PEQUENO DICIONÁRIO ETIMOLÓGICO SOCIAL – 5


Patrimônio: originário do latino patrimonium, cujo significado é de herança familiar ou do pater (pai), o “patriarca”, que, no Império Romano, como em geral em toda a Antiguidade, detinha o governo ou poder de dispor sobre seus “pertences vivos” particulares, do cachorro à vovozinha, fazendo o que bem entendesse, do empréstimo e venda à morte. Na velha Roma, a moda dos feudos do Nordeste brasileiro, quando a criatura todo-poderosa morria, deixava para o seu sucessor imediato (o filho mais velho, mais esperto ou melhor preparado para o assassinato, não necessariamente nesta ordem) não somente os “bens econômicos” propriamente ditos, mas toda a corte de pobres escravos domésticos, que incluía filhos, netos, e, obviamente, a santíssima esposa, cuja mão-de-obra era tão preciosa, e essencial, aos seus negócios quanto o dinheiro entesourado.

A palavra, não casualmente, passou ao Ocidente burguês como sinônimo de “bens, direitos e obrigações” de uma pessoa jurídica ou física, denunciando, subliminarmente, a natureza hierarquizada e instrumentalizadora do casamento compulsório, vigente ainda em nossos dias na maioria das situações: o senhor absoluto, o pater “comprava” a mulher que seria responsável pela geração e adestramento da prole servil, bem como dos escravos da propriedade (ela mesma uma escrava de luxo, de cama e mesa) , a mater  e entre eles se estabelecia o que modernamente se chama matrimônio, a associação familiar obrigatória de submissão e “proteção” e “provimento” dos meios de sobrevivência, em que a parte do macho dominador (o pai) se traduzia no exercício do poder e do privilégio econômico e a da fêmea dominada (e reprodutora, tanto no sentido físico quanto ideológico), no serviço submisso e “útil” ao seu “senhor” (o dominus, ou simplesmente dono, em português). Melhor que isso só a “sociedade de capital e indústria” do velho código comercial brasileiro, de 1851, em que o capitalista entrava com o a grana e o burro de carga do sócio de indústria com os braços.

A própria expressão família  (familia ou familiae, no latim) tinha, justamente, a acepção de “domésticos, servidores, escravos, séquito, comitiva, cortejo, casa…”, ou seja, a horda ou turma de arigós obrigados, debaixo do tacão, a dar o cu, se esfalfando todo dia, no trabalho inglório (fosse ele do tipo que fosse, da enxada e do arado ao leito) pelo sinhozinho romano.

A estrutura que hoje conhecemos, portanto, como uma pretensa derivação natural da “afetividade” (uma das obrigações malditas, e mais desmoralizantes do servo, sempre foi gostar do seu amo) e da biologia humana deriva, na verdade, como o deixa a mostra a etimologia dos termos ligados aos seus principais personagens, de uma velha forma de organização “empresarial” da dominação sócio-econômica básica da sociedade ocidental, o negócio do velho pater ou patronus (patrão), o macho humano de algumas posses, de vaidade e prepotência equivalente, que, ainda que não pertencente à nobreza dirigente, possuía a sua trupe particular de infelizes lacaios vivendo sob o teto, e a chibata, comuns.

Ubirajara Passos

2 comentários em “PEQUENO DICIONÁRIO ETIMOLÓGICO SOCIAL – 5

  1. thereza cabral disse:

    Que bacana! Achei interessantíssimo seu site e saborosas as definições. Aproveito: você pode recomendar alguns dicionários etimológicos? Grata,um abraço e já anotei você em Favoritos, escreva sempre.

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    • Cara Thereza: há uns quantos bons etimológicos que poderia recomendar. Eu pessoalmente, como não tenho muito tempo para vasculhar bibliotecas e livrarias, utilizo dois dicionários comuns que incluem etimologia em seu conteúdo: o Dicionário da Língua Portuguesa Larousse Cultural, editado pela Nova Cultural Ltda. em 1992 e o Dicionário Houaiss eletrônico da biblioteca do Site Uol.

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