O Kung-Fu…dido


Segundo os grandes mestres, a arte milenar do Kung-Fu é bem mais rica do que divulgam os instrutores vigaristas no Ocidente. Um antigo pergaminho, escrito em pele de camelo, encontrado recentemente em Kandahar, na rota da seda, no Afeganistão oriental, menciona a existência de diversas modalidades da arte marcial espiritual. Há o estilo do macaco, da serpente, do tigre. Todos eles conhecidos e praticados há milênios, no Extremo-Oriente.

O manuscrito, entretanto, não é um mero atestado da antiguidade da prática guerreira e religiosa e suas nuances. Suas honoráveis inscrições trazem à tona uma sensacional revelação: o estilo do bêbado, que teria surgido da forma de lutar do temido, e por todos conhecido, mestre Qin-Cacha-Sabraba.

Diz a lenda que o mestre “Qin” (que foi, além de tudo, um exímio veterano na arte de entornar saquê), um belo dia mergulhava em uma piscina de aguardente de arroz, quando atingiu, em plena vida, a suprema iluminação. E, morrendo afogado no goró, teve a alma condenada a vagar pela eternidade até encontrar o sujeito perfeito, capaz de encarnar novamente, em vida, sua refinada e profunda arte.

Assim, uma vez a cada cem anos os poderes místicos de Chang Chu Lin (o novo nome que o mestre recebeu de seus orientadores no outro mundo) se apodera do corpo de um mortal em transe (que tanto pode resultar da intensa meditação como de um bruto porre), à procura do avatar ideal e da liberação final do ciclo mundano.

Pois no último Natal eu me encontrava em um churrasco na casa do Pastor Kadu, acompanhado da turma do Peruca, e do Castelo Branco, todo mundo enchendo os cornos de cerveja, quando o Camarguinho-chama-o-Hugo, depois de uma rodada de Skol, sumiu subitamente, diante de todos nós, sem deixar rastro nem vestígio.

E, apesar de todas buscas na redondeza, e frustradas tentativas de contato telefônico, desapareceu por completo, até as quatro horas da manhã, quando o Franja (Pastor Gílson Pirâmide) se esgueirou no caminho de casa pra dar uma vomitada e ouviu aquela voz enrolada ao seu lado: “Eles tentaram me bater, aquele bando de filhos de uma puta e me deixaram sozinho! γ± ¥£ УÐ∏Λ◊ ∏η≈ ‡£≡ Λ◊Þ◊”

Apavorado, o Gílson ergueu as guampas e viu o Camarguinho, que pulando e rodopiando como um louco, repetia a frase enigmática em chinês antigo: “γ± ¥£ УÐ∏Λ◊ ∏η≈ ‡£≡ Λ◊Þ◊!!!”. E, antes que pudesse perguntar o que queria dizer aquilo, o sujeito evaporou na sua frente!

O Franja jura que o episódio foi real e não uma alucinação de bêbado. E assim que chegou em casa foi consultar seu manual de chinês (que comprou pra poder incrementar os negócios internacionais de seu mais novo empreendimento, a firma Law King Chonga Ltda., especializada em importação de dardos coreanos) pra traduzir a coisa. E chegou à conclusão que o Camarguinho-chama-o-Hugo pode ter sido vítima do vetusto espírito kung-fu. Pois uma das traduções possíveis corresponde a um antiqüíssimo provérbio: “O espírito de um verdadeiro guerreiro não desaparece com o tempo”.

O problema é que, segundo nosso tradutor camelô, a frase, dependendo da época em que viveu o pretenso lutador, pode significar também: “Cu de bêbado não tem dono!”

Ubirajara Passos

XUPAXOTA E O PORRE OCEÂNICO – parte 2: bancando a babá do pinguço


O pânico de me transformar num maneta, de uma hora para a outra, foi tão grande que nem o Rivotril foi capaz de me fazer relaxar. E assim, passei a madrugada e a manhã inteiras deitado no sofá da biblioteca, sem dormir nenhum segundo.

Mas, seu eu julgava estar passando por uma das maiores tragédias da minha vida, nem imaginava o drama que viria! Terça-feira era dia de faxina na casa do meu amigo e a sua diarista (uma mulata alegre e extrovertida) havia vindo trabalhar acompanhada do marido, um motoboy tão aficcionado por um papo sacana e um trago quanto eu e o Xupaxota. E o resultado é que, ainda apavorado com a mão paralítica (que não servia nem pra bater uma punheta), e receoso de vir a ter algo pior, tive de assistir, sóbrio, os três bebendo vodka e falando safadezas pela tarde toda.

A tardinha chegou, o casal foi-se, e tudo o que eu queria era me encolher num canto, descansar e dormir. Mas o baiano já estava completamente bêbado e, como era previsível àquela altura (proporcional à profundidade de Natasha entornada – a pobre garrafa já estava quase seca), só pensava em cabaré. O que, aliás, não era nenhuma novidade. Se há assunto em comum que cimenta nosso amizade é a putaria. E, quando nos encontramos, ou passamos horas debatendo e trocando experiências a respeito, ou simplesmente praticando a sacanagem em qualquer maloca (como se apelidam as casas de tolerância no interior do Rio Grande do Sul).

E foi assim que, primeira vez na vida, eu, boêmio e bêbado de carteirinha, estava ali: uma mulatinha tarada ao meu lado, me bolinando e dando um beijo de língua daqueles, de fazer até veado ficar de pau duro, e, sobre a mesa, nos fazendo companhia uma vistosa garrafa… de guaraná!

Mas, se eu padecia a involuntária abstinência, o Xupaxota se dilacerava num seríssimo (e doce) dilema. Alvoroçado como cachorrinho novo, não sabia se dava atenção à loirinha gostosa de seios empinados e biquinhos róseos (nua em pleno salão, a safadinha) ou às garrafas de Polar (a cerveja gaúcha típica) que lhe sorriam e davam piscadelas maliciosas, enfileiradas sobre a mesa.

Por sorte o meu paradoxal infortúnio durou pouco. A Bia do 21 é um desses bordéis para vadios (favelados ou senhores burgueses) que tem tempo para farrear durante o dia e fecha às oito horas, logo após o anoitecer. Enfim eu poderia me deitar, tentar dormir e me preparar para a consulta médica, que me confirmaria a gravidade menor da “mão boba”, no dia seguinte, além de me proporcionar o tratamento urgente para a depressão e a maldita ansiedade generalizada!

Foi então que a coisa aconteceu! Meu amigo Xupaxota já havia tomado porres de todo tamanho nas nossas expedições pela putaria porto-alegrense. E já havíamos aprontado as maiores encrencas. Numa quentíssima tarde de sábado, duros de goró, uma certa feita, chegamos a abordar, em plena rua Alberto Bins, uma dupla de freiras, vestidas de pesado e preto hábito, para perguntar onde ficava o cabaré mais próximo. Mas desta vez o meu parceiro ateu parecia estar “piçuído” pelo exu Zé Pelintra.

O gordo putanheiro bêbado havia resolvido que queria ir pra Cláudia Drink Bar à procura da Giovana e ameaçava embarcar no primeiro lotação que visse pela frente (quase vai parar na Zona Norte, quando o inferninho pretendido ficava no limite entre a Cidade Baixa e o Centro). E com muito custo o convenci a pegar um táxi na esquina da Leonardo Truda com a Siqueira Campos, junto ao Country Club. O indócil bebê quarentão, turbinado na mamadeira de vodka e cerveja, podia cambalear, mas estava atento o suficiente para desconfiar da minha intenção de confiná-lo no apartamento, para evitar que lhe esvaziassem o bolso no primeiro “prostíbulo” vigarista.

E como todo gambá é teimoso por definição, fui lhe enrustindo, jurando que o levaria à Giovana, ao invés de tentar arrastá-lo à força. Até porque o gigante de mais de cem quilos requeria um guindaste para tanto. Salva a pátria dos bebuns frustrados, consegui colocá-lo dentro do táxi de um sujeito carrancudo, mal-encarado. Mas, enfim, é o que havia à mão…

Já sentados, suspirei aliviado.E aí o rotundo “Dom Quixote” bêbado, de que eu era um Sancho Pança às avessas, vira para o motorista e lasca em português perfeito (pronunciando até o erre):

— Posso mijar?

— No meu táxi não! Pode ir descendo!

— Ah não meu! Eu tô cuidando deste bêbado! Tô levando ele pra casa e daqui eu não saio! Ô Luiz, vai mijá lá na parede! — E apontei pro Xupaxota a sede do Country Club, em frente.

O baiano doido cambaleou, lépido, até o antigo prédio e, ao invés de simplesmente tirar o pau pra fora, baixou toda a bermuda e, saco e bunda branca expostos aos decadentes freqüentadores da aristocracia falida da Capital, que entravam ou saiam do clube “chique”, se balançava todo, anjo barroco. E brandia a pingola diminuta, numa alegria de piá que ganhou bola nova, gritando entusiasmado, enquanto as velhas buguesas do Country Club, passavam torcendo o nariz, de olhos esbugalhados:

— Ô genteeeeee!!! Olha aqui , minha genteeee!!! Ooooooooooooô!

Confesso que nunca vi coisa tão engraçada (nem quando o Roberto Jeferson entregou toda a camarilha do mensalão lulista no plenário do Congresso)! E, apesar de toda minha preocupação e sisudez de babá de gambá improvisado, curti boas risadas.

Só que aí o taxista corno resolveu encrencar e alertou o segurança. Não fosse eu chamar o “Dumbo” enlouquecido, que disparou pro táxi, e, mais um instante, estava feita a bosta! No caminho a criatura, que parecia ter sido abandonada pelo Zé Pelintra e agora incorporava um “Cosme” (entidade infantil da umbanda), xaropeou tanto o já enjoado motorista sorumbático, com aquela história repetitiva de “Tu não gosta de carregar bêbado no teu táxi? Olha que eu tô bêbado!”, que tivemos de descer no Parque da “Redenção”, na Avenida Osvaldo Aranha, a duas quadras de seu apartamento, na Felipe Camarão.

E no caminho a pé, na dita rua, o doido parou junto a uma banca de verduras na calçada, sentou-se na cadeira plástica, pediu um cigarro pro crioulo que cuidava da fruteira (que, pra nossa sorte era malandro velho e levou tudo na esportiva – até se descobriu meu conterrâneo, gravataiense que era, na conversa entrecortada) e encenou o grand finale do espetáculo daquela noite.

Depois de fingir que ia desmaiar, quase despencando da cadeira, e a rir estrepitosamente da nossa cara, o Xupaxota alcoolizado recebeu o encosto de um espírito obsessor tarado de um geriatra: o doutor “Fritis-putas-que-parius-demônia-linda”. A cada mocréia enrugada, empertigada e setentona do Bonfim que vinha até a fruteira, o louco disparava: “Gostosaaaaaaaaa! Eu como!”

Foi então que uma anciã mais encarquilhada que checheca de múmia egípcia, dessas peruas matronas, moralista e metida a chique, passou com seu cachorrinho poodle, de fitinha cor-de-rosa na cabeça e tudo (o cachorro, claro) e se pôs na esquina a fofoquear com a amiga, igualmente “chique”, entusiasmando o Xupaxota, que se ergueu, ágil, dedo em riste, em direção ao totó, gritando:

— Bira, eu como! Eu vou enfiar o dedo no cu do cachorro! — e, a dois passos do pobre cãozinho, estacou e caiu na mais imensa gargalhada!

Com os olhos esbugalhados, eu, contumaz bêbado, acidentado e impedido de me encharcar de álcool, não sabia se ria ou se chorava. Mas não me agüentei e fiz coro, eu e o malandro da fruteira, ao pinguço tresloucado – que então pareceu ter desincorporado o encosto e foi tranqüilo, comigo, até o apartamento.

E enquanto subíamos as escadas até o segundo andar, tive o privilégio de presenciar o mais raro fenômeno psico-alcoólico da Terra. Todo mundo já experimentou aquela sacana amnésia depois de beber todas e dormir em seguida. Mas o cara ir esquecendo, acordado, tudo o que passou há alguns minutos, isto eu nunca havia visto. Ao entrar em casa o Xupaxota simplesmente não lembrava mais nada! Fui lhe contando toda a história desde a ida ao cabaré da Bia e eu e a peste do baiano rimos juntos, até perder o fôlego, madrugada a dentro. Ah, a minha mão direita? Depois de uns dez dias, de tanto mexer os dedos, acabou voltando ao normal (sem ter de enfiá-la em cu de totózinho de madame)!

Ubirajara Passos

XUPAXOTA E O PORRE OCEÂNICO – parte 1: o cagaço embriagado


Um acidente típico de bêbado profissional (que, fiquei sabendo pelos médicos, atende pelo apelido de “síndrome do sábado à noite”), durante a viagem de retorno, no ônibus do Sindjus-RS, do 1.º Encontro nacional Anti-Reformas, no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo, em março do ano passado (domingo, 25) acabou por me levar ao apartamento do companheiro Xupaxota, no bairro Bonfim, em Porto Alegre, na noite seguinte.

Depois de emborcar todas as cervejas possíveis, enquanto participava do encontro político-sindical, ou somente discutia ao pé do trago, com os companheiros Mílton e Mauro (ambos brizolistas, irreverentes, radicais e tarados por um trago como eu), eu simplesmente adormeci segurando uma latinha de cerveja, com o braço encaixado entre a guarda do banco e o tronco. E o resultado do mal jeito foi o punho caído e os dedos médio a mínimo da mão direita sem nenhuma força ou coordenação motora.

Ao acordar, ainda segurando a lata (que gambá que se presa não deixa cair, nem desmaiando), fui tomado pelo pior pavor ao lembrar que o Xupaxota tivera sintoma semelhante, que fora diagnosticado como AVC (acidente vascular cerebral), um ano antes. E o cagaço me levou a consultar na emergência de um hospital público do interior paulista e, chegado à capital gaúcha, no dia seguinte, no Hospital São Lucas da PUC, onde uma tomografia computadorizada confirmou o diagnóstico do sonolento médico paulista (que não realizara maiores exames): paralisia provisória do nervo radial, por compressão local.

Mas a neurologista residente (que, como o seu colega paulista, me fez suportar um chá de banco de três horas até ser atendido) ainda tinha dúvidas e resolveu que, para descartar o 1% de possibilidade da coisa não ser tão simples, mas o tal do AVC, eu deveria me submeter a uma ressonância magnética (exame caríssimo, apesar do convênio do instituto de Previdência do Estado – o IPERGS), e, para tanto, deveria me internar no hospital.

Apesar de hipocondríaco, tenho maior pavor ainda de hospital que de doença. E o pânico (síndrome da qual divido com o meu amigo baiano o privilégio de ser portador) me fez abandonar, furioso, o nosocômio. Carregasse uma faca e teria adornado a jovem médica (que ficou, igualmente, furiosa com a minha recusa em me internar) com alguns talhos (“brincadeirinha”… sou meio maluco, mas sou doido manso…)

Afinal era fim de mês, eu tinha o mínimo de dinheiro na carteira, a bateria do celular descarregara na viagem, me deixando sem contato algum com o mundo. Se me acontecesse algo sério, ninguém saberia de mim. E o simples pânico de dar baixa no hospital, completamente só, me daria um piripaque mortal!

Moro sozinho e não tive coragem de ir pra casa, em Gravataí, com medo do suposto AVC. A solução foi desembarcar, onze horas de uma noite chuvosa, e sem qualquer aviso, de mala, cuia e ansiedade, na casa do Xupaxota (que não é a casa da Xuxa, nem a casa do caralho, mas já serviu a algumas fodas comuns com umas putinhas, inclusive a Giovana da Cláudia Drink Bar, que conheço, e muito bem, há mais de dez anos).

A esta altura o leitor deve estar indignado com toda esta narrativa médica xarope e me chamando de corno e veado pra baixo, além de seriamente preocupado com a minha sanidade mental: terei me transformado, de boêmio, pingunço, boca suja, romântico, apaixonado, livre e radical, numa destas tias velhas beatas e futriqueiras que adora contar causos mórbidos? Minha querida amiga K., do blog Incompletudes, deve estar arrancando as melenas (ou, quem sabe, os pentelhos?) de arrependimento por ter manifestado sua saudade, diante da minha ausência no Bira e as Safadezas nos últimos dezesseis dias (que nada tem a ver com doenças físicas, mas com a exaustão, o DDA e o distúrbio bi-polar), no último post publicado.

Calma, porém, meus caros companheiros! Toda esta lenga-lenga é só para explicar como fui parar na residência do meu “ínclito” amigo baiano. E de como, de forma inédita para mim, participei de uma das maiores tropelias, e com certeza a mais engraçada, do pirado personagem, que ele nunca contou no Xupaxota Blog.

Pois acontece que, hospedado em sua casa, fui por ele socorrido do ataque de ansiedade com um Rivotril sub-lingual, e – incapaz de trabalhar e tendo sido marcada consulta com a sua neurologista, a bela Mariana, para a quarta-feira seguinte – por lá permaneci uma semana. E… perdoem-me os leitores, mas vou fazer um suspense: amanhã conto a parte final, e mais saborosa, da história! O texto já está muito grande, já estou meio sonolento… E quem esperou mais de uma quinzena pela ressurreição deste blog pode esperar mais um dia.

Ubirajara Passos

MARCHA DOS SELOS


Mil perdões aos leitores, mas, em Santa Rosa-RS desde 24 de janeiro, não tive acesso à internet, o que me impediu de escrever novos posts, mas não evitou que recebesse a fofoca mais quente de Porto Alegre.

Conforme sigilosa e fidediguíssima fonte, que preservarei – obviamente, o escândalo de venda de selos por funcionários da Assembléia Legislativa, a partir do qual está sendo apurada a utilização indevida de 500 celulares (que, segundo a fonte, envolve servidores CC e deputados de todas as bancadas, inclusive a daquele partido cuja sigla inicia por P e termina por T), acabou rendendo a seguinte marchinha, cantada aos cochichos entre parlamentares e assessores presentes ao carnaval da capital:

Que falta de siso, ah que putaria!
Mais de mil cabeças rolarão.
Se ferrô um  tal João Vítor e toda camarilha
C’os selos do Macalão!