Receita para trilhar seguramente a existência:


 Alguns ecos da leitura de “Cartas a um jovem poeta”, de Rilke, o embalo do seriado “Dalva e Herivelto” (exibido pela Rede Globo, nesta semana) e uma inspiração súbita, cuja redação foi adiada desde a semana anterior a do Natal, resultaram no poema abaixo publicado, escrito na quentíssima e modorrenta tarde de ontem:

Receita para trilhar seguramente a existência:

Quando fores, meu amigo, olhar a vida,
Com o olhar indefeso de quem mira
Um abismo pétreo à luz da alvorada, 
 

Não a encares de frente,
O rosto sério
E o queixo erguido, com ares de bravata.

 A enfrente, sim,
Com toda consciência,
E tome uns fortes goles de coragem, 
 

Mas faça como se estivesses no salão
De um cabaré de quinta, paquerando
Uma bela puta, com o olhar dissimulado.
 

Faça aquele ar de cão perdido,
Pisque o olho,
Mas tenha sempre à mão
Dois reais de malandragem, 

 Que a vida, camarada, rebola como gata,
Mas é uma velha marafona esquiva
E nocauteia o falso cafajeste
Que não a saiba seduzir completamente;
É onça braba, 
 

Que, envolvida na conversa mole
Mil vezes superior à sua lábia,
Perde os arroubos de fera,
Amansa e mia apaixonada.
 

Gravataí, 9 de janeiro de 2010 

Ubirajara Passos