À minha mãe ida, mas sempre presente


Não sou dado a manifestações emotivas em datas de comemoração “obrigatória” e padronizada, que atendem muito mais à ganância do mercado capitalista do que às memórias afetivas coletivas. Mas, hoje de manhã, em meio às peripécias finais da campanha eleitoral como candidato a Coordenador-Geral do Sindjus-RS, acordei com uma nostalgia antiga e dolorida, que o arvoredo de fundo de pátio, em pleno outono de frio, nuvens e ventania, para que dá a janela do meu quarto, tratou de reforçar, e acabei parindo o poema abaixo:

À minha mãe ida, mas sempre presente

Já faz bastante tempo que partiste
Para a longínqua estância do eterno,
Deixando-me pra sempre desmamado.

Quando tu fostes de volta ao pó da terra,
Mais do que alguém que carregou-me nove luas
No edênico berço do teu ventre,
Perdi uma amiga, uma das raras almas
Que compreendia-me profundo e desnudado
Dos atavios de adágios e discursos.

Perdi uma parte irrecuperável de mim mesmo,
Mas conservei, pulsante e permanente,
Uma ternura por tudo é quanto frágil,
Um cuidado preocupado e extremoso
Com a vida nova que se agita entusiasmada
E inconsciente da perfídia deste nosso mundo.

Eu que privava da tua intimidade,
Mas fui, contraditório, parco de palavras
Pra te dizer o quanto tu eras tudo,
Hoje compreendo, pai que sou de uma filhinha
O que inspirava as intromissões,
Que sufocavam meus ímpetos de potro,
Já bem crescido e senhor de si.

Hoje, conservo, em meio ao fogo da batalha
Pela transformação da sociedade
Em justa e solidária comunhão de peões,
Sempre uma ponta de intranquilidade,
Quando distante da minha menininha,

E, sempre que posso, jogo longe a armadura
E sento ao chão, criança revivida,
Para com ela ser bebê de novo,
Me arrebatar com o mais simples brinquedinho
Rindo à toa, com ela, o olhar cúmplice,

E lhe dar o que trago de mais caro,
Bem fundo, no mais íntimo de mim,
Que é o carinho que de ti restou-me,
Como relíquia sagrada e sem medida.

Gravataí, 9 de maio de 2010.

Ubirajara Passos

Um comentário em “À minha mãe ida, mas sempre presente

  1. Naira Oliveira disse:

    Li teu poema e lembrei com saudades da tua mãe, minha tia, qd vcs nos visitavam em Pinheirinhos interior de Sto Antônio, sempre nas férias. O cuidado que ela tinha contigo era enorme, principalmente pela alimentação que era difícil, tu não era mt chegado a um bom prato cheio, kk.Mas é isto, o percurso normal da vida. Bom que tu soube seguir o exemplo e aplica-lo no papel de pai. Bjs

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