é prática minha florear ou esconder a realidade em prol do proselitismo eleitoreiro resolvi mantê-lo, assim como preferi nã0 responder as acusações subterrâneas, para manter o nível político da campanha. Até porque retirá-lo seria ceder também à “patrulha ideológica” da intolerância falso-moralista e do fascismo informal em que vivemos.
Mas, infelizmente, parece que um dos fatores da derrota da nossa chapa foi justamente a intolerância incentivada de boa parte do eleitorado. Não mudará em nada a realidade eleitoral, já abertas e apuradas as urnas há mais de uma semana, mas tomando-o de empréstimo, a guisa de resposta para os companheiros trabalhadores do judiciário induzidos pela difamação petista, e de alerta aos freqüentadores deste blog, publico abaixo um trecho da biografia de Érico Veríssimo (o grande romancista gaúcho), constante da seção 1 do capítulo “O Escritor e o Espelho” de Solo de Clarineta – volume II, que dá conta de casos desta natureza:
“Em geral , quando termino um livro encontro-me numa confusão de sentimentos, num misto de alegria, alívio e essa vaga tristeza que vem após o ato do amor físico satisfeita a carne. Relendo a obra mais tarde, quase sempre penso assim: ‘Não era bem isto que eu queria fazer’.
Chegamos assim a um assunto que eu gostaria de discutir com mais vagar. Sou habitualmente apontado como um escritor erótico ou mesmo pornográfico.
Por que – me perguntam às vezes – tenho tanta preocupação com o sexo? Ora, respondo, decerto é porque no fundo sou um puritano. Mora dentro de mim um pastor protestante a pregar interminavelmente um sermão apocalíptico contra o pecado da carne, e eu não posso consentir que esse homenzinho emascule as minhas personagens ou a mim mesmo.
Por outro lado quero contribuir para que o problema do sexo seja examinado com mais coragem, honestidade, espírito adulto… e saúde. Muitas vezes fico alarmado ao pensar que, relativamente falando, um leitor sente menos indignação ao tomar conhecimento do assassínio de seis milhões de judeus nas câmaras de gás asfixiante dos campos de concentração nazistas, ou do lançamento da bomba atômica em Hiroxima que rendundou na morte de mais de cem mil pessoas, ou ainda saber que mais de dois terços da população do Brasil vive numa miséria abjeta – do que quando lê num romance uma cena erótica descrita com clara franqueza. O que quero dizer é que noto uma desproporção absurda, direi mesmo monstruosa, entre a natureza e a intensidade desses dois tipos de indignação.
Falando com a maior sinceridade, para mim pornografia mesmo é a crueldade do homem para com seu semelhante, a exploração do homem pelo homem; obscenidade é a guerra e o genocídio. Os mocambos do Recife, as favelas do Rio e de centenas de outras cidades da nossa terra constituem as mais indecentes e repulsivas páginas e cenas da vida brasileira.
Acho que os verdadeiros pornógrafos da História – já que uma pessoa realmente adulta só poderá sorrir das grotescas fantasias eróticas do Marquês de Sade – foram homens como Tamerlão, Nero, Calígula, Mussolini, Hitler –, para mencionar apenas os primeiros nomes que me brotam na mente.
Quanto à questão dos ‘nomes feios’, creio que não existe nada mais ridículo que esse supersticioso temor a certos vocábulos que, afinal de contas, não passam de sinais ou símbolos convencionais. Tomemos por exemplo a famosa palavra de quatro letras que designa a mais antiga das profissões. Conta-se que Ruy Barbosa descobriu dezenas de sinônimos, entre os perfeitos e imperfeitos, para o termo prostituta, de maneira que não temos nenhuma desculpa quando usamos a palavrinha tabu. No entanto em toda essa história o que importa mesmo, o realmente deplorável e melancólico é a existência da prostituição, o que não parece preocupar muito as pessoas mais sensíveis às palavras do que às coisas que elas representam.
Isso nos dá uma idéia da terrível importância da linguagem. Vivemos tolas e terríveis ilusões semânticas . Por causa de palavras ou frases matamos ou morremos, sentimo-nos desgraçados ou infernizamos a vida de nossos semelhantes. Qualquer ato ou fato, por mais reprovável que seja, de acordo com paradigmas morais rígidos, perde a sua força, a sua natureza pecaminosa e tende a ser ignorado ou esquecido quando não verbalizado, principalmente em romances. Fazer, pois, não é tão importante, tão grave quanto dizer ou escrever. Quantas vezes transferimos a culpa duma situação vergonhosa – que na realidade cabe a um regime político-econômico ou a uma conjuntura social – para cima dos ombros dos jornalistas ou do ficcionista que ousou reproduzi-la numa reportagem ou num romance?
E é exatamente por causa da exagerada importância que damos às palavras que nós muitas vezes resolvemos nosso problemas apenas no papel, isto é, de maneira verbal, e vamos dormir tranqüilos. Porque se ninguém jamais pronunciar ou escrever a palavra puta (desculpem se me escapou o ‘nome feio’) a prostituição deixará de ter existência real.”
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