“Nem tudo está perdido!”


Isa gaudéria

Texto que escrevi, de improviso, na tarde  do início do IV Congresso dos Servidores do Judiciário do Rio Grande do Sul (IV Conseju), antes de sair de casa, a partir de minhas experiências com a minha filha Isadora (que completou 3 anos no dia 1.º de setembro e que aproveito para homenagear com a foto mais recente, do último 20 de setembro – feriado estadual da Revolução Farroupilha no Rio Grande do Sul):

Ver a própria imagem refletida num ser humano real, de carne e osso, em uma versão mais jovem. Isto é que é, verdadeiramente, um mistério. Não a possibilidade remota de improvável de perpetuar-se em sucessivos avatares de milhares de reencarnações. O mistério que engendra, na matéria viva e pulsante, um conjunto de manifestações mentais tão semelhantes às nossas, principalmente na parte operacional das emoções, mas tão distintas quanto às possibilidades do espírito humano.

Muito mais do que saber-se o resultado de reproduções variadas de pares de programas biológicos distintos que resultaram na conformação da consciência extra-corporal e em especializações cada vez mais refinadas de um protótipo original, realizando no concreto as potencialidades apenas entrevistas nos primeiros indivíduos, o entusiasmante mesmo é se constatar o quanto os nossos hábitos de comportamento são capazes de refletir-se naquele corpinho, já nos primeiros dias fora do ventre materno, independentemente de qualquer influência mimética ou condicionante resultante da repetição dos dias.

É fantástico, nos parâmetros estreitos de uma identidade que ainda se define pela noção de apropriação e territorialidade (esta a mais antiga, mãe da anterior, surgida da necessidade de sobrevîvência num mundo hostil e precário, animado na permanente competição entre iguais e na possibilidade do engolimento literal dos menos aptos pelos mais organizados), ver esta hereditariedade confirmatória de nossas precariedades e erros orgulhosos de si.

O mais prazeroso, arrebatante, entretanto, é darmos com aquele serzinho de apenas dois anos de idade tomando ares de autonomia, pretendendo vestir o próprio tênis ou carregar a nossa mala (com um ar voluntarioso e contrafeito à nossa enternecida e, inevitavelmente,  autoritária superproteção), e dizendo: “Deixa eu! Agora é eu! Eu posso!”.

Quando nos bate, ríspida e imprevisível, esta atitude à cara, podemos ter certeza, observando algo tão carregado de sentimentalismo e expectativas ou justificativas, no nosso imaginário, como o próprio filhote: A humanidade ainda tem jeito! A maioria dos indivíduos ainda há, logo, logo,de aprender a dizer NÃO! a toda opressão, a toda imposição unilateral, limitante e infelicitante, de regras e saberes, o mais vezes, sustentada sob o mais vil e hipócrita egocentrismo sádico erigido em pretenso, arrogante, e terrivelmente enojante, nauseante mesmo, dogma “científico” – aparentemente neutro e racional (e, em razão da aparências, mais perigoso e difícil de ser vencido), mas profundamente enraizado nos piores instintos, filhos do sobressalto e da miséria inomináveis. Resultantes da precariedade  que resume a vida a uma “sobrevivência” – infame, insulsa e raivosa – cujo único élan é a raiva incontida e espumante, a disposição destrutiva absoluta contra tudo que semelha um mínimo de gentileza, conforto, liberdade e criatividade, e até mesmo de agressividade sadia e redentora.

E desta negação contundente, convicta (e mergulhada, apesar de sua força e dureza, na ternura e na alegria de viver e compartilhar) há de nascer um novo mundo, prenhe e pleno de prazer, liberdade, inspiração e criatividade, em que não mais seremos galhos secos e indistintos jogados à fornalha dos apetites minoritários, mas o próprio vento, forte e indomável, compondo uma sinfonia de absoluta e enigmática beleza nos encontros e desencontros de  nossas vontades e inferências.

Ubirajara Passos

Um comentário em ““Nem tudo está perdido!”

  1. Caríssimo Bira,

    Sempre gostei imensamente dos teus textos e esse não é exceção, porém, sinto-me no dever de dizer que, com a paternidade, estás romântico. Nada de mal nisso, já que considero todo anarquista, romântico. Apesar de nem todos saberem disso…

    Parabéns pela linda filha!

    Saudades, desde aqui no meu exílio financeiro.

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