Paris, primavera de 1871. Diante da rendição vergonhosa do novo governo republicano às tropas invasoras alemãs, o povo da capital francesa se auto-organiza e toma o poder, correndo o aparato estatal burguês, que se refugia no velho palácio “nobre” de Versalhes, sob a proteção do exército do Kaiser Guilherme, que é coroado Imperador em plena “Sala dos Espelhos”.
Em 40 dias de heróica resistência a “Comuna de Paris”, formada por todos os matizes de revolucionários, de marxistas a anarquistas, realiza, pela primeira vez na história da humanidade, em concreto, o sonho da peonada livre e sofrida, estabelecendo a administração auto-gestionária da cidade, que passa a ser governada pelos próprios trabalhadores, decretando, entre outras medidas (conforme consta do artigo da Wikipédia), as resoluções seguintes:
- O trabalho noturno foi abolido;
- Oficinas que estavam fechadas foram reabertas para que cooperativas fossem instaladas;
- Residências vazias foram desapropriadas e ocupadas;
- Em cada residência oficial foi instalado um comitê para organizar a ocupação de moradias;
- Todas os descontos em salário foram abolidos;
- A jornada de trabalho foi reduzida, e chegou-se a propor a jornada de oito horas;
- Os sindicatos foram legalizados;
- Instituiu-se a igualdade entre os sexos;
- Projetou-se a autogestão das fábricas (mas não foi possível implantá-la);
- O monopólio da lei pelos advogados, o juramento judicial e os honorários foram abolidos;
- Testamentos, adoções e a contratação de advogados se tornaram gratuitos;
- O casamento se tornou gratuito e simplificado;
- A pena de morte foi abolida;
- O cargo de juiz se tornou eletivo;
- O calendário revolucionário foi novamente adotado;
- O Estado e a Igreja foram separados; a Igreja deixou de ser subvencionada pelo Estado e os espólios sem herdeiros passaram a ser confiscados pelo Estado;
- A educação se tornou gratuita, secular, e compulsória. Escolas noturnas foram criadas e todas as escolas passaram a ser de sexo misto;
- Imagens de santos e outros apetrechos religiosos foram derretidos, e sociedades de discussão foram criadas nas Igrejas;
- A Igreja de Brea, erguida em memória de um dos homens envolvidos na repressão da Revolução de 1848 foi demolida. O confessionário de Luís XVI e a coluna Vendome também;
- A Bandeira Vermelha foi adotada como símbolo da Unidade Federal da Humanidade;
- O internacionalismo foi posto em prática: o fato de ser estrangeiro se tornou irrelevante. Os integrantes da Comuna incluíam belgas, italianos, poloneses, húngaros;
- Instituiu-se um escritório central de imprensa;
- Emitiu-se um apelo à Associação Internacional dos Trabalhadores;
- O serviço militar obrigatório e o exército regular foram abolidos;
- Todas as finanças foram reorganizadas, incluindo os correios, a assistência pública e os telégrafos;
- Havia um plano para a rotação de trabalhadores;
- Considerou-se instituir uma Escola Nacional de Serviço Público, da qual a atual ENA francesa é uma cópia;
- Os artistas passaram a autogestionar os teatros e editoras;
- O salário dos professores foi duplicado.
O exército regular da França, entretanto, com mais de cem mil soldados, grande parte libertada pela tropas do Kaiser, no primeiro exemplo do colaboracionismo ínternacional burguês da História, toma a cidade, depõe o governo popular e, numa chacina inédita e sem piedade, executa entre 50.000 e 80.000 parisienses, tanto no assalto militar, quanto na repressão política que se seguiu.
Em meio ao furacão da primeira grande revolução socialista, o poeta Eugéne Pottier compõe o que se tornaria, mais tarde, o hino da Associação Internacional dos Trabalhadores, e o próprio manifesto musical da luta de todos os revolucionários do mundo (sendo o próprio hino oficial da extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, na era estalinista), cujo conteúdo, bem mais radical e efetivo que muito programa político formal de muito partidinho socialisteiro, abaixo reproduzo:
A Internacional
De pé, ó vítimas da fome!
De pé, famélicos da Terra!
Da idéia a chama já consome
A crosta bruta que a soterra.
Cortai o mal bem pelo fundo!
De pé, de pé, não mais senhores!
Se nada somos neste mundo,
Sejamos tudo, ó produtores!
Bem unidos façamos,
Nesta luta final,
Uma terra sem amos,
A Internacional.
Messias, Deus, chefes supremos,
Nada esperamos de nenhum!
Sejamos nós quem conquistemos
A Terra-Mãe livre e comum!
Para não ter protestos vãos,
Para sair deste antro estreito,
Façamos nós por nossas mãos
Tudo o que a nós nos diz respeito!
Bem unidos façamos,
Nesta luta final,
Uma terra sem amos,
A Internacional.
Crime de rico a lei o cobre,
O Estado esmaga o oprimido.
Não há direitos para o pobre,
Ao rico tudo é permitido.
À opressão nãos mais sujeitos!
Somos iguais todos os seres.
Não mais deveres sem direitos,
Não mais direitos sem deveres!
Bem unidos façamos,
Nesta luta final,
Uma terra sem amos,
A Internacional.
Abomináveis na grandeza,
Os reis da mina e da fornalha
Edificaram a riqueza
Sobre o suor de quem trabalha!
Todo o produto de quem sua
A corja rica o recolheu.
Querendo que ela o restitua,
O povo só quer o que é seu!
Bem unidos façamos,
Nesta luta final,
Uma terra sem amos,
A Internacional.
Fomos de fumo embriagados,
Paz entre nós, guerra aos senhores!
Façamos greve de soldados!
Somos irmãos trabalhadores!
Se a raça vil, cheia de galas,
Nós quer á força canibais,
Logo verá que as nossas balas
São para os nossos generais! Bem unidos façamos,
Nesta luta final,
Uma terra sem amos,
A Internacional.
Somos o povo dos ativos,
Trabalhador forte e fecundo.
Pertence a Terra aos produtivos;
Ó parasitas, deixai o mundo!
Ó parasita que te nutres
Do nosso sangue a gotejar;
Se nos faltarem os abutres
Não deixza o sol de fulgurar!
Bem unidos façamos,
Nesta luta final,
Uma terra sem amos,
A Internacional.
Comuna de Paries, 1871
Eugéne Pottier